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Keynesianas
Mario Gómez Olivares

 

 

A crítica keynesiana à hipótese de salários monetários rígidos: Uma crítica a interpretação de Hicks-Hansen-Modigliani

 

 

“It does not follow that involuntary employment..can be avoided by increasing the quantity of money indefinitely, keeping money wages unchanged. If classical economics have always mean that a sufficient increase in money in term of wage units would be a compensatory element, well and good.. I always understood that they favoured a reduction in money wages because they believe that  this would have a direct effect on profit, and not one which operated indirectly through the rate of interest”

 

Introducção

Este artigo se propõe estudar a determinação do desemprego na base da hipótese de rigidez dos salários numa base crítica, utilizando os argumentos que o próprio Keynes apresenta na Teoria Geral e em outros artigos num outro sentido. Hicks, Hansen e Modigliani, interpretando Keynes, atribuem a existência do desemprego à rigidez do salário. Nos propomos aqui demostrar que tal interpretação não corresponde a posição de J.M. Keynes, mas que foi através destes autores citados veiculada a ideia central do pensamento keynesiano, de que o desemprego é provocado pela rigidez do salário nominal. Para este fim dividimos o artigo em duas partes. Primeiro a confrontação de Hicks- Hansen com a interpretação de Keynes sobre a determinação do desemprego baseada na rigidez do salário e do juro e a seguir, a hipótese conhecida da armadilha da liquidez  de Modigliani e a reiteração do lugar central da taxa de salário como explicação última do desemprego. Não vamos a discutir toda a problemática da determinação do desemprego, apenas deixar claro que ela não se sustenta na rigidez do salário. Se assim fosse não teria tido Keynes a necesidade de escreber uma Teoria Geral e apenas o modelo neoclássico do mercado de trabalho deveria permitir uma hipótese adicional no sentido de apresentar uma curba inelástica de oferta de trabalho a partir do ponto em que os salários são rígidos.

1. A rigidez do salário e a determinação do desemprego em Hicks e Hansen

No conhecidoa artigo intitulado “ Mr Keynes and The Classics: A Suggested Interpretation”, Hicks(Hicks, 1937)  propôs um modelo de equilíbrio geral dos grandes mercados, que permite, uma vez especificadas as funções de oferta e procura sobre os mercados, uma representação das condições de equilíbrio. Hicks entendeu apresentar comparativamente as teorias clássica e keynesiana a fim de estudar o âmbito da  validade de ambas e avaliar as respectivas consequências para a elaboração de futuras políticas económicas[1].

Este modelo estrutura a economia em quatro grandes mercados: o mercado de bens e serviços, o mercado de títulos e activos financeiros, o mercado de trabalho e o mercado da moeda. A cada mercado corresponde uma função oferta agregada e uma função procura agregada. A condição de equilíbrio é S = D em todos os mercados. No entanto, por ser suficiente para o Equilíbrio Geral   que o equilíbrio global seja realizado em três mercados (n(1 em vez de n), o mercado de trabalho é analisado de modo independente. Hicks demonstra que a realização do equilíbrio sobre os mercados de bens e serviços (incluindo o mercado dos factores) e sobre o mercado da moeda implica também a realização do mercado de títulos(Hicks 1939)[2].

Esta interpretação realça a forma da curva que representa o mercado da moeda, que Hicks  designa por curva LL. Dada a oferta de moeda,  é possível determinar a relação entre juro e  rendimento de modo  a poder dizer “something about the shape of the curve”, que tenderá a ser horizontal à direita e vertical à esquerda. Existe um mínimo abaixo do qual a taxa de juro não pode descer (a armadilha de liquidez que consta da Teoria Geral)[3]. A Teoria Geral de Keynes seria um caso especial, quando à esquerda do ponto de intersecção entre a curva IS (a curva de equilíbrio entre poupança e investimento) e a curva LM (de equilíbrio entre oferta e procura de moeda) um aumento da quantidade de moeda permite aumentar o rendimento e o emprego, sem  que aumentem a taxa de juro e os preços[Hicks, 1937]”

O complemento ao artigo de Hicks, que se tornou na base interpretativa desta corrente, encontra-se no capítulo VII da obra de Alvin Hansen[4]: Guia de Keynes(Hansen, 1953). Reconhecendo a contribuição de Hicks como decisiva para a explicação do nível da taxa de juro, Hansen assevera que Keynes teria deixado por determinar a taxa de juro no capítulo 13, i.e. a oferta e a procura de moeda não determinam a taxa de juro. Segundo Hansen, a determinação da taxa de juro a partir das curvas de preferência pela liquidez, pressupõe que será conhecido previamente o rendimento, de modo a saber que quantidade de dinheiro ficará disponível depois das transacções para utilizá-lo como activo. Daqui Hansen conclui que a teoria dos fundos emprestáveis de Pigou e a teoria da preferência pela liquidez de Keynes proporcionam uma teoria adequada da taxa de juro.

