Este texto forma parte del libro
Memorias de Economia
de Luis Gonzaga da Sousa
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A DÍVIDA DOS PEQUENOS EMPRESÁRIOS

 

 

 

O problema do perdão da dívida contraída pelos micros e pequenos empresários do setor agrícola, industrial e comercial no Brasil e, em especial, no Nordeste, merece uma discussão cuidadosa e cautelosa no contexto da crise que o país passa na atualidade, e vale levantar os resquícios dos anos de ditadura que o país suportou durante mais de vinte anos. Em verdade, pode-se dividir esta questão em dois ângulos de análise: a) num primeiro ponto de vista, verifica-se a questão política do fato; e, b) num segundo ângulo, observa-se este fato, pela ótica econômica. Sabe-se, entretanto, que o problema é grave e precisa de uma solução não paternalista, como muitos esperam; mas, um ponto final ao caso, de maneira que satisfaça a todos, isto é, os prejudicados pela política nefasta do Plano Cruzado e a ação do governo, que não suportaram a pressão dos trustes internacionais e até mesmo nacionais; que objetivaram neutralizar a atuação governamental e desmoralizar a Nação como conseguiram.

O ponto de vista político pode ser visto de duas formas: a) em uma visão politiqueira tradicional, tipo Odorico Paraguaçu, típico de uma Nação subdesenvolvida, onde a voz do coronelismo é a ordem do poder; e, b) em uma visão política clássica, onde qualquer posição ou discussão envolvendo mais de uma pessoa, requer um debate político, quer dizer, solução que atenda as duas partes envolvidas. Frente ao problema dos micros e pequenos empresários urbanos e rurais que está em debate na Assembléia Nacional Constituinte, nota-se claramente, essa posição clientelista de politiqueiros de cidades interioranas, que estão pensando em seu futuro político individualizados, sem uma visão política clara, patriótica da crise, que o país passa. Com este posicionamento, alguns parlamentares constituintes pensam única e exclusivamente em faturar seus votinhos que serão necessários a sua reeleição, mas sem procurar entender as dificuldades que o povo irá passar.

Olhando a questão pela ótica da economia, o problema se apresenta de uma maneira muito difícil, tendo em vista que o perdão concedido aos micros e pequenos empresários urbanos e rurais atende a uns, e coloca em dificuldade outros. É indiscutível, que a objeção do governo em não conceder o perdão, não é pelo fato de que vai criar dificuldades ao trabalhador/consumidor em termos gerais. Entretanto, vai atrasar os grandes incentivos praticados ao capital monopolista multinacional e isto não pode acontecer, recaindo, desta forma, sobre o trabalhador/consumidor assalariado nacional. É notório que as micros e pequenas empresas urbanas e rurais estão falidas por acreditar no Plano Cruzado, pelo descontrole das autoridades econômicas sobre a economia e, sobretudo, pelos desmandos praticados pelos governos militares que sucederam ao golpe de 1964, que trouxe como único benefício, as crises e as convulsões sociais que maltrataram o povo brasileiro.

A concessão do perdão aos micros e pequenos empresários urbanos e rurais acarretaria diversos problemas à economia nacional, considerando que as crises são patentes no cotidiano dos agentes econômicos do país. Neste sentido, quais serão os problemas maiores que a Nação irá enfrentar? Em primeiro lugar, verifica-se que deverá ser implementada a base monetária, que por sua vez é um forte elemento causador da inflação que já anda altíssima; em segundo lugar, o Estado encorajador dos investimentos nacionais, não terá condições de incrementar seus níveis de alocação e, em especial, no caso dos micros e pequenos empresários urbanos e rurais; em terceiro lugar, a crise aumentará como consequência deste estado de coisas, provocando desempregos maiores, altas taxas de juros, contração de demanda e, finalmente, haverá indiscutivelmente, um aumento do déficit público, dificultando muito mais, a atuação do Estado na dinamização da economia.

Quanto a Constituinte optar pelo não perdão da dívida aos micros e pequenos empresários urbanos e rurais, o problema toma rumos catastróficos, devido ao estado de insolvência em que vivem estes trabalhadores prejudicados pelo Plano Cruzado e pelo descontrole da economia que convive com uma inflação galopante. Neste contexto, quais seriam os problemas cruciais que os micros e pequenos empresários urbanos e rurais enfrentariam? Em primeira instância, ter-se-ía um processo de falência generalizada e, como corolário, um índice de desemprego sem precedente; em segundo lugar, a produção que em sua maioria é gerada por esta classe de produtores, imediatamente retrocederia; terceiro, a arrecadação do imposto sobre circulação de mercadorias sofreria um decréscimo; em quarto lugar, verificar-se-ía uma engorda nos lucros bancários, tanto privados como oficiais; e, finalmente, confirmar-se-ía a supremacia dos oligopólios industriais e comerciais.

A situação em que se encontra o produtor brasileiro levou a alguns Constituintes a se preocuparem com a crise que passa com a micro, pequena e média empresa urbana, bem como o setor rural, onde a situação é pior, por causa das sazonalidades existentes, decorrentes de secas e/ou geadas muito comuns no território nacional. As geadas no Centro-Sul, Sudeste e Sul e as secas no Nordeste e até mesmo no Norte é uma causa forte na queda das produções agrícolas regionais que refletem indiscutivelmente no produto interno bruto, levando o governo a importações maiores do que as exportações que desequilibram o balanço de pagamentos e intensificam os desajustamentos entre o Brasil e o exterior. Essa situação tem perdurado desde as origens da Nação brasileira e quando se quer minorar este estado de coisas, não há condições suficientes para que se tenha um equilíbrio harmonioso dentro do país e também com relação ao resto do mundo.

