Observatorio Economía Latinoamericana. ISSN: 1696-8352
Brasil


BUEN VIVIR: MODELO DE PÓS-DESENVOLVIMENTO HUMANO E SUSTENTÁVEL?

Autores e infomación del artículo

Antonio Henrique Maia Lima

Mauricio Serpa França

Moisés Salim Sayar

Universidade Católica Dom Bosco

henrick_maia@hotmail.com

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RESUMO
Diante das profundas discussões acerca de temas circundantes às políticas desenvolvimentistas, tais como a escassez de recursos, a sustentabilidade, a desigualdade social, etc., é institucionalizada na primeira década do século XXI, inicialmente no Equador e na Bolívia, a exemplo de outros movimentos pelo mundo, uma proposta de desenvolvimento encabeçada por cosmovisões ancestrais que buscam o equilíbrio das relações entre homem e natureza, produção e consumo, com vistas ao respeito aos direitos humanos, à sustentabilidade e a multiculturalidade denominada Buen vivir. Essa perspectiva é instituída como política de Estado para o desenvolvimento no Equador e na Bolívia de modo a significar uma percepção endógena singular do “desenvolver”, avessa ao modelo clássico neoliberal. Diante disso, fazendo uso do método histórico-comparativo, é pretensão dessa investigação se debruçar sobre o estudo de Buen vivir como sistema sociopolítico, procurando identificar suas reais potencialidades para a satisfação das demandas contemporâneas sobre um desenvolvimento que respeita os direitos humanos (e políticos intrinsecamente) e a sustentabilidade, a partir da experiência pioneira dos dois Estados sul-americanos. Trata-se de pesquisa em estágio inicial.
PALAVRAS CHAVE: Novas políticas de desenvolvimento, Pós-desenvolvimentismo, Buen vivir, Direitos Humanos, Sustentabilidade.

BUEN VIVIR: ¿MODELO DE POST-DESARROLLO HUMANO Y SOSTENIBLE?

RESUMEN
Teniendo en cuenta los profundos debates sobre cuestiones relacionadas con las políticas de desarrollo, tales como la escasez de recursos, la sostenibilidad, la desigualdad social, etc., se institucionalizó en la primera década de este siglo, inicialmente en Ecuador y Bolivia, al igual que otros movimientos de todo el mundo, una propuesta de desarrollo liderado por visiones del mundo antepasados ​​que buscan el equilibrio de las relaciones entre el hombre y la naturaleza, la producción y el consumo, con el fin de respetar los derechos humanos, la sostenibilidad y el multiculturalismo llamado Buen vivir. Esta perspectiva se presenta como una política de Estado para el desarrollo en Ecuador y Bolivia en el sentido de una percepción endógena natural de "desarrollar", el modelo neoliberal clásica aversión. Por lo tanto, haciendo uso del método histórico-comparativo, es pretensión de que la investigación para examinar el estudio del Buen Vivir como sistema socio-político, tratando de identificar su potencial real para satisfacer las demandas contemporáneas de un desarrollo que respete los derechos humanos (y intrínsecamente político ) y la sostenibilidad, de la experiencia pionera de los dos países sudamericanos. Esta es una investigación etapa temprana.
PALABRAS CLAVE: Las nuevas políticas de desarrollo. Post-desarrollismo. Buen vivir. Derechos Humanos. Sostenibilidad.



Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Antonio Henrique Maia Lima, Mauricio Serpa França y Moisés Salim Sayar (2015): “Buen vivir: modelo de pós-desenvolvimento humano e sustentável?”, Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, Brasil, (octubre 2015). En línea: http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/15/buen-vivir.html


1 INTRODUÇÃO

O século XX, em especial após o desfecho da Segunda Guerra Mundial, foi marcado pela ascensão e consolidação do capitalismo como modelo econômico para a maior parte do mundo. A inovação tecnológica, o incremento nos níveis de produção, o aumento da produtividade das indústrias e do consumo somados a uma exponencial alta dos fluxos de capital teve impactos inegáveis nas economias da maioria dos países, o que não impediu um generalizado movimento de decepção, especialmente naqueles países não-desenvolvidos com o sistema tal como está imposto.
O descrédito do sistema capitalista é justificado pela sua ineficiência em dirimir as desigualdades sociais, promover a inclusão de determinados grupos, assegurar a agenda dos direitos humanos, sociais e, principalmente, assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento do sistema-mundo. Somando-se a esses motivos, o descrédito capitalista também é devido à sensação de que os bons frutos do capitalismo foram destinados aos países mais ricos, ao passo que os “efeitos colaterais” dispersaram-se pelos mais pobres, pelos periféricos.
Conforme ponderações de Bizarria (2013) são exemplos de insucesso e de desencanto com projetos de desenvolvimento de matriz capitalista e/ou neoliberal o Equador e a Bolívia, cujas respectivas experiências tiveram resultados majoritariamente negativos, especialmente para as populações indígenas. Diante dessa realidade e da distância entre o modelo de desenvolvimento de inspiração capitalista e a percepção de mundo dos povos andinos, surgiram em diversos meios, especialmente, nos meios intelectual e político árduas críticas à insistência da manutenção desse tipo de modelo de desenvolvimento nesses países, de modo que, não era o sistema que se ajustava à realidade da região, mas a região que vinha forçosamente se adequando ao sistema. Como consequências dessas críticas surgiram novas propostas e novas políticas para atingir o desenvolvimento , dentre elas Buen vivir, uma nova concepção de sistema sócio-político e de organização socioeconômica.
Esses anseios levaram ao poder na Bolívia, o indígena uru-aimará Evo Morales, do partido Movimento Para o Socialismo (MAS), de orientação política socialista, defensor da reforma agrária, da nacionalização da economia e de convicção antiamericana. Já no Equador, assume como presidente o economista Rafael Correa, da Alianza País, alocado no espectro político como de esquerda. Respectivamente os dois dirigentes assinam o Plan Nacional de Desarollo Bolivia (2006/2011-2011/2015) e o Plan Nacional Buen Vivir (2009-2013/2013-2017) que somados às novas Constituições de ambos os países formam o arcabouço documental oficial desse novo sistema sócio-político sintetizado como Buen Vivir.
Buen vivir se apresenta como alternativa as vigentes concepções de desenvolvimento num contexto peculiar: uma manifesta necessidade mundial de encontrar alternativas desenvolvimentistas sob a pena de uma calamitosa crise de insustentabilidade econômica-social pautada no uso e manejo sustentáveis dos recursos naturais. Significa dizer que uma nova mentalidade precisa ser difundida com vistas a uma forma de desenvolvimento menos arraigada na ideia de ter e consumir e mais próxima de um equilíbrio na relação entre homem e meio ambiente.
Buen vivir se revela como uma estratégia de desenvolvimento humano, social e sustentável, pós-desenvolvimento simplesmente, que visa o não esgotamento dos recursos naturais e a integração equilibrada entre homem e meio ambiente, respeitando os direitos humanos. Apesar de ser um conhecimento ancestral, Buen vivir pode servir também de ponto de partida para a formulação de novas vertentes de desenvolvimento, novos conhecimentos sobre sustentabilidade, natureza e exploração de seus recursos, inclusive a partir de cosmovisões indígenas brasileiras, sendo, portanto, de extrema relevância social, política e econômica.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
                                                   
