Observatorio Economía Latinoamericana. ISSN: 1696-8352
Brasil


A SEGREGAÇÃO SOCIAL DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO MUNDO DO TRABALHO: UMA DISCUSSÃO A PARTIR DE PROCESSOS DO TRT/24 DE 1979

Autores e infomación del artículo

Mauricio Serpa França*

Arlinda Canteiro Dorsa**

Maria Augusta de Castilho***

Universidade Católica Dom Bosco

mauricioserpa10@hotmail.com

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Resumo
A investigação faz parte do projeto de pesquisa Análise dos Processos Trabalhistas do Tribunal Regional do Trabalho, da Universidade Católica Dom Bosco em convênio com o Tribunal Regional do Trabalho - 24ª Região – Mato Grosso do Sul - Brasil. No decorrer das análises processuais, foram identificados casos de trabalho infantil, em que, na sua maioria, a criança não tinha seus direitos atendidos.  Objetivou-se problematizar o trabalho infantil e o acesso à educação. O conflito percebido e noticiado pela comunidade internacional na tentativa de erradicação da prática do trabalho infantil nunca teve tanta visibilidade. O grande desafio da escola como instituição fundamental no processo de desenvolvimento educacional de crianças e adolescentes é, pelo menos, tentar apontar possibilidades básicas para tentar diminuir os casos de evasão. O método utilizado no trabalho foi o indutivo, contemplando a seguinte questão norteadora: quais as possíveis razões históricas e jurídicas do trabalho infantil no Brasil? As indagações e as conclusões se deram a partir da análise de legislações e, especialmente, de processos trabalhistas do TRT/24 do ano de 1979.
Palavras-chave: Criança e adolescente trabalhador, Direitos humanos, Direitos da criança e do adolescente, Trabalho infantil.
LA SEGREGACIÓN SOCIAL QUE SURGE DE LA VIOLACIÓN DE LOS DERECHOS DEL NIÑOS Y ADOLESCENTES EN EL MUNDO DEL TRABAJO: UNA DISCUSIÓN BASADA EN DEMANDAS JUDICIALES DEL TRT/24 DE LO AÑO DE 1979

Resumen
La investigación forma parte del proyecto de investigación Análisis de los Procedimientos de Trabajo del Tribunal Regional del Trabajo, la UCDB en colaboración con el Tribunal Regional del Trabajo - 24ª Región - Mato Grosso do Sul - Brasil. Durante el análisis del procedimiento, se identificaron casos de trabajo infantil, que, sobre todo, el niño no tiene sus derechos garantizados. El objetivo fue discutir el trabajo infantil y el acceso a la educación. El conflicto percibido y reportado por la comunidad internacional para tratar de erradicar la práctica del trabajo infantil nunca tuvo una mayor visibilidad como se ha visto en los últimos tiempos. El gran reto de la escuela como una institución vital en el proceso de desarrollo de la educación de los niños y adolescentes es, al menos, trata de señalar las posibilidades básicas para tratar de reducir los casos de evasión. El método utilizado en el estudio fue el inductivo, contemplando la pregunta siguiente guía: ¿Qué posibles razones históricas y legales de trabajo infantil en Brasil? Las consultas y conclusiones se dieron a partir de las leyes de análisis y sobre todo de los dichos procesos de lo TRT / 24, de 1979.

Palabras clave: niños y adolescentes trabajadores; derechos humanos; niños y adolescentes de los derechos; trabajo infantil.


Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Mauricio Serpa França, Arlinda Canteiro Dorsa y Maria Augusta de Castilho (2016): “A segregação social decorrente da violação dos direitos da criança e do adolescente no mundo do trabalho: uma discussão a partir de processos do TRT/24 de 1979”, Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, Brasil, (octubre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/16/adolescentes.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/br-16-adolescentes


INTRODUÇÃO

O artigo foi pautado no trabalho infantil, a partir de uma perspectiva sócio-jurídica e histórica, tendo em vista que a pesquisa foi subsidiada por processos trabalhistas da segunda metade de 1979. Foram analisados 62 processos, dos quais se dá destaque os de números: 23/79; 25/79; 31/79; 44/79; 53/79; 223/79; 212/79; 200/79; 215/79; 260/79; 57/79; 82/79; 39/79; 52/79; 221/79; 240/79; 222/79; 264/79; 232/79; 246/79; 238/79; 32/79; 43/79; 47/79; 50/79; 55/79; 62/79. Entretanto no presente artigo foram identificados apenas os processos números: 32/79, 43/79, 47/79, 50/79, 55/79, 62/79, que serviram de base para o artigo em tela.
A investigação faz parte do projeto de pesquisa Análise dos Processos Trabalhistas do Tribunal Regional do Trabalho, da Universidade Católica Dom Bosco em convênio com o Tribunal Regional do Trabalho - 24ª Região – Mato Grosso do Sul - Brasil. No decorrer das análises processuais, foram identificados casos de trabalho infantil, em que, na sua maioria, a criança não tinha seus direitos atendidos.
O método utilizado no trabalho foi o indutivo, contemplando a seguinte questão norteadora: quais as possíveis razões históricas e jurídicas do trabalho infantil no Brasil?
O trabalho infantil está presente na realidade do Brasil desde quando Cabral aportou, perpassando à colônia, o império, a independência, até os dias de hoje. Este é um problema social que, apesar de grave, não é único e exclusivo do Brasil, sendo muito comum também, e principalmente, a partir da revolução industrial encontrar crianças em situação de exploração no mundo como um todo.
São objetivos da pesquisa: identificar prováveis motivos que mantêm o trabalho infantil, discutir e entender as políticas públicas praticadas nos estados brasileiros, especificamente em Mato Grosso do Sul, verificar como está sendo coibida tal prática que fere diretamente os direitos humanos.

1 TRABALHO INFANTIL, CAPITALISMO E CONSUMO

O trabalho no modelo capitalista tem uma função de extrema importância para manter o sistema íntegro, não só com bases sólidas, mas gerando lucro. Em muitos casos este lucro se sobrepõe às condições de trabalho, não importando quem ou como será produzido.
A globalização, o aumento da renda familiar e das empresas e até mesmo a moda levaram ao aumento do número de consumidores no mundo, culminou com um grande aumento de produção em todos os seguimentos da indústria. Com esse aumento significativo tornou-se necessário por parte do mercado, uma contratação de mão de obra cada vez maior, o que deu início às contratações em massa (BAUMAN, 1999).
Na contramão desde processo de “desenvolvimento” vieram às jornadas de trabalho abusivas que se intensificaram com o passar do tempo, onde os trabalhadores tiveram que dar conta da crescente produção. As condições de trabalho em muitos casos eram precárias, e com as chances de aumento de ganho com pouco gasto, isto é, mão de obra mais barata, iniciou-se o trabalho infantil.
É inegável que o desenvolvimento econômico e industrial decorrente do capitalismo trouxe uma série de benefícios à humanidade, benefícios estes materiais e tecnológicos. Por outro lado, também, não se pode negar que com este bônus desencadeou-se uma série de problemas sociais, também típicos deste modelo desenvolvimentista, sendo o trabalho infantil um deles. Nessa perspectiva, advoga-se que, de modo geral, a adoção deste modelo tem contribuído para o aumento da desigualdade social, evidenciando o abismo entre ricos e pobres, obrigando crianças carentes a trabalhar e tirando seu direito de pleno desenvolvimento enquanto pessoa. É impossível esconder essa nefasta consequência do modelo capitalista no campo social (CASSOL e PORTO, 2006).
O acúmulo de capital, de infraestrutura e outros, típicos das sociedades contemporâneas, é um agravante para que os problemas sociais viessem aumentar. No aporte de Schmidt (2006) é preciso estar presente dentro deste modelo econômico (capitalismo) que traz tanta desigualdade social a figura do capitalismo social e humano, que tem um papel fundamental na vida do ser humano. Estes dois elementos vêm fazer com que um grupo prejudicado de forma direta com a pobreza venha a conseguir viver com dignidade. No caso do trabalhador infantil ter a oportunidade plena de seu direito de desenvolvimento garantido pela Constituição do Brasil (1988), precisa ser cumprido sem exploração infantil.
A partir da criação em 1919 da Organização Internacional do Trabalho 1 - OIT e de outras instituições que lutaram incessantemente para garantir um trabalho digno no mundo, reduzir a exploração e o trabalho escravo de crianças no mundo, é uma meta que os países precisam alcançar em médio prazo. Em comparação com o século XIX e XX, a partir de uma visão crítica do trabalhador, percebem-se os seres humanos viviam e trabalhavam em situações totalmente degradantes e, muito pouco se abordava sobre melhorias para estes indivíduos.
O capital muitas vezes por ser um gerador de empregos e por garantir uma renda mínima para aqueles que viviam em situação de miséria, era visto como único “meio” possível para estas pessoas garantirem o sustento básico para se manterem vivas, por isso, muito pouco se questionava sobre as condições de trabalho.