O suposto erro de Keynes na indeterminação da taxa de juro baseia-se na insistência de Hansen em que a determinação da taxa de juro se encontra no capítulo 13 da teoria Geral. No capítulo 15 porém,  Keynes apresenta a sua teoria da preferência pela liquidez como L = L1(Y) + L2(i) = M, i.e. que a procura da moeda é uma função das duas procuras, da demanda para transacções L1, função do rendimento, e a procura para especulação L2, função da taxa de juro. Keynes admite que se o rendimento crescer, também crescerá a procura de moeda para transacções e, a menos que a oferta M cresça, um aumento de L1, levará a diminuir a quantidade de moeda disponível para procura especulativa, pelo que a taxa de juro crescerá. Este argumento fortalece a hipótese dos diagramas de Hicks-Hansen.

Keynes[Keynes, 1937] realça, de maneira clara, a possibilidade de uma deslocação das curvas de preferência pela liquidez. Aliás, afirma-o num célebre artigo de 1937:

 

“ When, as happens in a crisis, liquidity preferences are sharply raised, this shows itself not so much in increased hoards-for there is little, if any, more cash which hoardable then there was before-as in a sharp rise in the rate of interest, i.e. securities fall in price until those7, who would now like to get liquid if they could do so at previous price, are persuaded to give up the idea as being no longer practicable10on reasonable terms”.

 

Keynes reconhece a dificuldade face ao problema de L1(Y), e escreve:

 

“ I fully agree.. that the increased demand for money resulting from an increase in activity has a backwash which tends to raise the rate of interest; and indeed, a significant element in my theory of why booms carry within the seeds of their own destruction. But this is, essentially, a part of a liquidity theory of the rate of interest, and not of the «orthodox» theory”[idem].

 

O esquema IS-LM  aponta para a situação de depressão como uma situação na qual a política monetária é  ineficaz e na qual  se supõe existir uma curva da preferência pela liquidez horizontal. A política monetária anti - recessiva não consegue reduzir a taxa de juro, pelo que não  existirão movimentos à direita e para baixo da eficiência marginal do capital até que a eficiência marginal do investimento realizado seja igual à taxa de juro, pelo que será necessário o recurso a outros meios[5]. Como sugere Brazelton[1988] a creença na horizontalidade da preferencia pela liquidez deriva da enfase que se dá a política monetária no período depressivo. Aliás o mesmo se poderia dizer da teoria dos fundos prestáveis de Robertson, i.e., antes de saber que quantidade de fundos serão destinados aos empréstimos, é necessário conhecer o montante e nível dos rendimentos.

O diagrama IS-LM desenvolveu-se na interpretação que J. Robinson  identificou como “bastard keynesianism” ou que Coddington  designou por “Hydraulic Keynesianism”, onde os preços não são avaliados, os salários são considerados constantes ou exógenos, as expectativas têm elasticidade nula, e a procura efectiva na interpretação de Keynes desaparece, como Hicks [Hicks, 1977: viii]reconhecerá  posteriormente.

Pelo que a IS-LM é um sumário particular de Keynes, e nunca a teoria de Keynes, e mesmo assim baseado em pressupostos, como a rigidez dos salários, que nunca foram colocados por Keynes como condicionantes da sua conclusão sobre a persistência do desemprego. No diagrama Hicks-Hansen a causa profunda do subemprego está na existência de uma taxa de salário demasiado elevada relativamente à taxa do salário real de pleno emprego12. É a rigidez do salário à baixa que provoca a existência de um desemprego persistente. O próprio Hicks[6] distanciou-se da sua formulação de 1937, embora insistindo na ideia de que o modelo de Keynes explica o desemprego pela rigidez à baixa dos salários. O curioso é que Hicks interpreta o modelo de Keynes pela rigidez da taxa de juro associando essa rigidez à taxa de salário, i.e.. a rigidez da taxa de salário explica a rigidez da taxa de juro, contrariando Keynes, para quem a rigidez do salário se explica pela rigidez da taxa de juro específica da moeda.