A princípio propõe-se uma pesquisa de matriz bibliográfica que, diante do exposto, tem-se que a abordagem metodológica pertinente ao estudo proposto seja a abordagem qualitativa, típica das pesquisas no universo das ciências humanas e sociais. Segundo Sousa e Baptista (2011) essa abordagem se centra na figura do investigador, pois ele desempenha um papel fundamental na escolha dos dados a serem colhidos. É indutiva, pois o investigador desenvolve conceitos e chega à compreensão dos fenômenos a partir de padrões que resultam da sua escolha de dados. O plano de investigação não é monolítico, pois o investigador estuda dinamismos. Utiliza-se de procedimentos de interpretação, não experimentais, como valorização de pressupostos relativistas e a representação dos dados. Corroborando com esse pensamento, Uwe Flick (2004, p. 22) defende que:
A pesquisa qualitativa não se baseia em um conceito teórico e metodológico unificado. Várias abordagens teóricas e seus métodos caracterizam as discussões e a prática da pesquisa. Os pontos de vista subjetivos são um primeiro ponto de partida. Uma segunda corrente de pesquisa estuda a elaboração e o curso das interações, ao passo que a terceira busca reconstruir as estruturas do campo social e o significado latente das práticas. Essa variedade de abordagens distintas é resultado de diferentes linhas de desenvolvimento na história da pesquisa qualitativa cuja evolução deu-se até certo ponto de forma paralela, e, em parte, de forma sequencial.
Evidenciada a abordagem da pesquisa proposta deve-se voltar para o método empregado para sua concepção. Resta claro, nesse sentido, que para a factibilidade da investigação será necessário reunir elementos:
 1) primeiramente históricos, haja vista que o contexto histórico, especialmente o anterior a Buen vivir é fundamental para a compreensão dos reais motivos da emergência (natureza do caso) dessa nova proposta de desenvolvimento na Bolívia e no Equador.
2) Em segundo lugar, socioeconômicos, dada a necessidade desses dois países de partir para um novo modelo, levando-se em consideração que ambos se encontravam entre os últimos lugares nos indicadores socioeconômicos na América do Sul.
3) E em terceiro lugar, políticos, pois a emergência de Buen vivir coincide com a chegada ao poder de dois líderes de esquerda, nacionalistas e, até certo ponto, declaradamente antiamericanos. Além dos noticiados atritos entre a elite capitalista e comunidades indígenas no interior dos respectivos territórios, etc.
Nessa perspectiva, dada a linha de pesquisa em que se enquadra a presente investigação, diga-se “Estado e Sistemas Sócio-Políticos”, tem-se que o método que melhor acolhe essas necessidades é o método histórico-comparativo. Histórico porque, segundo Bielschowsky (2000), contempla as mudanças de comportamento dos agentes, assim como as trajetórias institucionais, além de examinar os desequilíbrios econômicos e sociais em rápida transformação, e ainda, segundo Mahoney e Rueschmeyer (2003), enfatiza a análise causal dos processos que ocorrem ao longo do tempo fazendo uso de uma comparação sistemática e contextualizada, focalizando grandes questões e grandes processos e estruturas, como, por exemplo, o Estado-Nação. Permite, ademais, a descrição da contraposição existente entre duas concepções de desenvolvimento, evidenciando no caso estudado, as semelhanças e as distâncias entre si, aplicadas à realidade histórica e política.
Para responder sua questão norteadora é necessário dividir a investigação em fases, sendo que cada fase procurará responder a um de seus objetivos específicos.
A primeira fase da pesquisa tem o intuito de apresentar a corrente pós-desenvolvimentista. Isso será feito de forma crítica, mediante revisão bibliográfica de obras escritas por autores da própria corrente e seus críticos com o intuito de estabelecer como produto final dessa primeira fase um debate sólido a fim de possibilitar uma compreensão ampla da questão. Aqui se contextualizará Buen vivir à corrente pós-desenvolvimentista mediante argumentação referenciada que possibilitará identificá-lo como parte desse movimento que, dentre outras coisas, afasta a ideia de progresso como o objetivo maior de uma política de desenvolvimento.
A segunda fase da pesquisa se consubstancia no estudo dos aspectos teóricos oficiais de Buen vivir nas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009) e seus respectivos Planos Nacionais de Desenvolvimento com pretensões de demonstrar em que se diferem e em que se assemelham, destacando os objetivos de uma política desenvolvimentista norteada por valores avessos aos do ideário capitalista, evidenciando, deste modo, as distâncias e proximidades entre ambas.
A terceira fase será a análise teórica do contexto histórico da Bolívia e do Equador a que levou à implantação de Buen vivir como política desenvolvimentista, confrontando a literatura não oficial com a oficial, evidenciando e analisando nas áreas de direitos humanos, e sustentabilidade os impactos decorrentes dessa política. Identificando e problematizando sobre as incoerências (se houverem) nos dois países após Buen vivir nesses temas-chave, quais sejam: direitos humanos.
Após esse processo será possível atender ao objetivo geral da pesquisa identificando o potencial de Buen vivir como política desenvolvimentista nas áreas de direitos humanos e sustentabilidade, apresentando seu produto final, qual seja, uma tese doutoral que possibilite responder ao problema norteador do trabalho, apresentando aspectos positivos e negativos de Buen vivir a partir das experiências das duas nações pioneiras que o tornaram política estatal de desenvolvimento.

