Tesis doctorales de Economía

 

TURISMO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE URBANO-REGIONAL BASEADA EM CLUSTER

Jorge Antonio Santos Silva

 

 

 

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3.2. Os conceitos de cadeias e de agrupamentos ou clusters referenciados ao turismo

Tendo-se discorrido, até este ponto do capítulo 3, sobre o enquadramento econômico do turismo e a sua relação com o processo de desenvolvimento econômico, de base endógena e foco territorial, se passará a analisar a aplicabilidade dos conceitos e práticas de cadeias e agrupamentos ou clusters à atividade turística, objetivando caracterizar a sua viabilidade e validade na configuração de um modelo de desenvolvimento turístico urbano-regional.

3.2.1. Os conceitos de cadeias referenciados ao turismo

A literatura específica sobre cadeia produtiva do turismo é pouco expressiva em termos quantitativos, tanto a nível nacional como internacional, e muito limitada quanto ao conteúdo de base conceitual e metodológica apresentado, mais confundindo que esclarecendo sobre o que de fato se está tratando. “Sistema”, “pólo”, “indústria”, “cluster” são termos que se tornam sinônimos de cadeia produtiva, com este sendo amplamente referenciado ao turismo como se o mesmo se constituísse numa atividade econômica única e claramente delimitável – mesmo tendo-se em conta o seu caráter amplo e complexo, ou seja, a cadeia produtiva do turismo é a própria atividade do turismo tomada em seu conjunto.

A CNI, fazendo referência a termos como “indústria do turismo” e “indústria do lazer”, considera que:

A cadeia produtiva do turismo abrange diversos segmentos da economia. Além dos segmentos diretamente relacionados como Marketing e Serviços Turísticos, Agenciamento de Viagens, Transporte, Hotelaria, Gastronomia, Entretenimento e Lazer, Eventos e Conferências, Atrações Culturais e Ecológicas; os setores de infra-estrutura básica e serviços públicos (saneamento, abastecimento de água e energia, telecomunicações, segurança e saúde) e o comércio em geral têm forte interação com o “setor” [...]. (CNI, 1998, p. 5).

A (Figura 3.13), demonstra o esquema da visão que a CNI tem de cadeia produtiva do turismo, de acordo com a descrição acima, que se revela de frágil sustentação técnica e científica.

Figura 3.13 Representação Esquemática da Cadeia Produtiva do Turismo

Fonte: CNI, 1998, p. 6.

Para Souza (1998), a cadeia turística pode ser definida como: o conjunto das empresas e dos elementos materiais e imateriais que realizam atividades ligadas ao turismo, com procedimentos, idéias, doutrinas e princípios ordenados, coesos e afins, para conquista dos seus mercados estratégicos respectivos, utilizando-se de produtos competitivos. [...] O objetivo final das atividades é o aumento do fluxo de pessoas que se deslocam para determinada área receptora, do seu grau de participação nas várias atividades de recreação, da oferta de unidades de alojamento, das taxas de ocupação dessas unidades, dentre outros ... [...] Diferentemente de outras cadeias, na atividade turística o momento da produção coincide com o da distribuição e, muitas vezes, com o do consumo também, e esses aspectos dificultam a atuação das partes isoladamente, [grifo nosso]. (SOUZA, 1998, p. 1).

Mais à frente, Souza comenta que apesar de se saber que a função de coordenação da cadeia legalmente está entregue ao Governo Federal, através da EMBRATUR [Instituto Brasileiro de Turismo], [não se pode] esquecer que a iniciativa privada também tem uma grande parcela de contribuição [...], [grifo nosso]. (SOUZA, 1998, p. 3).

Com relação às passagens acima, do texto de Souza, se tece os seguintes questionamentos:

 pode, concretamente, existir uma cadeia produtiva que processe elementos imateriais ou abstratos?

 aumento do fluxo de pessoas, grau de sua participação nas várias atividades de recreação, oferta de unidades de alojamento e suas taxas de ocupação, são saídas ou outputs decorrentes das fases de suprimento e processamento de uma cadeia produtiva?