Podem ser consideradas duas críticas  ao esquema IS-LM14: i) o esquema IS-LM é de carácter macro-económico pelo facto de as funções consideradas serem agregadas e estruturadas apenas em quatro grandes mercados. O método, porém, não difere do método do equilíbrio geral de Walras que requer que o equilíbrio seja atingido simultaneamente em todos os mercados. O equilíbrio keynesiano é um pseudo-equilíbrio walrasiano, pois é obtido através da desconexão completa do mercado de trabalho face  aos outros mercados, o que constitui uma violação do princípio walrasiano da interdependência dos mercados, obrigando a assumir pressupostos especiais sobre os salários monetários que conduzem à ideia de que o desemprego se deve à ilusão monetária dos trabalhadores. Mas este equilíbrio keynesiano pseudo-walrasiano é também uma violação do princípio da procura efectiva, onde Keynes não separa o mercado de trabalho dos outros mercados através da relação entre o multiplicador do investimento  e o multiplicador do emprego; ii) não é incorrecto dizer que a Teoria Geral é uma análise das condições da formação de um equilíbrio de subemprego na condição de não dar ao conceito de equilíbrio a sua interpretação walrasiana, mas sim o sentido mais neutral de equilíbrio em movimento, e, portanto, não  sendo de situação durável como o conceito de equilíbrio walrasiano. A abordagem de Keynes consiste em definir a procura efectiva, especificar as funções agregadas de oferta e procura, e determinar o equilíbrio de subemprego. A construção do equilíbrio de subemprego é realizada a partir do princípio da procura efectiva.

Keynes define a procura efectiva como o nível da procura global correspondente a intersecção da oferta agregada e da curva de procura agregada. A função de oferta agregada é definida como o mínimo de receitas antecipadas que cobrem os custos de produção ao nível de emprego N,  ou seja Z = ¢(N).  A função de procura global é definida como o nível de receitas esperadas pelos empresários, correspondente a cada nível de emprego N que estes decidam empregar: D=f(N). A procura efectiva determina-se quando Z=¢(N)=D= f(N).

A procura efectiva De dá-nos o nível de emprego de equilíbrio Ne, onde as antecipações dos agentes relativamente a oferta e à procura, i.e. as expectativas dos empresários relativamente às receitas, determinam o nível de emprego. Para todo o nível de emprego superior a Ne, as receitas necessárias à cobertura dos custos de produção ultrapassam as receitas esperadas, o que incita os empresários a diminuirem o emprego;  caso contrário, para todo o nível inferior a Ne,  eles aumentarim a sua procura de trabalho.

As causas do desemprego  exigem determinar com maior precisão a procura global e os seus determinantes: o consumo e o investimento, tarefa  que, aliás, Keynes realiza nos livros III e IV da Teoria Geral.

Pelo contrário, as causas do subemprego no esquema IS-LM são essencialmente duas:

- a ilusão monetária dos assalariados que se obstinam em recusar uma descida do salário nominal, mesmo quando os preços dos bens descem e em consequência os  salários reais aumentam;- a armadilha da liquidez, i.e., a rigidez a partir de um determinado patamar da taxa de juro[7];

Como se vê, este modelo aponta como causas do desemprego a rigidez ou falta de flexibilidade dos preços no mercado de trabalho e da moeda. Estas causas do subemprego não são as causas que Keynes aponta através da análise da procura efectiva. Se a taxa de salário nominal ou a taxa de juro diminuem, o emprego de equilíbrio  situa-se a um nível mais alto, na medida em que os custos de produção são reduzidos. A curva (N  desloca-se para a direita. Porém, nada indica que esta baixa permitirá atingir o pleno emprego, pois a descida dos salários obrigará a ‘rever as antecipações relativamente à procura, pelo que a curva f(N) se deslocará para baixo e para a direita. Parece então que a análise IS-LM, substituindo o raciocínio em termos de flexibilidade dos preços de mercado tipicamente clássico à análise e ao raciocínio de Keynes em termos de antecipações e expectativas dos empresários, não consegue encontrar as causas verdadeiramente keynesianas  para o subemprego, inserindo a hipótese ad-hoc de rigidez dos preços. Iremos argumentar que esta hipótese não está presente em Keynes.

O diagrama IS-LM, tido como a maior referência do pensamento keynesiano durante várias décadas ( Samuelson,1973:352), é ainda hoje utilizado no ensino da macroeconomia keynesiana em muitas universidades do mundo, mas pode ser considerado como uma versão bastante afastada do pensamento de Keynes. Estranho é que este esquema tenha sido posto em causa apenas por outras interpretações keynesianas quando os monetaristas  iniciavam um duro ataque ao pensamento keynesiano, ao passo que S. Weintraub, Schackle, Robinson já o tinham feito uma década antes.