3 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA

A partir da segunda metade do século XX se intensificou no mundo das Ciências Sociais o debate dobre a questão desenvolvimentista. Diversas teorias foram concebidas por estudiosos e estudos latino-americanos, num movimento intelectual que buscava, dentre outras coisas, uma percepção própria acerca do desenvolvimento em detrimento do já muito disseminado ideário capitalista (RADOMSKY, 2013).
Mignolo (2003) assevera que houve a partir da formação do sistema moderno (construído sobre bases coloniais) verdadeira “colonização epistemológica” norteada pelo etnocentrismo e pelo eurocentrismo que se espalhou por todo o pensamento moderno desde a filosofia, a literatura, a religião, a cultura, a política, etc. Os Estados Unidos da América se tornaram o herdeiro legitimado desse processo, de modo a continuar “colonizando mentes humanas” sobre o que é ou quem é ou não desenvolvido, se tornando uma espécie de “modelo”.
Essa síntese de “modelo” é obtida a partir da análise da ideia moderna de “desenvolvimento”, que é a reprodução da visão trumaniana  (ou americana, ou ainda, capitalista), sinonimizadora de verbos como “desenvolver”, “industrializar”, “acumular” e “enriquecer”. Nesse contexto é certo que um bom número das nações modernas adotou tal perspectiva como objetivo maior de suas respectivas políticas econômicas, independentemente, muitas vezes, de seus próprios cenários sociopolíticos e de suas vocações econômicas.
Historicamente as doutrinas capitalistas alimentaram e alimentam dia após dia o sonho do “desenvolver” de um mundo pós-segunda guerra em franco processo de globalização. Isso significa que a Segunda Guerra Mundial foi o ponto de partida para uma configuração política e econômica estabelecedora de um estado de constante atrito entre os envolvidos, dividindo o planeta em três porções, que segundo a “Teoria dos Mundos” seria: o Primeiro Mundo, capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América; o Segundo Mundo, socialista, encabeçado pela União Soviética e, o Terceiro Mundo, que englobava as nações neutras e as não-alinhadas a nenhum dos anteriores.
Essa divisão estabeleceu entre as potências do Primeiro e do Segundo Mundos uma verdadeira corrida política, armamentista, tecnológica, social e ideológica  que se espalhou também pelas nações pertencentes às suas respectivas zonas de influência. É perceptível nesse contexto que o hemisfério ocidental pós Segunda Guerra como também boa parte do Oriente, sofreu e vem sofrendo uma espécie de “revolução de valores”, cujo principal objetivo, seria “americanizar” todo o globo, todos os povos. Essa “americanização”, com uma conotação simbólica proposital, vem com o escopo de tornar o mundo, ou melhor, a humanidade, padronizada em seus objetivos, modos de vida, modos de produção, etc., na qual, os Estados Unidos da América e o modo de vida do povo americano são vistos, também, como “modelos” a serem copiados.
É entendido que o fio condutor desse pensamento seja notadamente o que algumas vertentes marxistas, aqui representadas por Chauí (1982), chamam de ideologia burgesa, tendente à explicação da história por intermédio da ideia de progresso, utilizando-se para isso da personificação da própria burguesia como a força progressista. Todo o real é explicado em termos de progresso pelo emprego das técnicas e das ciências para o aumento total do controle sobre a Natureza e a sociedade. Aplicada à história, essa ideia de progresso é concebida como uma realização, no tempo, de algo que já existia, porém em forma embrionária, que necessita se desenvolver até alcançar um nível máximo final. Isso se comprova pelo fato da finalidade futura do progresso já ser pré-determinada. Nesse aspecto, o progresso é o fim-último de tudo, uma “lei” da história na qual os homens são reduzidos a instrumentos ou meios que possibilitem a realização dessa história, justificando assim, todas as ações que venham a ser realizadas em nome do progresso. Diante de tal premissa, o pensamento político-econômico das nações outrora colônias passaram a seguir a constante mundial, interiorizando o ideal de progresso e focando o seu próprio desenvolvimento numa espécie de inspiração americana , idealização de um destino único para quem ainda não é desenvolvido. No entanto, como bem reflete Sen (2000, p. 28-29), “é, sem dúvida, inadequado adotar como nosso objetivo básico apenas a maximização da renda ou da riqueza, que é, como observou Aristóteles, ‘meramente útil e em proveito de alguma coisa’”.