As mais recentes estimativas mostram o real avanço verificado na luta contra o trabalho infantil, de modo particular nos últimos 4 anos. Tal significa que os governos, as organizações de trabalhadores e empregadores, e a sociedade civil se encontram no caminho correto e movendo-se na direção certa. O investimento, a experiência e a atenção prestados à eliminação do trabalho infantil, com a prioridade concedida às suas piores formas, estão claramente dando resultados. No entanto, apesar da boa notícia, esses esforços devem ser acompanhados com um aviso imediato de que, neste campo, o êxito é apenas relativo. Conforme sublinhado pelo Relatório Global anterior, o progresso é ainda demasiado lento e o seu ritmo deve ser acelerado, se a comunidade internacional desejar atingir o objetivo de 2016 com que se comprometeu. Segundo as novas estimativas apresentadas no presente Relatório, 168 milhões de crianças em todo o mundo estão em situação de trabalho infantil; esse número representa 11% da totalidade da população infantil. As crianças que executam trabalhos perigosos que colocam diretamente em risco a sua saúde, a sua segurança e o seu desenvolvimento moral perfazem mais de metade das crianças trabalhadoras, com um total de 85 milhões em termos absolutos (OIT. IPEC, 2013, p. 9, grifos do autor).

Os dados apresentados permitem perceber que por mais que houvesse avanços significativos, ainda se está muito distante de erradicar a prática do trabalho infantil. O processo de conscientização da sociedade civil é lento e demanda investimento no campo social.
O desenvolvimento regional influencia diretamente na prática do trabalho infantil. As regiões, em muitos casos, não possuem escolas para que as crianças frequentem, os pais não tiveram acesso a escola, logo nem ao trabalho digno e isso acabou se tornando um problema cíclico que passa do pai/mãe para o filho, haja vista que e em muitos casos as crianças são coagidas por seus próprios pais a trabalhar.
Vale lembrar que não é apenas em lugares e regiões pobres que esta prática é comum, pois existem crianças nos grandes centros urbanos trabalhando de maneira ilegal, com jornadas totalmente exaustivas, ambientes de trabalho insalubres, por baixos salários, isso quando existe salário.
Uma das grandes lutas das organizações que visam à melhoria das condições do trabalho é dar uma essência humanística ao mesmo. A militância dos direitos humanos vai até mais fundo nesta questão, defende a proposta de criar uma nova percepção do trabalho, para que ele deixe de ser apenas provedor de sobrevivência e mostrar que é possível a existência de um trabalho mais digno, em que a pessoa venha ter condições de trabalho justas. Isso possibilitará a quebra de alguns paradigmas sociais e ideológicos que o modelo capitalista construiu para se fortalecer ao longo do tempo (BAUMAN, 2008).
O cenário internacional vem trazendo nos últimos anos discussões mais efetivas na tentativa de solucionar este problema que afeta a criança e o adolescente. Porém, tem-se conhecimento que mesmo depois da criação de vários organismos internacionais, mais diretamente envolvidos com os Direitos Humanos e da Criança (OIT, DCI, ISPICAN e IWGCL)2 o trabalho infantil não foi erradicado ainda. Através destas militâncias incessantes, acompanhadas de denúncias sistemáticas que se deu maior visibilidade a esta modalidade de exploração laboral, que é perversa e afeta os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Tais lutas se fizeram intensas no século XX, dada a realidade social, histórica e ideológica de um mundo pós Segunda Guerra Mundial, enamorado do sistema capitalista.