2.O chamado «keynesian case» de Modigliani

 

F. Modigliani é o autor que, integrando-se na corrente de Hicks-Hansen, dá ênfase à rigidez da taxa de juro. No seu célebre artigo de 1944, tal como Hicks, Modigliani propõe-se formular uma teoria mais geral, integrando as velhas e novas teorias do juro e da moeda. Trata-se de incorporar a teoria da preferência da liquidez de Keynes na teoria clássica, considerando as hipóteses muito particulares sobre a oferta de trabalho. A interpretação de Modigliani segue essencialmente a interpretação de Keynes por Hicks.

A armadilha da liquidez que caracteriza esta abordagem de Keynes baseia-se nas características da função de procura de moeda, como Modigliani[ 1944] afirma:

 

“ Since securities are an «inferior» way of holding assets, it is generally recognized that there must be some minimum rate of interest, say  r´´, at which nobody will be willing to hold nonphysical assets except in the form of money. When this level is reached, the demand for money to hold becomes «absolute» and the rate of interest cannot fall any lower.. On the other hand, when the rate of interest falls to the level r“, the demand for money to hold becomes infinitely elastic. Any increase in the supply of money to hold fails to affect the rate of interest, for the owners of the extra supply will either desire to hold this in the form of cash; or else they will find some owners of securities, who will be willing to sell without any necessity for bidding up the price of securities( lowering the rate of interest)..This situation that plays such an important role in Keynes‘s General Theory will be referred to as the Keynesian case”.[1944:]

Embora reconhecendo que um dos elementos mais importantes da teoria de Keynes é a prova do equilíbrio com subemprego, Modigliani atribui esta possibilidade à rigidez dos salários. Modigliani pressupõe como Hicks que a elasticidade de expectativas é sempre unitária, o que significa que se os preços correntes se modificam, os preços esperados mudam na mesma direcção e proporção, o que implica que as funções de expectativa são funções que interligam preços correntes e esperados e são homogéneas de grau um

Explicando a persistência do desemprego a partir da rigidez do salário monetário, Modigliani atribui a este a falta de um mecanismo automático que permita que o pleno emprego seja atingido, i.e. o desemprego existe porque, mesmo que existam pessoas que desejem trabalhar ao salário corrente em número maior que o emprego existente,  a economia capitalista é guiada pelos preços e não pelos desejos e como o salário menetário e rígido, este desejo falha em transformar-se num estímulo economico.

Admitindo que os salários são rígidos à baixa, a explicação completa reside em que uma redução no rendimento monetário necessário à queda da taxa de juro se transforma numa redução do rendimento real e do emprego. Este efeito de redução do investimento gera um processo de contracção, porque se os produtores  tiverem perdas,  reduzirão a procura de trabalho, mesmo que a produtividade marginal do trabalho não tenha diminuído, o que acaba por afectar a produção de bens de consumo e irá gerar desemprego também nesse sector[8]. O rendimento real descerá juntamente com o rendimento monetário. A queda do rendimento monetário irá incrementar a necessidade de manter a oferta de moeda; a queda do rendimento real fará decrescer a poupança e aumentar a eficiência marginal acima do nível da taxa de juro. Este duplo conjunto de reacções conduzirá finalmente ao novo equilíbrio, com um salário menetário mais baixo, um rendimento menor e menor emprego, como resultado de um desajustamento entre a quantidade de moeda e a taxa salarial (Metzler, 1988).

Keynes atribui um valor bem menor à preferência pela liquidez em termos absolutos, um caso nunca visto na prática, alias Keynes considera como muito mais provável um deslocamento na função de preferência pela liquidez, pelo que a armadilha pela liquidez é considerada uma possibilidade remota.

Keynes esteve sempre contra a redução dos salários monetários e a favor de salários estáveis, o que não quer dizer que se adopte esta posição  como hipótese central para explicar o equilíbrio com desemprego. Já antes da Teoria Geral Keynes, nomeadamente no ‘Treatise‘, Keynes discute o problema da rigidez dos custos, incluindo os custos salariais. Na Teoria Geral adopta a hipótese de manter os salários monetários constantes a fim de determinar a procura efectiva, como explica no capítulo 3, sendo o resultado da sua investigação independente desta hipótese, pois no capítulo 19 estuda o efeito de uma variação dos salários sobre o emprego. Keynes não rejeita a hipótese clássica de que uma descida dos salários monetários possa incrementar o output e o emprego, enfatizando que a sua divergência com os clássicos é de análise e não de conclusões[9].

O argumento clássico é simples: uma redução dos salários monetários provocará uma redução dos custos e, desse modo, dos preços. Se os preços descerem existirá um movimento da curva de procura, de tal modo que o output e o emprego crescerão. O argumento é segundo Keynes falacioso, pois pressupõe que a procura efectiva se mantém. O problema é que se uma queda dos salários, mantendo a procura efectiva, aumentar a produção e o emprego, a teoria clássica não terá meios para analisar a influência da descida dos salários monetários pois não possui nenhum modo de analisar o problema e não tem uma teoria da determinação do rendimento e do emprego,  logo da procura efectiva.

