Este texto forma parte del libro
Ensaios de Economia
de Luis Gonzaga da Sousa
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APTIDÕES AO CONSUMO



A Ciência Econômica tem trabalhado bastante para delinear uma teoria sobre a função consumo. Investiga-se a função consumo dentro de dois pontos de vista: a) quanto a uma abordagem micro-econômica, que procura ver a função consumo, dentro de um prisma particular das preferências individuais, tais como gosto, moda, clima, preço do produto propriamente dito, e preços dos produtos complementares ou substituíveis, e muitas outras variáveis que influenciam nos consumidores; b) quanto ao aspecto macroeconômico, que trabalha com a função consumo, numa visão agregada, geral, onde as peculiaridades são deixadas de lado, para ser enfocado o aspecto estrutural, político. A função consumo diz respeito como se comporta o consumo de determinada comunidade, e como a ajustar eficientemente ao longo do tempo.
Inicial e normalmente, expõem-se por hipótese que o consumo de determinada comunidade está em função do nível de renda, ou ao fluxo de renda que a coletividade recebe por unidade de tempo, depois de retirados os impostos de todas as espécies. Desta forma, depara-se com uma renda disponível e o consumo fica então determinado por uma fração desta renda, isto é, consome-se pela sua propensão marginal a consumir que varia entre zero e um. Essa propensão marginal a consumir revela qual a porcentagem, a comunidade designa ao consumo; quer dizer, uma sociedade pobre, na hipótese de que só se gasta o que ganha, como explana Michal KALECKI (1942), ao mostrar que ela possui uma propensão marginal a consumir muito alta, em média 0.98; e, a comunidade rica, em média 0.46; com consumo intensivo para os pobres que não possui poupança alguma.
Com estes dados, em suas propensões marginais, observa-se que a classe pobre não tem condições de manter qualquer reserva de dinheiro para eventualidade, tendo em conta que quase toda a sua renda está sendo encaminhada para consumo, isto é, 98%. Já para a classe rica, ou como chamam os marxistas, a classe burguesa, possui uma propensão marginal a consumir muito baixa, isto é, apenas 46% são direcionados para consumo e 54% para poupança, ou gastos supérfluos, constituindo-se, assim, naqueles que fomentam a acumulação de capital. Com esta visão, os pobres não têm condições de barganhar nada com a classe que detém o poder do capital, os ricos. Os potentados constituem a burguesia que determina o que os pobres devem consumir; pois, o único instrumento disponível nas mãos dos pobres é a mão-de-obra, que desorganizada, não exerce resistência ao capitalismo.
Pergunta-se então, quais são os fatores principais que determinam os gastos em consumo? Pode-se enumerar aqui os mais importantes, no contexto de uma generalização. Primeiro, a precaução contra o futuro, isto é, a comunidade faz uma poupança hoje prevendo o futuro; segundo, o status social e a ânsia de se sentir respeitado na comunidade; terceiro, a taxa de inflação tem o poder de determinar o consumo aparente, ao considerar que inflação alta conduz a uma renda real menor, causando uma maior rotatividade da moeda, do que acumular em poupança; quarto, altos níveis de renda, conduzem a uma alta poupança, renunciando consumo presente, na expectativa de obtenção de ganhos de taxa de juros como remuneração no futuro. E, finalmente, o valor real de ativos líquidos dos consumidores também determina seus consumos no presente e em tempos vindouros.
Os gastos em consumo foram estudados por diversos ângulos. Tem-se a visão de James DUESENBERRY (1966) que estudou a função consumo frente à renda relativa, ou efeito demonstração. Já Irving FISHER (1907), estudou a escolha intertemporal dos gastos em consumo, demarcando os fluxos de renda presente e futuros. Entretanto, ANDO & MODIGLIANI (1969), estudaram a hipótese do ciclo de vida, e chegaram a resultados importantes, na alocação da renda do consumidor, frente aos seus gastos em consumo. Finalmente, Milton FRIEDMAN (1962), trabalhou com a hipótese da renda permanente e transitória, onde hà a preocupação em diferenciar a renda total da renda permanente e, dai, procurar alocar o consumo de uma determinada sociedade frente à vocação comportamental a gastar em consumo, hoje e/ou no futuro, com uma dotação orçamentária limitada.
Investigando a hipótese de DUESENBERRY, observa-se que os gastos em consumo são determinados pelo nível absoluto de renda, onde, na realidade, o consumo depende basicamente da posição relativa dos indivíduos em termos de renda, quer dizer, a função consumo, no longo prazo, possui uma propensão média a consumir constante e que as mudanças existentes em tal função não modificariam essa propensão, como também observou KUZNETS (1966), quando estudou uma função consumo para o seu país. A comprovação de KUZNETS (1966) foi aceita por DUESEMBERRY (1969), tomando como base uma função consumo linear; pois, só assim, ter-se-á uma mudança ao longo do tempo, sem uma variação na propensão média a consumir, porque o que é importante, é o nível de renda relativa dos indivíduos e não o valor absoluto de fluxo de renda.