2 MARCOS LEGISLATIVOS SOBRE TRABALHO E DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (1823 E 1934)

Ao se destacar em evolução e proteção dos direitos da criança e do adolescente no âmbito trabalhista no Brasil, não cabe fazer uma comparação com a realidade do continente europeu, pois como expõem Gomes e Gottschalk (1998), o Brasil não teve tempo hábil em sua história para acompanhar e assimilar todas as mudanças políticas e sociais que aconteceram no resto do mundo.
No regime escravocrata os grandes detentores de riquezas e terras tinham a propriedade sobre a vida e morte de seus escravos e sobre os filhos destes. José Bonifácio ao apresentar a Constituinte de 1823 deu o primeiro passo para o processo gradativo de direitos da criança que ali nascia (mesmo escrava). O texto assinala que “a escrava, durante a prenhes e passando três meses, não será ocupada em casa, depois do parto terá um mês de convalescência e, passado este, durante o ano não trabalhará longe de sua cria” (VERONESE, 1996, p. 14). Um novo avanço na legislação em relação ao menor trabalhador só foi ocorrer em 28 de setembro de 1871, com a aprovação da Lei n. 2040 que se chamava Lei do Ventre Livre ou Lei do Ventre Branco, tendo por objetivo principal conceder a liberdade das crianças que nasciam de mães escravas (STEPHAN, 2002). Ainda de acordo com este autor, infelizmente, a Lei do Ventre Livre não conseguiu obter êxito e garantir uma vida diferente ao escravo.
Apenas em 1888 quando a escravidão foi abolida, começou a haver debates sobre o trabalho infantil no Brasil, pois também nascia um novo modelo de produção econômica voltado para o trabalho assalariado, instigando a urbanização e a indústria fabril. Mesmo depois da escravidão abolida, inúmeras foram as leis ordinárias editadas sobre o trabalho infantil que jamais tiveram real eficácia (NEVES, 2002).
Em 17 de janeiro de 1890, o Decreto n. 1313 veio para regulamentar à idade mínima para o trabalho (12 anos) e jornada máxima laboral de 9 horas, porém tal instituto não foi regulamentado, não produzindo efeitos na prática. Foi em 1924 no Rio de Janeiro, através do Decreto n. 16.272 que teve origem o primeiro Juizado de Menores no Brasil e, novamente por forma do Decreto, n. 17.943-A de 12 de outubro de 1927, que consolida as leis de assistência e proteção a menores. Apesar desses esforços, no Estado brasileiro o descumprimento das referidas leis era normal (STEPHAN, 2002).
Conforme Rizzini (1993) muitas crianças que começaram a trabalhar nas fábricas, indústrias haviam sido encontradas nos asilos e instituições de caridade que o estado junto com o exército legitimou para abrigar estas crianças. Ao se analisar o perfil das mesmas que se encontravam nesses abrigos identificou-se que a faixa etária era de 10 anos, com jornada de trabalho similar a de um adulto. Com o surgimento de novas tecnologias e com a industrialização que exigiu a intensificação do trabalho e o aumento na carga horária, além das crianças e famílias pobres, os grandes empresários da época, donos dos meios de produção também usavam crianças abandonadas vistas como delinquentes como trabalhadores em suas empresas. Esta mão de obra em especial era muito atrativa afinal era muito barata. Esse tipo de exploração em um ponto histórico foi visto como necessária, mesmo com seu caráter desumano e higienizador. O Estado e a sociedade acatavam de forma passiva, pois era um único meio de um pobre conseguir algo.
A Carta Magna do Brasil de 1934, reza em seu artigo 121 §1º:

Art. 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador; c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei; d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres; e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos; f) férias anuais remuneradas; g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa; h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte; i) regulamentação do exercício de todas as profissões; j) reconhecimento das convenções coletivas, de trabalho (o grifo é dos autores).