No decorrer desse “frenesi” desenvolvimentista, a humanidade assistiu a grandes tragédias sociais, dentre outras: o surgimento de uma imensa desigualdade e altos índices de concentração de renda, uma pequena classe de supérrimos e uma avassaladora maioria de miseráveis. O império capitalista tomou suas maiores proporções no final do século XX, com a queda do regime soviético, influenciando econômica e culturalmente de forma nunca tão desmedida toda a humanidade.
Para Chang (2004) os países desenvolvidos vêm pressionando os não desenvolvidos a adotarem suas “boas políticas e boas instituições” capazes de promover o desenvolvimento econômico sob a argumentação de que, para eles, tais políticas “funcionaram” quando ainda estavam se desenvolvendo, sendo “o caminho” e não “um dos caminhos” para o desenvolvimento. O autor defende que não faltam evidências históricas aptas a demonstrarem que as “boas políticas” surgiram na vida dos desenvolvidos em momentos históricos diferentes de suas respectivas fases de “em desenvolvimento”.
Apesar do repetitivo discurso desenvolvimentista capitalista, surgiram novas percepções sobre o assunto, num contexto de guerras e de grandes crises diplomáticas. No auge dessas discussões, sob pressão de diversos intelectuais, ambientalistas e humanistas, com 160 votos a favor e apenas um contra, do hegemon Estados Unidos da América, a Organização das Nações Unidas (ONU) se manifestou em favor do “desenvolvimento” como um direito de todos e sinalizando duas novas concepções do desenvolvimento: o humano e o sustentável.
Diante disso a partir das Constituições equatoriana de 2008 e boliviana de 2009 foi institucionalizada uma nova categoria de política de desenvolvimento na América do Sul que possui raízes endógenas, locais, de sul para sul, “de colônia para colônia”, arraigada nas percepções indígenas de mundo e da correlação entre homem e a natureza. Trata-se de uma vertente do pós-desenvolvimentismo que conglomera direitos humanos, sustentabilidade e interculturalidade como política desenvolvimentista, embasada nos seguintes elementos: satisfação das necessidades humanas, qualidade de vida, morte digna, amar e ser amado, crescimento saudável e em harmonia com a natureza, prolongamento indefinido das culturas, tempo livre para a contemplação (ócio) e emancipação e implementação das liberdades, capacidades e potencialidades humanas . Buen Vivir como é chamada, é uma referência à cosmovisão indígena sobre a vida e o papel do homem no mundo. Possui seus fundamentos na ideia de sumak kawsay do povo quíchua, com tradições semelhantes nos povos aimarás (suma qamaña), guarani (teko kavi), dentre outros.
Vale ressaltar que pós-desenvolvimentismo é uma vertente teórica que valoriza as sociedades que não se desenvolveram, descentraliza a ideia burguesa de progresso, critica os principais vetores do desenvolvimentismo (Estado-nação, colonização mental, pensamento único, etc.), das práticas desenvolvimentistas e enaltece os modos de resistência que abrem caminho para o pós-desenvolvimentismo (Da Veiga, 2006). Entende-se que Buen vivir é inerente a essa variante de pensamento por suas próprias bases originárias, situadas sobre a sustentabilidade, a multiculturalidade, a plurinacionalidade, o respeito aos direitos humanos, um propósito diferente de progresso, etc.
Walsh (2010) formulou Sua concepção de desenvolvimento como Buen vivir, traduzido livremente como “bom-viver”, ideia que busca construir uma nova forma de coexistência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza.
Em seu sentido mais geral, buen vivir denota, organiza e constrói um sistema de conhecimento e vida baseado na comunhão dos homens com a natureza e na totalidade espacial-temporal-harmoniosa da existência. Ou seja, na interrelação necessária entre seres, conhecimentos, lógicas e racionalidades de pensamento, ação, existência e vida. Essa noção é parte e parcela da cosmovisão, cosmologia ou filosofia dos povos indígenas de Abya Yala, mas também, e de modo um pouco diferente, dos descendentes da Diáspora Africana (WALSH, 2010, p. 29).