 nos restaurantes, quando os residentes de um determinado local vão se alimentar também se verifica o aspecto da simultaneidade entre produção, venda e consumo, isto dificulta a mensuração da produção e da renda setorial dos serviços de alimentação, e dos setores encadeados para trás e para frente, dentro do sistema de contabilidade nacional? Por que dificultaria quando quem vai se alimentar no restaurante é um não residente (visitante / turista), se efetua o mesmo tipo de consumo e paga o mesmo preço por isso? (teria-se sim, problemas para se medir qual a contribuição do consumo turístico neste setor, mas esta é uma outra questão);

 como pode ser “entregue” ao Governo Federal e qual seria a função de coordenação “legal” que a Embratur exerceria na “cadeia turística” (no caso desta existir)? Está se referindo a autora aos aspectos de legislação e regulamentação? Porque a coordenação na esfera produtiva deve ocorrer entre os agentes econômicos, inclusive o governo, que participam da cadeia, como indústrias ou setores “nucleares”, correlatos ou de apoio, mediada pelo mercado e em função da eliminação de pontos de estrangulamento e outros aspectos que possam estar comprometendo a sua produtividade e competitividade.

De acordo com Provinciali, a cadeia produtiva do turismo “inicia-se na atratividade do núcleo receptor – no diferencial de uma localidade visto que é o que influencia a decisão do turista (consumidor) quando da escolha da sua destinação [...]” (PROVINCIALI, 2002, p. 2).

Mais adiante no seu texto, Provinciali comenta que para falar da cadeia produtiva do turismo, torna-se necessário, inicialmente, explicitar o produto turístico, o qual, para a autora, envolve tanto elementos tangíveis como intangíveis que se encontram centralizados em uma atividade específica e em um determinado destino. Acrescenta posteriormente, que, de modo mais específico, o produto turístico se caracteriza por ser um bem de consumo abstrato; superposição da mão-de-obra; necessidade da presença da clientela no local da produção; impossibilidade de estocagem; e os serviços turísticos muitas vezes são [?] de forma irregular. [...] A Cadeia Produtiva do Turismo pode assim, ser entendida como um conjunto complexo de atividades e serviços ligados ao deslocamentos, visitas, transportes, alojamentos, lazer, alimentação e circulação de produtos típicos, [grifo nosso]. (PROVINCIALI, 2002, p. 11-12).

Na ampla listagem de características do produto turístico e de atividades e serviços que compõem a respectiva cadeia, a autora deixa transparecer uma imprecisão quanto aos dois conceitos, de produto turístico e de cadeia do turismo, o que prejudica o entendimento objetivo do que ela entende e pretende transmitir sobre o tema. Na sua concepção cabe, não uma, mas diversas cadeias produtivas, com focos diferenciados e atividades / setores motrizes distintos, direta e indiretamente relacionados aos encadeamentos produtivos influenciadores e influenciados pelo desempenho das atividades que integram o “núcleo duro” do turismo.

Os conceitos relacionados e a representação esquemática até aqui mostrados, do que seria a estrutura de uma cadeia turística, se aproximam mais de representações da configuração de um cluster de turismo, na concepção porteriana, genérica e agregada, do que propriamente de uma cadeia produtiva do turismo.

Já Tinard (1996), ao referir-se à noção de cadeia turística realiza uma abordagem sob um enfoque mais delimitado e específico, centrado nos quatro parâmetros que viabilizam o período de permanência do turista em um determinado núcleo receptor: transporte, alojamento, alimentação e animação. Esses elementos, isoladamente ou em conjunto – em função das interdependências setoriais, conformam, para Tinard, a cadeia turística.

Garrido (2001), por sua vez, considera que a aplicação do conceito de cadeia de valor ou de cadeia produtiva para o setor de serviços – no qual o turismo se encontra majoritariamente inserido, precisa considerar as características deste “setor”, quais sejam: intangibilidade, inseparabilidade, variabilidade e perecibilidade. “Todas elas dificultam a padronização de processos, bastante presente na cadeia produtiva, cujo modelo foi inicialmente desenhado para atender a sistemas de produção industrial [...]” (GARRIDO, 2001, p. 60).

Pode-se argumentar que o modelo de cadeia produtiva mantém o enfoque na produção de bens, controlando o processo de todos os elos que, nesse caso, são quase que totalmente previsíveis e resultam em produtos com características similares. No turismo mantém-se o enfoque na demanda e no consumo, e a referida “heterogeneidade” de componentes e produtos traz alguns obstáculos ao estabelecimento desse modelo, nos moldes convencionais. Entretanto, como referido anteriormente, verifica-se [que] em alguns sub-setores do turismo [onde] existem características assemelhadas à indústria, como, por exemplo, a hotelaria, [a] utilização desse modelo pode ser apropriada. [...] conclui-se que o modelo da cadeia produtiva é parcialmente representativo para o “setor” do turismo, ficando circunscrito a alguns sub-setores e/ou arranjos de integração horizontal de empresas, em segmentos específicos. (GARRIDO, 2001, p.61-62; 65).