De acordo com a teoria de Keynes, uma mudança dos salários monetários pode mudar o nível do emprego apenas se mudarem alguns dos factores subjacentes à procura efectiva. Portanto, uma descida do salário monetário pode mudar o emprego se tiver alguma influência na propensão ao consumo, na eficiência marginal do capital ou na preferência pela liquidez( na taxa de juro). O impacto de uma descida dos salários nominais sobre o emprego apenas resulta se afectar esses factores. Como Keynes utiliza uma função oferta agregada medida em unidades salários, as mudanças nos salários não a afectam.

Isto permite discutir as limitações de uma descida dos salários reduzida a uma descida dos custos. Se este fosse o caso, se os empresários estivessem a espera de que uma redução dos salários monetários reduzisse os custos, procurando aumentar a produção, as suas expectativas poderiam gorar-se se o produto das vendas, produto do aumento da produção e do emprego, fosse menos que o esperado, levando-os a diminuir a produção e o emprego ao anterior nível. Aliás Keynes apresenta uma taxonomia dos efeitos que poderiam ser esperados de uma redução nos salários nominais:

i)          Poderia haver efeitos de redistribuição do rendimento. Os assalariados poderiam perder e os que vivem de rendimentos mais ou menos fixos poderiam ganhar. Isto afectaria a propensão ao consumo.

ii)         Podem existir efeitos positivos numa economia aberta, se a redução dos salários representa uma descida relativa aos salários dos outros países. Isto melhora a balança de transacções correntes e melhora o investimento, embora seja preciso considerar os efeitos sobre os termos de troca.

iii)        Existem efeitos sobre as expectativas que condicionam a eficiência marginal do capital. Estes efeitos podem ir em duas direcções, dependendo da influência nas expectativas sobre os salários e preços futuros. Se a redução dos salários é uma redução relativa às expectativas dos salários futuros, o efeito sobre a eficiência marginal do capital é positivo. Mas se a redução provoca a expectativa de futuras reduções, o efeito não será favorável.

iv)        Existem efeitos sobre a taxa de juro. Uma queda geral nos salários e nos preços, mantendo-se o resto constante, virá a reduzir o encaixe monetário necessário para satisfazer o motivo transacção; isto permite reduzir a taxa de juro, pois a quantidade de moeda disponível para o motivo especulação é maior, aumentando também o preço dos títulos e desse modo o investimento. Mas é importante considerar a restrição da condição caeteris paribus, pois uma queda dos salários monetários pode perturbar a confiança política provocando um movimento na preferência pela liquidez que anula o efeito da descida dos salários monetários.

v)         Os empresários podem ter expectativas optimistas relativamente à queda dos salários monetários, se por erro pensarem que essa queda lhes é favorável. Esta expectativa é gorada se os assalariados cometerem o mesmo erro e reagirem desfavoravelmente à queda nos salários monetários.

vi)        Um outro ponto relevante a considerar é que uma descida dos salários e dos preços tem efeitos perniciosos sobre as dívidas dos empresários, que provoca efeitos negativos sobre o investimento.

Uma situação em que os salários monetários descem gradualmente parece não ter efeito favorável sobre a  eficiência marginal do capital. Uma redução em grande escala não é possível nem credível num sistema de livre contratação e negociação entre assalariados e empresários, pelo que o efeito da queda dos salários e dos preços na procura de moeda, deverá levar, para os que acreditam na qualidade de um sistema automático de ajustamento,a pensar no peso dos seus argumentos.

Nesse sentido a política de salários flexíveis pode ter o mesmo efeito sobre o emprego que a política monetária. Como não existem razões para supor que a política monetária sozinha possa restaurar o pleno emprego em determinadas circunstâncias, porque haveria a política de salários flexível consegui-lo? Embora as políticas possam ser analiticamente as mesmas na sua incidência sobre o emprego, ambas mudam a quantidade de moeda em termos de unidades salários, outras considerações deverão ser tomadas em conta na sua escolha. Keynes não esconde que, a ser assim, prefere a política monetária à política dos salários flexíveis [Keynes, 1936][10]

Esta posição está em perfeita compatibilidade com a posição do capítulo XVII da Teoria Geral, onde a estabilidade dos salários é condição da estabilidade dos preços, assegurando um padrão monetário estável.