Diante do exposto pode-se perceber que apenas com a promulgação da constituinte foi feita a proibição parcial do trabalho infantil, no período noturno e os menores de 16 anos não poderiam mais trabalhar nas indústrias. No entanto, apesar de ser um grande marco na legislação brasileira no que tange aos direitos da criança e do adolescente na Constituinte Brasileira de 1934, este instituto não apresentou o resultado esperado pelos estudiosos do trabalho, que era a eliminação do trabalho para menores de idade. Mas, a referida Constituição (1934) proibia qualquer forma de trabalho aos menores de 14 anos e aumentou a idade mínima para o labor nas indústrias de 16 para 18 anos. É notório o quanto este processo de reconhecimento da problemática aqui tratada foi gradativo e teve início tardio, podendo-se assinalar também que mesmo com um Estado que aos poucos foi voltando seu olhar para a criança e para o adolescente as condutas de exploração persistiram e persistem até hoje.

3 ALGUMAS CAUSAS DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

Entre 1970 e 1980 para se ter uma noção quantitativa do número de crianças e adolescentes no país àquela época deve-se fazer uma breve descrição do grupo estudado dentro do perfil demográfico brasileiro no referido período. Conforme Censo demográfico do IBGE (1980), no Brasil aproximadamente 45% da população era de crianças e adolescentes com idades entre 0 e 17 anos, o que significa em números totais que atingia cerca de 54 milhões de brasileiros. Vários estudos realizados nesse período, como os de Ribeiro e Sabóia (1993), aferiram que a maior parte da população infanto-juvenil vivia em situação de pobreza. Ainda de acordo com estes autores, em 1989, cerca de metade (50,5%) das crianças fazia parte de famílias cujo rendimento mensal per capita era de no máximo ½ salário mínimo e, mais de um quarto (27,4%,) vivia em famílias que recebiam ¼ ou menos de um salário mínimo.
Diante dessas estatísticas, verifica-se que há conexão entre o trabalho da criança e do adolescente e a renda familiar. Nos casos em que a renda familiar é inferior a 1 salário mínimo, a chance de esse menor ser forçado a desenvolver alguma atividade economicamente ativa aumenta significativamente, dada a necessidade de complemento de orçamento.
Conforme uma pesquisa realizada pela central Única dos Trabalhadores - CUT (2012), pessoas que começaram a trabalhar antes dos 14 anos tendem ao longo da vida a não ultrapassar o rendimento mensal de mil reais. A renda da maioria dos que iniciaram atividades trabalhistas com 9 anos de idade, por sua vez, tende a não passar dos quinhentos reais mensais. Já, quem começou a trabalhar com 15 e 17 anos não chega, em média, aos 30 anos com uma renda muito diferente dos que iniciaram atividades economicamente ativas com 18 e 19 anos. As probabilidades de obter rendimentos superiores ao longo da vida laboral são maiores para aqueles que iniciam suas atividades com 20 anos, um dos fatores de grande relevância para isso, é que este jovem já possua curso superior ou esteja pelo menos matriculado. Esses dados derrubam por terra, de imediato, o ideário capitalista de que quando mais cedo se começa a trabalhar mais se acumulará ao longo da vida (CUT, 2012).
Isso não significa necessariamente que a pobreza seria o único motivo que levaria crianças e adolescentes a trabalhar, apesar de ser majoritariamente um elemento presente. A inserção da criança no mundo do trabalho está ligada a uma multiplicidade de fatores, mostrando o tamanho da complexidade desse problema social que é imbricado aos pilares da sociedade. No Brasil, em especial, isso se dá também por motivos culturais.