Concorda-se com a argumentação de Garrido, quando aponta como principal empecilho à aplicação do conceito de cadeia produtiva ao turismo, justamente o fato de se pretender considerar a atividade socioeconômica do turismo como significativa de uma única cadeia produtiva, a despeito da diversidade de segmentos de mercado e de tipologias de motivações e manifestações turísticas. Na verdade não se pode falar de “um” turismo e sim de “vários” turismos, logo não se pode delimitar e analisar “uma” cadeia produtiva do turismo e sim “diversas” cadeias produtivas relacionadas ao turismo. E tal delimitação e análise deve ser orientada para os produtos e atividades “característicos” do turismo, em consonância com a classificação uniforme estabelecida no marco conceitual da CST, identificando os vínculos intersetoriais através das matrizes insumo-produto das Contas Nacionais e/ou Regionais (Anexo 1, p. 469).

A raiz de tal dificuldade e imprecisão se deriva, provavelmente, da própria amplitude dos conceitos de turismo e turista, emanados da OMT e referendados pela Divisão de Estatística da ONU, conformando uma abordagem sob a perspectiva ou o enfoque da demanda.

O “turismo” compreende as atividades que realizam as pessoas durante suas viagens e estadias em lugares distintos ao de seu entorno habitual [de residência], por um período de tempo consecutivo inferior a um ano, com fins de lazer, por negócios e outros motivos não relacionados com o exercício de uma atividade remunerada [fixa] no lugar visitado. O termo “atividade das pessoas” se emprega [...] em seu sentido mais amplo como uma ocupação específica individual e não como um termo abreviado de “atividade econômica produtiva” [...]. No caso do turismo, as “atividades das pessoas” referem-se às ocupações das pessoas que se qualificam como “visitantes”, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (ONU et al., 2001, p. 14).

Como visto, se uma pessoa se deslocar para fora do âmbito espacial no qual se locomove no seu dia a dia, por um tempo menor que um ano consecutivo e não o fizer com a finalidade de receber uma remuneração fixa no lugar para o qual se dirigir, estará viajando por turismo, independente de qual seja a razão do deslocamento. No lugar visitado, esta pessoa, automaticamente, se constituirá em um visitante (salvaguardados os casos de exceção indicados pela OMT), se não pernoitar será um excursionista, se realizar pelo menos um pernoite, será um turista.

Ou seja debaixo do “guarda chuva” conceitual do turismo cabe “n” elementos de natureza e dimensão muito distintas, o que reflete na dificuldade de se delimitar a atividade do turismo, particularmente no sentido econômico, na sua abrangência, generalização, abstração, ambiguidade e complexidade. Nesse contexto, definir claramente e precisamente as cadeias produtivas e os clusters do turismo, torna-se um exercício de extrema dificuldade metodológica.

Considerando-se todos os bens e serviços de uma economia, existem os bens e serviços específicos e os não específicos em relação a determinado setor ou atividade. Os bens e serviços específicos subdividem-se em característicos e conexos ao mesmo setor ou atividade. No caso do turismo, os produtos ou atividades característicos incluem aqueles que deixariam de existir ou cujo nível de consumo se reduziria de forma significativa na ausência dos visitantes (turistas).

Estranha-se o fato de que, apesar de todo o esforço que se tem feito, desde o início dos anos 1990, objetivando alcançar a aproximação estatística necessária para definir quando um produto ou uma atividade é “caracterítico” do turismo, avançando-se na melhoria do marco metodológico da CST, continue a OMT a afirmar que a melhor forma de definir o turismo é e sempre será pelo lado da demanda, mesmo quando ela própria reconhece que as experiências para quantificar o turismo sob este enfoque são muito mais escassas que as realizadas pelo lado da oferta, as quais têm gradativamente aumentado e evoluído, acompanhanado o aperfeiçoamento da metodologia da CST.