Na sua análise Keynes não prova que diminuindo os salários monetários não se consegue reduzir o desemprego, mas quando introduz o problema das expectativas aplicadas as seu sistema teórico, aponta para o facto de que estas podem gorar o objectivo de reduzir o desemprego numa economia fechada. Mas se todos os países tivessem uma política de salários flexíveis, o resultado poderia ser o mesmo que uma situação de economia aberta. Keynes argumenta que uma redução nos salários monetários para ser efectiva deverá provocar uma mudança na preferência pela liquidez, na propensão ao consumo ou na curva de eficiência  marginal do capital, ou nada acontecerá. O argumento a favor das reduções nos salários monetários como cedência para um maior emprego depende da cláusula caeteris  paribus. Uma redução dos salários monetários poderá influenciar o emprego se afectar algum destes itens: i) reduz a preferência pela liquidez, porque menos dinheiro  é  necessário para o motivo negócio; ii) uma redução nos salários monetários irá reduzir os preços e implica alguma redistribuição nos rendimentos,  primeiro do  factor trabalho a outro factor dos custos óptimos. O efeito  sobre  a  propensão  para o  consumo  é  negativa; iii) se a redução esperada é vista comor temporária,  ela efectará positivamente a eficiência marginal do capital, mas se ela é o prelúdio de uma nova  queda esta será pouco favorável, o que acontece frequentemente e na prática,  reconhece  Keynes;  iv) no caso de uma economia aberta,  um corte no salário implica ‘extorquir uma quantidade de emprego’ de um outro país. Mas isto provoca termos de troca desfavoráveis.

É com a introdução das expectativas que Keynes teoricamente sublinha a improbabilidade da teoria clássica demonstrar que um redução dos salários diminui o desemprego. A análise dos clássicos baseada na relação custos, preços e lucros estava defeituosa, acreditava Keynes. A sua convicção era que a teoria clássica falhava ao tomar em consideração os efeitos da taxa de juro, particularmente a taxa de longo prazo ou esperada. É o efeito da taxa de juro sobre a eficiência marginal do capital que determina se a descida dos salários monetários reduz o desemprego involuntário, e não a relação entre custos, salários, preços e lucros. Daí que este rejeitasse uma política de salários flexíveis.

Conforme a sua hipótese de salários relativos, um acordo por parte dos sindicatos em reduzir os salários teria efeitos efémeros se os salários e rendimentos dos não sindicalizados não se modificasse, pois isto afectaria as expectativas. Keynes examina três questões: Primeiro, é extremamente difícil conseguir uma redução uniforme das taxas salariais, enquanto que é relativamente fácil mudar a quantidade de moeda. Segundo, dado que existem certos grupos de rendimentos que são relativamente fixos, é necessário considerar, por razões de justiça social e benefício social, as diferenças que existem entre assalariados e os que vivem de rendas, pelo que as conveniências sociais são mantidas se todos os factores de produção mantém remunerações estáveis. Terceiro, existe um peso desigual na carga da dívida, pelo que uma queda da unidade salário incrementará o peso da dívida de modo incomportável para a produção e o emprego.

Podemos ver, por isto,  que atribuir a Keynes a ideia  dos assalariados sofrerem de ilusão monetária também não é correcto. Discutindo a posição de Ricardo, Keynes distingue duas interpretações da ideia de que a política monetária é inútil. Uma interpretação é de que a taxa real de juro é independente da quantidade de moeda, concordando com Ricardo. A outra interpretação é que a política monetária são os termos definidos sobre como se incrementar ou diminuir a quantidade de moeda. Uma mudança nos termos em que o dinheiro é oferecido, uma alteração na regra política afectará a posição de equilíbrio que a economia alcança:

O que significa que uma mudança de regra política não é neutral. Keynes esteve sempre interessado em que as mudanças de regime ou regras fossem no sentido da estabilidade e confiança na política seguida, de modo a que uma mudança da taxa convencional de longo prazo fosse percebida pelos agentes económicos como consistente.

Em conclusão, se Keynes pressupõe alguma estabilidade dos salários nominais, é por motivos de ordem política e não teórica, argumento que é plenamente compatível com a posição assumida no capítulo 19 da Teoria Geral, pelo que a interpretação de Hicks e Modigliani é abusiva e de nenhum modo corresponde ao pensamento de Keynes, como ficou explicitado ao longo deste artigo.


 

 


 

[1] In Econometrica, vol. 5, nº 2, April 1937, pp. 147-159. Este artigo de Hicks, que deu lugar a esta corrente interpretativa, foi escrito com o intuito de discutir a relação de Keynes com a teoria clássica e pode não ser classificado propriamente de um esforço interpretativo da Teoria Geral.  Aliás Hicks tinha realizado essa tarefa no ano anterior escrevendo:“ From the standpoint of the pure theory, the use of the method of expectations is perhaps the most revolutionary thing about this book. J. Hicks, "Mr Keynes`Theory of Employment", in John Cunningham Wood(ed.), " John Maynard Keynes: Critical Assessments", Croom Helm, London & Camberra, Vol. 2, p. 42.