A prova cabal disto é os aumentos constantes nos deficits governamentais que o país tem com o exterior, tentando recursos financeiros e até mesmo, esforçando-se na importação de matérias-primas e insumos de primeira qualidade, para melhorar a produção nacional e isto resulta em aumentar a dívida com quem emprestou suas finanças para lastrear a economia brasileira, que hoje sente dificuldades para o seu pagamento. O que é que se deduz deste exorbitante débito que tanto atrapalha o desenvolvimento nacional, às custas de uma dependência cada vez mais elastecida do país com o resto do mundo? Simplesmente, conclui-se que os governos que demandaram empréstimos exteriores não souberam administrar os recursos que tiveram o objetivo de fomentar o crescimento e foram desviados talvez para campanhas políticas que mantivessem os governos que estavam no poder; todavia, não queriam perder seus postos, mesmo em benefício do progresso nacional.

É neste sentido que o setor industrial e rural está falido e não é por conta, única e exclusivamente dos Planos econômicos da Nova República, mas sim pelos desmandos que transcorreram durante os governos da Revolução (Ditadura Militar). Como a situação se agravou bem mais do que se esperava, tendo em vista que, agora se tem crise, deve-se tomar uma posição; pois, tem sido a preocupação dos Constituintes deste ano, quando estão negociando: 1) cancelar a correção, até a liquidação; 2) não perdoar débito principal e juros pactuados; 3) abrange todo território nacional; 4) atinge a micros e pequenos empresários urbanos e pequenos e médios produtores rurais; 5) refere-se aos débitos decorrentes de empréstimos concedidos por estabelecimentos de crédito até 31 de dezembro de 1987 e 6) a liquidação deverá efetuar-se até 180 dias após a entrada em vigor da Nova Constituição. Com isto, pensa-se que se resolve o problema.

            Ao considerar o problema nos dias atuais, observa-se pelos dados conseguidos na Câmara dos Deputados, quer dizer, a justificativa contida nos Projetos do Senador Mansueto de Lavor, Deputado Humberto Souto e Deputado Ziza Valadares que o total dos débitos relativos à correção monetária cancelada pela emenda, monta-se num volume de 183 bilhões de cruzados que detalhadamente, tem-se 85.8% referentes ao setor rural e 14.2% ao setor urbano. Veja que ao se incluir o principal, o volume toma corpo agigantado e prejudica visivelmente a economia nacional, tendo em conta que as responsabilidades recaem com maior força nos bancos que fomentam o desenvolvimento regional, como é o caso dos bancos estaduais, considerando que 68% das responsabilidades ficam com os bancos oficiais, num montante de 125.7 bilhões de cruzados e 31.3% com os bancos privados, com um volume de 57.3 bilhões de cruzados somente de correção monetária.

Quando se coloca a questão quanto ao problema de uma empresa ser micro, pequena ou média, apresenta-se uma dificuldade de sensível importância, quer dizer, o que significa uma empresa ser micro, pequena ou média? Para responder a esta questão é fundamental que se entenda o conceito oficial desta questão, isto é, o que está no Manual do Banco do Brasil. Para que uma empresa seja conceituada como mini ou micro é necessário que a sua renda do ano anterior esteja no intervalo de zero até Cz$ 400,00 maior valor de referência (MVR) que até dezembro de 1987 era de Cz$ 1.240,26 cruzados. Para um empresário ser pequeno é fundamental que seu faturamento seja um valor compreendido entre Cz$ 400,00 a Cz$ 1.200,00 MVR e para um médio empresário seu faturamento deve ser qualquer coisa entre Cz$ 1.200 a Cz$ 6.000,00 MVR do ano anterior; e daí, poder reivindicar os benefícios que o Estado proporciona ao desenvolvimento da produção e emprego do setor produtivo nacional.

Mas, quanto aos débitos destes empresários, frente ao setor financeiro privado e oficial, o que se pode colocar? Em primeiro lugar, parte-se da questão dos pequenos e médios agricultores, quanto aos seus débitos relativos ao exercício de 1986. Levantou-se que a soma do principal dos débitos dos agricultores pertencentes a esta faixa de rendimento bruto, volumava-se em 98.8 bilhões de cruzados, somando-se com uma correção monetária na ordem de 157.0 bilhões de cruzados e, gerando uma inadimplência pendente de 29.4 bilhões de cruzados, equivalendo a 30% do total da dívida. Isto tudo significa 97.7 bilhões de cruzados pertencentes ao Banco do Brasil em 62.2% e outros 59.3 bilhões de cruzados a bancos privados correspondendo a 37.8% do total da dívida. A respeito dos micros e pequenas empresas urbanas, o total dos débitos somam-se em 31.0 bilhões de cruzados, sendo 5% a bancos federais e 16.8% a bancos estaduais, 10% ao Banco do Brasil e 68.2% a bancos privados.

Finalmente, qual a solução que se deve dar a este caso, que é de suprema importância para a economia brasileira? Imparcialmente falando, observa-se que o caso merece uma atenção toda especial e o bom senso deve prevalecer fortemente. Na verdade, o governo tem sua parcela de culpa e deve arcar com a sua parte e por outro lado, o empresário brasileiro, quer seja urbano ou rural, também tem sua participação nesta crise que se processa, quando não soube administrar os recursos que foram adquiridos para aplicação e não foram eficientemente aplicados. Neste bolo da dívida, deve-se levar em consideração os que estão entrando querendo anistia, pessoas que adquiriram empréstimos já fora da catástrofe do cruzado e estão reivindicando cancelamento da dívida, e isto não é justo. Portanto, propõe-se que a solução ao problema dessa dívida seja negociada entre governo e devedor, onde todos participem com a sua parcela de culpa, sabendo-se que no principal somam-se somente 15% da dívida bruta total.