A esta altura, um aspecto relevante que se acrescenta, diz respeito à diferente perspectiva sob a qual se deve considerar o turismo e a respectiva medição de sua contribuição econômica, conforme se esteja analisando economias de países ou regiões emissores, ou economias de países ou regiões receptores. Quer se trate de um enfoque de demanda ou de um enfoque de oferta, mediante o qual se contemple a mensuração da economia do turismo desses países ou regiões, e mesmo que em ambos se compute a totalidade do consumo turístico – envolvendo os seus componentes interior (interno + receptor) e emissor (parcela efetuada no retorno), além do consumo coletivo turístico (governo) e da formação bruta de capital fixo turística (iniciativa privada), a definição do que é produto turístico e empresa turística, bem como as magnitudes dos fluxos físicos e monetários, irão assumir distintas magnitudes, quer se refiram a economias majoritariamente emissoras ou a economias majoritariamente receptoras, quer sejam analisados sob a ótica da microeconomia ou da macroeconomia.

A constatação de que os países ou regiões receptores são, em geral, menos desenvolvidos que os emissores, apresentando uma economia direcionada para o mercado externo, com estrangulamentos infra-estruturais, pouco dinamismo do mercado interno, deficiência no suprimento de capital humano e social, e relativo atraso em sua base tecnológica, traz à tona importantes aspectos que devem ser considerados quando se fala do dimensionamento da incidência econômica do turismo nesses países ou regiões, comparando com o seu correspondente cálculo nos países ou regiões desenvolvidos. Ressalva-se que esta análise não considera, bem como não se aplica, à realidade do turismo, seja emissor ou receptor, que ocorre nos e entre os países desenvolvidos. Trata-se de uma análise mais apropriada ao turismo que acontece intra e inter-países menos desenvolvidos, incluindo os fluxos residuais que os mesmos recebem dos países mais desenvolvidos (turismo internacional de longa distância).

Face o acima exposto, depreende-se que o turismo caracteriza-se por apresentar encadeamentos com os demais setores / atividades da economia, antes, durante e depois da prestação de serviços próprios da atividade turística. A determinação e análise do peso relativo do turismo na economia dependerá da qualidade, do grau de desagregação e do nível de especificidade, tanto da informação geral como dos dados diretamente referidos ao “setor” / atividade.

Carner (2001), formulando um modelo teórico-analítico sobre a aplicação da noção de encadeamentos aos serviços turísticos, distingue dois modos de se tentar explicitar os encadeamentos ou áreas de enlace do turismo na economia. O primeiro modo consiste em se buscar determinar de forma clara quais são as áreas da economia sobre as quais o turismo incide de forma mais representativa, para tanto será necessário se melhorar a informação estatística disponível sobre o “setor” / atividade – o que vem acontecendo a partir do marco conceitual da CST. O segundo se traduz na análise dos encadeamentos que ocorrem entre atividades e setores fornecedores de bens e serviços antes, durante e depois da produção de serviços turísticos.

Sobre o primeiro modo, Carner entende que o turismo contribue de forma direta, indireta e induzida em uma série de áreas da economia, quais sejam:

 O emprego, direto e indireto, que se pode estimar pelo número de pessoas empregadas de forma permanente ou temporal, de maneira formal e informal, segundo as categorias e níveis de ocupação e como uma porcentagem do emprego total. [...];

 O produto gerado pelo turismo que se pode expressar em termos monetários e relacionar como porcentagem do Produto Nacional Bruto. Porém, a contabilização do valor agregado será de diferente magnitude de acordo com as atividades incluídas na definição do turismo e os instrumentos estatísticos do país [ou da região];

 O investimento, em infra-estrutura geral e específica em zonas turísticas [...]. Do investimento total se pode tentar captar o percentual da participação do investimento público e privado, assim como do investimento externo direto, [...] bem como as remunerações do capital, em suas diversas modalidades;

 A participação no setor externo sob a forma de exportações e importações. [...] Geralmente, a participação do turismo se contabiliza através da entrada de divisas no total das exportações do país e se pode comparar com as exportações totais e as de outros setores. Quanto às importações, se contabilizará as saídas de residentes para o exterior, assim como a importação de bens e serviços para fornecer os serviços de turismo nas atividades características, não características, indiretas e induzidas, e os pagamentos para o exterior;

 O turismo contribue à entrada de recursos para o erário público, na forma de contribuições diversas e impostos diretos, indiretos e induzidos [...] Por outro lado, o “setor” [do turismo] é destinatário de recursos do setor público que podem ser significativos, em particular nos aspectos de construção e manutenção de infra-estrutura básica nas zonas turísticas [...], [tradução livre nossa]. (CARNER, 2001, p. 1-2).