[2]  No capítulo XIII do livro Value et Capital: " L`intérêt et la Monnaie", pp. 151-158, Hicks procura demonstrar que a escolha de qualquer mercado é indiferente, pelo que a determinação da taxa de juro seja no mercado monetário ou de títulos, é indiferente e igualmente correcta, in J.Hicks(1939) Value et Capital, Dunod, 1968.

[3]  Existe a ideia feita de que Keynes nunca teria manifestado diferenças maiores com o «paper» de Hicks. Keynes escreve a Hicks " At one time I tried the equations as you have done, with I(income) in all of them. The objection to this is that overemphasises current period. In the case of inducement to invest, expected income for the period of the investment is the relevant variable. My own feeling is that present income has a predominant effect in determining liquidity preference and saving which it does not posses in its influence over the inducement to invest", J.M. Keynes, CWJMK , vol. XIV p. 80-81.

[4]  Ver Alvin Hansen(1953), Guía de Keynes, Fondo de Cultura Económica, México, 1957.

 

[5]   As razões pelas quais a taxa de juro é recalcitrante saõ explicadas por Hicks devido ao risco de que uma subida ulterior da taxa de juro de curto prazo tenha como consequência perdas de capital para o emprestador de longo prazo, no caso de querer reaver o pagamento desse empréstimo, i.e., devido ao motivo liquidez. Deve-se também dizer que esta caracterização da teoria económica de Keynes como economia da depressão não considera em nada o capítulo 21, secção III, onde Keynes aplica a sua teoria ao caso em que expansão da procura agregada acima do nível de pleno emprego faz aumentar os preços e os salários na mesma proporção que a despesa, permanecendo a produção inalterada. Nesse caso, diz Keynes, os preços são proporcionais a MV. O problema é que a análise das expectativas: “is less reliable for analising the further effects, Idem. Assim, um ano depois:“ it is the liquidity preference doctrine which is vital” J. Hicks" [Hicks, 1937: 152].

[6] 14. Ver a este propósito J. Hicks "IS-LM: an explation", Journal of Post Keynesian Economic, Winter 1980-81, Vol III, nº 2, pp 139-153. Aqui Hicks reconhece que o seu modelo de análise baseava-se no suposto de preços flexíveis, enquanto que em Keynes " the level of money wages(at least) was exogenously determinated".."a model which was consistent with unemployment", p. 141.

 

[7] A passagem geralmente atribuída como sendo a aceitação de ilusão monetária é : "whilst workers will usually resist a reduction of money-wages, it is not their practice to withdraw their labour whenever there is a rise in the price of wage-good", J.M. Keynes, " The General Theory", CWJMK , vol. VII, p. 9. Os trabalhadores não abandonam o emprego simplesmente porque é ilógico este abandono para quem tem como fonte de vida o emprego; a prova disto é que estes defendem o custo de vida do seu salário mesmo quando se produzem variações no poder de compra do dinheiro, sendo por vezes impraticável resistir a reduções, como explica Keynes na página 14 da Teoria Geral. No mesmo sentido se pronuncia Alain Barrère relativamente a hipótese de os assalariados sofrerem de ilusão monetária, no sentido que, preocupando-se mais com o salário monetário, descurariam o salário real. Este escreve: “ Keynes`s system does not consider the wage as a price, nor the volume of employment is determined by the «labour market», but rather by effective demand",  Alain Barrère, " The Keynesian Proyect", in A. Barrère (ed) The Foundations of Keynesian Analysis, MacMillan Press, p.XXXV. Isto vai no sentido da rejeição de Keynes do segundo postulado, particularmente o segundo argumento dado como o mais importante e teórico, de que os trabalhadores não podem determinar o salário real através das negociações, pelo que o salário real deveria ser determinado por outra forças, nomeadamente pela procura efectiva.Segundo J.A.Trevithick, os mais conhecidos divulgadores da atribuição da ilusão monetária aos trabalhadores encontram-se em Ackley, Blaug e Crouch, in " Money Wage inflexibility and the Keynesian Labour Supply Function, The Economic Journal, 86, June 1976, pp. 327-332, especialmente p. 329. Eu próprio encontrei um artigo de S. Weintraub, " A macroeconomic Approach to the Theory of wages, The Americam Economic, Vol. XLVI, December 1956, pp. 835-856, especialmente p. 847, em que o autor toma a função de oferta como dependendo do salário real e não do salário monetário, pois isso implicaria ilusão monetária. Como corrobora Meltzer: " It is difficult to find support in Keynes`s analysis for the interpretations known as the Keynesian case. The liquidity trap is not offered as the reason for failure or unreliability of money wage policy to remove underemployment equilibrium. Wages are not fixed, and the influence of changes in the stock of money on prices and real wages is not denied in his analysis. A. Meltzer, Keynes`s Monetary Theory, Cambridge University Press, 1988, p. 262.