A escolha intertemporal de gastos foi estudada por Irving FISHER (1907). Mas, qual era o seu objetivo principal? Ele queria, na verdade, alocar a renda da comunidade no consumo presente e futuro e como resultado, ter-se-ía uma outra distribuição da poupança ao longo do tempo. A planificação familiar quanto a sua renda, é que determina os horizontes de gastos em consumo; pois, se o consumo é maior, ou menor no futuro depende dos bens presentes e futuros, preços atuais e esperados, taxas de juros, demanda por moeda, renda atual e esperada, bem como alguns fatores que influenciam psicologicamente o consumo. Como se vê, o consumo presente e futuro são afetados por fatores presentes e expectativas que são tomadas sob uma perspectiva psicológica, tais como: a inflação crescente, esperanças de orçamentos maiores, perspectivas de baixa nos preços, e muitos outros fatores econômicos.
Um dos mais importantes estudos sobre a função consumo macroeconômico, deve-se a ANDO & F. MODIGLIANI (1969), que formularam a hipótese sobre o ciclo da vida, quando tentaram explicar as distinções entre as propensas marginais, e, média a consumir nas funções consumo, de curto e longo prazo. A hipótese principal, é que uma pessoa tem um fluxo de renda relativamente baixo no começo da vida, chega um máximo no meio de sua existência e decaindo no período que antecede a sua morte. Assim, pressupões-se que no inicio de sua vida, o consumo seja superior a sua renda; todavia, na metade de sua existência, o indivíduo recebe um fluxo de renda suficiente para o consumo e ainda, para garantir seu sustento de consumo na velhice, que é a diferença entre a renda presente e o consumo presente, capitalizada a uma taxa de juros positiva.
Por isso, como seria feita a distribuição do consumo desse indivíduo, ao longo do tempo, de tal maneira que toda a sua existência cumprisse, na verdade, esse ritual trabalhado por ANDO & MODIGLIANI (1969). É fácil ver que todo indivíduo tenta maximizar sua função utilidade, na trajetória de sua longa vida, com a restrição imposta pelo valor presente de seus fluxos de renda futuros, descontados por uma taxa de juros corrente no mercado. No começo da vida, o indivíduo consome uma magnitude maior do que possui de renda, desta forma, é um tomador de empréstimos no sentido comum da terminologia. No meado de sua existência, o indivíduo ganha não somente para consumir; mas, para pagar débitos contraídos e poupar para garantir seu padrão de consumo presente na velhice, quando não tem mais condições de trabalho.
Por último, tem-se o trabalho de Milton FRIEDMAN (1962), que ao analisar os gastos de consumo frente ao fluxo de renda, ele optou em não tomar o fluxo de renda corrente para a sua análise; mas, tentou investigar a função consumo, pela óptica da renda permanente, quer dizer, ele dividiu a renda corrente em renda permanente e a transitória. A renda permanente, diz respeito ao valor atual dos fluxos de rendas esperadas para o futuro. Quando se trata de detalhar a renda permanente, observa-se de imediato uma forte ligação com a taxa de juros, pelo fato de que há remoção de uma renda futura para o presente, não somente a uma taxa de juros que é quem tem a propriedade de saber quanto vale um certo montante de capital financeiro, que trouxe seu valor futuro para o presente.
FRIEDMAN (1962) não levou em consideração a renda transitória em sua análise da função consumo, tendo em conta que a renda transitória diz respeito à diferença entre a renda total e a permanente, e, o seu objetivo era simplesmente explicar a função consumo no contexto da renda permanente. Quando se fala em renda permanente e renda transitória, deve-se associar de imediato a hipótese de que o consumo corrente é uma função estável a longo prazo da renda permanente e da taxa de juros, destacando-se, entretanto, que o consumo permanente é componente estável e o consumo transitório é o componente aleatório. FRIEDMAN (1962) provou que a propensão média a consumir a longo prazo é uma constante, dependendo de como se comporta a taxa de juros, os gastos, e a dimensão da riqueza esperada.
O que se vê na realidade, não é tanto uma proxy do pensamento desses grandes economistas, que tentaram, na medida do possível, explicar a relação existente entre uma função consumo e o fluxo de renda presente e esperada pela sociedade. A dicotomia da sociedade em classes dificulta muito a uma explicação mais consistente da função consumo frente a sua renda; pois, o sistema de crédito, faz com que não se gaste o que se ganhe, mas, ultrapassem-se normalmente as possibilidades financeiras de cada agente econômico. Além da renda e do nível da taxa de juros, existem outras variáveis que afetam o consumo da economia e que não são levadas em consideração, devido ao seu alto grau de abstração envolvente, portanto, não palpável, mas, influentes em seu contexto de causa-efeito.
Em síntese, o problema do consumo ainda precisa de muitas pesquisas para se ter uma noção melhor da função consumo individual ou coletiva com respeito ao comportamento do ser humano, isto é, o leque de opções que as populações têm a sua escolha. Entretanto, verifica-se, como foi dito, que uma faixa da população está em um intervalo onde o consumo está acimada de seus rendimentos e isto ocorre porque, até a pessoa chegar à idade de trabalhar, fica sob a tutela dos pais; portanto, vivendo como se fosse uma espécie de empréstimo a ser pago no futuro, justificando a hipótese levantada por ANDO & MODIGLIANI (1969). Finalmente, existe muito o que se investigar quanto ao comportamento do consumidor, diante dos seus desejos, e as imposições do capital que cria opções de indução para as pessoas serem forçadas psicologicamente, a agir de maneira inconsciente.