Segundo Carner, se pode reconhecer três níveis de participação do turismo em uma economia:

 através dos efeitos diretos, gerados a partir dos gastos locais iniciais da cadeia, que são os gastos dos turistas;

 por meio dos efeitos indiretos, que se referem à cadeia de compras e gastos em bens e serviços que realizam as empresas diretamente receptoras dos gastos turísticos, direcionados para os seus próprios supridores; e

 em função dos efeitos induzidos, que constituem-se na série de gastos locais originados das remunerações dos empregados e dos proprietários das empresas, em cada um dos setores relacionados com o turismo, e que, por sua vez, geram outras atividades.

Um aspecto mitigador da relevância e do nível de participação do turismo na economia de um país ou região é a ocorrência de fugas ou vazamentos, possibilitados pelas importações de bens e serviços e pagamentos a fatores de origem exógena, cuja existência e proporção em relação aos ingressos monetários totais propiciados pela atividade turística, reflete uma certa magnitude e profundidade dos encadeamentos produtivos com os diversos setores da economia, ou sua debilidade, ou, ainda, sua ausência.

Já de acordo com o segundo modo, Carner (2001) realiza uma análise dos encadeamentos do turismo com outros setores, caracterizando as configurações de cadeia produtiva, cluster e redes do turismo.

Segundo a autora, o viajante pode ser o ponto de observação para a análise dos fluxos de bens e serviços que se produzem e se adquirem antes, durante e depois da realização da viagem. Se pode, inclusive, prover bens e serviços de turismo mesmo que a viagem não se concretize, como é o caso da informação turística. Considerando que o turismo é, em parte, a provisão de um serviço, a produção e o consumo se dão simultaneamente.

Para Carner (2001), os bens e serviços turísticos que se proporcionam às empresas são diferentes em uma grande proporção àqueles que recebe o consumidor final. A cadeia conformada pelos fornecedores - empresas ou pessoas que proporcionam um serviço diretamente ao consumidor (turista), e supridores – empresas ou pessoas que proporcionam bens e serviços aos estágios anteriores da cadeia (de acordo com nomenclatura utilizada por Carner), se caracteriza pela agregação de valor que se acrescenta tanto dentro das fronteiras nacionais como internacionalmente.

As empresas podem estar relacionadas através de uma integração horizontal, cujo exemplo mais aparente seriam as cadeias hoteleiras [...]. Também existe no turismo uma integração vertical, da qual um clássico exemplo seria o dos operadores turísticos, que canalizam os turistas através dos pacotes turísticos, massivos ou à medida [sob encomenda], e da venda ao atacado. Esta se alcança com a aquisição total ou parcial dos segmentos da cadeia: vendas ao varejo em agências de viagens afiliadas nos lugares de origem dos viajantes; manejo do segmento de transporte, em particular o aéreo, mediante a propriedade, a administração ou o aluguel de linhas aéreas, ou vôos de fretamento ou charters, ou diretamente de aeronaves; assim como pelo controle de diversos meios de hospedagem, agências receptivas e empresas de transporte turístico no lugar de destino, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (CARNER, 2001, p. 9).

Porém, afirma Carner, esses conceitos, embora válidos, simplificam excessivamente as complicadas relações entre as empresas de turismo e as que se dão com seus supridores em atividades relacionadas ou de suporte. As novas tecnologias, bem como as contínuas inovações em matéria de administração / gestão de empresas e relações de negócios modificaram bastante o contexto dessas relações, complicando-as ainda mais.

As tecnologias da informação e das telecomunicações, incluindo a Internet, proporcionaram ferramentas sofisticadas para um leque de novas possibilidades para a criação de valor adicionado e instrumentos de gestão para o incremento dos benefícios obtidos. Neste sentido, se podem mencionar os Sistemas Computadorizados de Reservas (SCR) e os Sistemas Globais de Distribuição (SGD) que conectam e acrescentam valor a toda uma gama de produtos turísticos, e que evoluem dia a dia para modalidades inovadoras e em constante processo de mudança que os ligam com os mais diversos setores econômicos, [tradução livre nossa]. (CARNER, 2001, p. 9).