 

[8] J.M. Keynes, “The General Theory", CWJMK, vol. VII, p. 191. Compare-se A. Meltzer, Keynes`s Monetary Theory, Cambridge University Press, 1988, p. 263. Como corrobora Meltzer: " It is difficult to find support in Keynes`s analysis for the interpretations known as the Keynesian case. The liquidity trap is not offered as the reason for failure or unreliability of money wage policy to remove underemployment equilibrium. Wages are not fixed, and the influence of changes in the stock of money on prices and real wages is not denied in his analysis. A. Meltzer, Keynes`s Monetary Theory, Cambridge University Press, 1988, p. 262. É necessário deixar absolutamente claro que os salários e os ajustamentos dos salários não são o principal foco teórico de Keynes. No capítulo “ Notes on the Trade Cycle”, explicitando as razões da persistência do ciclo, insiste na ideia central de que o investimento, a eficiência marginal do capital e o stock de capital são o principal argumento em discussão. Este aponta três razões para a persistência do ciclo. Uma vez que as expectativas mudam, deverá transcorrer um tempo até que a queda e obsolescência do stock de capital o reduzam, e até que as existências de bens acabados e semi-acabados sejam reduzidos na recessão, pelo que durante um tempo existirá desinvestimento nas existências. O investimento em capital de trabalho e matérias primas também se reduz. A única menção aos salários é referida em conexão com os custos de produção correntes que no ponto mais alto da expansão devem ser mais altos que aos custos esperados futuros, um razão adicional que provoca uma queda na eficiência marginal do capital. Veja-se também J.M. Keynes , CWJMK , vol. XIV, p. 113-14,  J.M. Keynes , CWJMK , vol. XXIX, p. 221-222. Por último, numa carta de réplica a G. Haberler, que tinha dito que: “most classical economists would agree with you, because nobody denies that unemployment can persist, if money wages are rigid”,  G. Haverler, in J.M. Keynes , CWJMK, vol. 29, p. 272. Keynes responde:“It does not follow that involuntary employment..can be avoided by increasing the quantity of money indefinitely, keeping money wages unchanged. If classical economics have always mean that a sufficient increase in money in term of wage units would be a compensatory element, well and good.. I always understood that they favoured a reduction in money wages because they believe that  this would have a direct effect on profit, and not one which operated indirectly through the rate of interest, Idem, p. 272-273.

[9]  No capítulo 2 da Teoria Geral, Keynes deixa claro que a rejeição da teoria clássica não se baseia na aceitação da rigidez dos salários, mas combate a ideia de que a flexibilidade dos salários numa economia capitalista seja um mecanismo de ajustamento adequado. Ver J.M. Keynes , The General Theory, CWJMK , vol. VII, p. 257.

 Um outro modo de expressar estes efeitos é distinguindo entre taxa de juro nominal e real, supondo que existe a expectativa de uma taxa de inflação ou deflação estável. Como as decisões sobre o investimento se realizam comparando a eficiência marginal do capital com a taxa de juro, a eficiência marginal do capital medido em termos monetários( isto é, sem ajustar a taxa de desconto dos rendimento futuros à taxa de inflação) será comparada com a taxa de juro nominal. Se a eficiência marginal do capital for medida em termos reais compara-se com a taxa de juro real. Isto conduz a uma situação extremamente desfavorável ao rendimento, pois a taxa de juro terá sempre um nível positivo, pelo que se a eficiência marginal do capital, medida em termos reais, é invariante a respeito da taxa de inflação ou deflação, quanto maior a taxa de deflação, maior deverá ser a taxa de juro real, o que é desfavorável para o investimento. Keynes escreve: “The most unfavourable contingency is that in which money-wages are slowly sagging downward and each reduction in wages seems to diminish confidence in the prospective maintenance of wages”. O argumento contrário pode ser que a inflação seria mais positiva se permitisse reduzir a taxa de juro real, incentivando o investimento. Idem, p. 265.

 

[10] Como bem sublinha Meltzer:“ There was no need to write the General Theory if the short-run wage or cost inflexibility was the main point to be made. A. Meltzer, Keynes`s Monetary Theory, Cambridge University Press, 1988, p. 256. Segundo este autor, Hicks, Kahn e Tobin partilham a ideia de que Keynes não apresenta uma teoria da mudança dos salários.