Aquele que defende o trabalho infantil confere à criança e ao adolescente a condição de réu por ser pobre, negro ou negra, por morar nos bairros subnormais, por não conviver com pai e mãe (ou por estes não terem trabalho decente), por ser índio ou índia, morar ou vir do Nordeste, das zonas ribeirinhas, do semiárido, por ser filho ou filha de agricultores familiares, por não ter acesso à saúde, escola e educação de qualidade e lhe impõe a pena de trabalho compulsório, por necessidade ou por prevenção (CUT, 2012, p. 9).

Do ponto de vista exclusivamente cultural, no Brasil, por se tratar de um país novo, a criança foi e é historicamente explorada de forma naturalizada, apesar de todos os avanços na legislação, inclusive com a criação em 1990 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que reconhece a criança como sujeito de direitos. O trabalho muitas vezes ainda é visto como disciplinador e desenvolve um suposto estímulo ao senso de responsabilidade do indivíduo, acreditando-se que é também um fator de prevenção da marginalidade.
Diante disso, vale ressaltar que em 1979 o Brasil vivia um regime ditatorial, no qual a vigência deste regime intensificava essa prática, principalmente nas camadas populares, pois é nestas camadas que existe certa vulnerabilidade social devido ao déficit de recursos para que houvesse desenvolvimento humano naquela família, que preferia ver seu filho trabalhando, ao invés de estar na escola. O trabalho infantil acaba de forma indireta sendo legalizado pela sociedade civil de forma majoritária e pelo Estado através do senso comum, concentrado de uma cultura e em um discurso adultocêntrico.
Rizzini (s.d.,) dimensiona que:

O Brasil desde sua independência teve um conservadorismo desta pratica disciplinadora, é notório esta pratica quando o estado legitima no ano de 1878 durante o congresso agrícola realizado na corte do Recife, alguns fazendeiros propuseram que a formação das crianças na escola deveria passar aliada ao trabalho agrícola.

Vale relatar que a reprodução desse tipo de discurso se deve principalmente à baixa escolaridade dos pais e tem suma importância nesse processo entre criança e o trabalho.
O Estado muito pouco se importava com a criança, pobre, negra e que, muitas vezes, morava na periferia por razões socioeconômicas. Essa despreocupação levava a criança a deixar de frequentar regularmente o ensino básico para desenvolver uma atividade economicamente ativa. O déficit de recursos e falta de assistência estatal alimentava de maneira direta esta prática, e se tornava um problema cíclico: o pai e a mãe que não estudou, na maioria dos casos, eram omissos no tocante à educação, logo seus filhos trilhavam por este mesmo caminho, assim segregando toda a perspectiva de melhora de vida daquela criança ou adolescente (RIZZINI, s.d.).

Somente na década de 1970, a ideia de educar crianças ‘abandonadas’, ‘vagabundas’ ou ‘criminosa’ é retomada por diversos seguimentos da sociedade. E consequentemente a criação de escolas, colônias agrícolas, e institutos profissionais, que não tinham somente o fio condutor a ideia de educar, e sim prevenir a criminalidade (RIZZINI, s.d.).

Foi apenas neste ano como se pode perceber, segundo a autora acima, que a criança pobre, negra, excluída socialmente, sem resguardo nenhum de seus direitos, teve este amparo do Estado. Todavia à necessidade de sobrevivência era fator primordial na escolha desta criança. O acesso à escola surgiu, porém, o Estado não se atentou em manter aquela criança pobre, negra na escola onde é perceptível a evasão escolar destes indivíduos, que na maioria dos casos não tiveram o direito de escolha de permanecer no ambiente escolar.
            Cabe ressaltar ainda neste texto por mais que nesta época a atividade agrícola era muito forte, dava-se início a um processo de desenvolvimento econômico nos grandes centros onde normalmente identificava-se a criança negra, pobre, que passou a trabalhar como mão de obra na indústria. Marx (1980, p. 450-451) afirma:

Tornando supérflua a força muscular, a maquinaria permite o emprego de trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento físico incompleto, mas com membros flexíveis. Por isso, a primeira preocupação do capitalista ao empregar a maquinaria foi a de utilizar o trabalho de mulheres e das crianças. Assim, de poderoso meio de substituir o trabalho e trabalhadores, a maquinaria transformou-se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e de idade, sob o domínio direto do capital. O trabalho obrigatório para o capital tomou o lugar dos folguedos infantis e do trabalho livre realizado em casa, para a própria família, dentro dos limites estabelecidos pelos costumes.