4  PRIMEIROS RESULTADOS

Enquanto política desenvolvimentista Buen vivir permite uma oportunidade de construir coletivamente um novo modelo de desenvolvimento embasado no fomento do equilíbrio entre qualidade de vida, democratização do estado e atenção especial a questões biocêntricas, construindo uma relação integral entre seres, saberes e natureza. Objetiva a formulação de uma nova sociedade, igualitária, fraterna, solidária, autocomplementar, participativa, social e responsável projetando-se num novo modelo socioeconômico e ambiental que se afasta do capitalismo. Buen vivir procura a satisfação das necessidades humanas, atingir a qualidade de vida e uma morte digna, “o florescer saudável de todos” (WALSH, 2010).
O Desenvolvimento seja em Escala Humana, bem como o Desenvolvimento Humano Social, ou “Buen vivir”, buscam, por meio da satisfação das necessidades humanas, promover o desabrochar das capacidades do homem enquanto ser dotado de consciência, para ser protagonista de seu próprio processo desenvolvimentista e potencializar suas capacidades humanas. Entende-se essa proposta como meio apto para se chegar à liberdade fundamental, que é justamente a possibilidade do ser humano de ter escolhas e fazê-las de acordo com seus anseios éticos e sociais. Trata-se de uma forma de autodeterminação pautada na satisfação das necessidades básicas do ser, como se discutirá a seguir.
Diante dessas reflexões nasceram algumas metas que guiarão o andamento das próximas fases da pesquisa, quais sejam: fazer uma avaliação crítica de Buen vivir como política nacional de pós-desenvolvimento, de modo a identificar seu impacto nos campos dos direitos humanos e da sustentabilidade a partir da experiência da Bolívia e do Equador, apontando e também analisando os aspectos teóricos de Buen vivir nas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009) e em seus respectivos Planos Nacionais de Desenvolvimento e confrontando os dados obtiveis nos documentos oficiais com os dados obtiveis em documentos não oficiais (na literatura) sobre as transformações decorrentes da implantação de Buen vivir, nos campos dos direitos humanos e da sustentabilidade.

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Recibido: 06/08/2015 Aceptado: 08/10/2015 Publicado: Octubre de 2015

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