Percebe-se que a utilização desta mão de obra exploratória infanto-juvenil no processo de ascensão do capital tem a sua razão de ser nas relações sociais capitalistas e na relação que estabelece um novo modo de produzir. Ela não é resultado da vontade das famílias dos trabalhadores, muito menos de determinada tradição cultural, como os ideólogos do sistema capitalista costumam afirmar (SILVA, 1999).
Dessa forma a criança e o adolescente necessitam de uma maior fiscalização por parte dos órgãos públicos para que não haja mais exclusões deste seguimento da sociedade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As consequências nefastas da criança explorada ao longo de sua vida são nítidas e a evidência de seu futuro ser restrito a uma condição sub-humana é clara, por ter que trocar a escola pelo trabalho. O Brasil tem uma cultura de que entre a faixa etária dos 15 aos 17 anos o adolescente já deve começar aos poucos a se inserir no mercado de trabalho, dada à necessidade de complementar a renda familiar para manutenção da subsistência. Quanto mais à preocupação de se desenvolver uma atividade economicamente ativa aumenta, a chance de o adolescente frequentar a escola diminui. Logo, qualquer possibilidade de ascensão social é exterminada, à criança se torna réu das sanções que o capitalismo impõe por não ter de forma voluntária acesso ao desenvolvimento humano, o Estado viola todos os direitos e garantias que esta possui.
O papel do Estado enquanto detentor de legitimidade para coibir os casos de exploração do trabalho desempenhado por crianças e adolescentes é fundamental para que as políticas públicas além de alcançar o público alvo se efetivem. Tentar de forma eficaz diminuir a demora de entendimento da sociedade civil que à criança ao trabalhar, mais tarde irá alcançar uma vida digna é protelar tal situação. O trabalho quando executado de maneira precoce ao invés de trazer benefícios ele dizima o futuro de um país, afinal é a criança de hoje que será o futuro de amanhã, fazendo com que as futuras gerações venham ter todas as garantias fundamentais resguardadas. Para que, de fato, o desenvolvimento econômico venha trazer junto dele a garantia de direitos às crianças e aos adolescentes é necessária a união de toda a sociedade para alcançar esses objetivos.

Referência

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* Acadêmico do Curso Direito, Bolsista do CNPq, Pesquisador do PIBIC, atualmente desenvolvendo pesquisa no laboratório de História da Universidade Católica Dom Bosco. E-mail: mauricioserpa10@hotmail.com.

** Doutora em Letras e Linguística (PUC-SP). Docente e Vice-Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco.

*** Doutora em História e Professora do Curso de Graduação em História e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local - Mestrado/Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco - Mato Grosso do Sul/Brasil.

1 A Constituição da OIT foi redigida entre janeiro e abril de 1919 pela Comissão da Legislação Internacional do Trabalho, constituída pelo Tratado de Versalhes. Esta Comissão era composta por representantes de nove países (Bélgica, Cuba, Checoslováquia, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Polónia e Reino Unido), sendo presidida por Samuel Gompers, presidente da Federação Americana do Trabalho (AmericanFederation of Labour, AFL). Esta Comissão deu origem a uma organização tripartida, a única do gênero, cujos órgãos executivos são compostos por representantes de governos, empregadores e trabalhadores.

2 Significado das siglas; Organização Internacional do Trabalho (OIT), Defesa Internacional da Criança (DCI), Sociedade Internacional de prevenção ao Abuso, Negligência e Maus Tratos da Infância (ISPICAN) e Grupo Internacional sobre o Trabalho Infantil (IWGCL).


Recibido: 15/07/2016 Aceptado: 03/10/2016 Publicado: Octubre de 2016

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