Desse modo, conforme Carner, o turismo se converte em uma rede de relações que podem criar pontos de estrangulamentos ou sinergias, constituindo-se em um dos conglomerados de atividades mais complexos e heterogêneos. Na obtenção de bens e serviços para o próprio turismo doméstico, a atividade turística conta com supridores e fornecedores que se encontram fora das fronteiras do país ou região. No entanto, como o Sistema de Contas Nacionais está fundamentado sobre os conceitos de territorialidade e de nação, este processo é considerado como uma fuga ou saída de recursos. Porém, no desenvolvimento da competitividade do turismo há de se permitir um eficiente nível de fugas, ou seja, de importações e remuneração aos fatores de produção originados do exterior, ao mesmo tempo que há de se insistir na criação e/ou fortalecimento de encadeamentos produtivos eficientes à escala local, regional e nacional.

A congruência entre a regulamentação geral em um país ou região, as medidas de desenvolvimento do “setor” [do turismo] e os graus de liberalização entre os diversos setores é o que permite evitar os estrangulamentos na cadeia de produção dos serviços turísticos e assegurar ao consumidor uma experiência sem bloqueios [ou limitações], que é uma das características básicas da qualidade e da competitividade nos serviços, [tradução livre nossa]. (CARNER, 2001, p. 10).

A complexa organização das empresas e dos negócios intra e inter-firmas cruza as fronteiras, que se desvanecem diante de uma perspectiva globalizada. A qualidade e o preço das telecomunicações e das tecnologias da informação, bem como a capacitação dos recursos humanos nos lugares de origem e destino, são, na visão de Carner, de fundamental importância para o turismo. Neste contexto, o conceito de localização geográfica mantém sua validade e relevância. “A teoria e a evidência empírica mostram que uma diversidade de condições baseadas no conceito de território pode levar um destino em particular a ser competitivo e sustentável no médio e longo prazo [...]” [tradução livre nossa], (CARNER, 2001, p.10).

Segundo Carner, a heterogeneidade do conglomerado do turismo e das atividades que o compõem ou que o apoiam, se podem considerar como serviços de rede. Em sua opinião, seria justamente a capacidade do turismo de gerar redes entre atividades e produtos o que lhe possibilita provocar um impacto maior e sustentável na economia, com essas redes podendo se verificar em uma escala internacional, nacional, regional ou local.

A política de criar ou fortalecer encadeamentos no turismo, conforme a autora, deverá se orientar para nichos específicos, devido à magnitude atual do fenômeno turístico diante das outras atividades econômicas de determinado país ou região. As estratégias deverão estar ligadas às condições específicas de cada país ou região, considerando-se as condições especiais de sua respectiva economia. Carner destaca que os três eixos sobre os quais de podem articular estratégias de criação ou de aprofundamento de encadeamentos produtivos de bens e serviços são: a informação; o financiamento; e os recursos humanos capacitados e com uma mentalidade e “cultura” de qualidade.

Em muitos casos será pertinente perguntar-se se a política de gerar encadeamentos é a mais adequada, pois melhorar a captação de divisas e o valor agregado dos produtos turísticos pode ser uma melhor opção para a economia, ao contrário da idéia geralmente aceita de que sempre são mais desejáveis os encadeamentos produtivos. [...] Em última instância, cada país, dependendo de suas próprias condições, será quem poderá determinar se, para maximizar os benefícios econômicos do turismo, prefere e pode criar encadeamentos produtivos, ou busca criar nichos de mercado turístico de alto valor agregado apesar das importações necessários para atingir tal fim, [tradução livre nossa]. (CARNER, 2001, p.18).

Ressalva-se que a opção de não criar ou fortalecer os elos da cadeia produtiva implica em não avançar em um processo do tipo “substituição de importações” direcionado à produção em base endógena de bens e serviços com elevado conteúdo de valor agregado, tendo por conseqüência não se investir na ampliação de uma condição de suficiência e de maior efetividade do mercado interno. Esta opção resultará em priorizar a base exportadora da economia, com ênfase no turismo, o que poderá resultar que os recursos gerados sejam apenas suficientes para o abastecimento, via importação, dos bens e serviços necessários para a satisfação da demanda turística ou que cheguem a permitir algum volume de investimentos destinados a reforçar as atividades ligadas à base exportadora, sem refletir positiva e favoravelmente no incremento da dinâmica do mercado interno.

Carner (2001), menciona exemplos da multiplicidade dos encadeamentos do turismo em uma dada economia, os quais, apesar de corresponderem a uma extensa explicitação, são citados na íntegra pela especificiadade e propriedade da análise da autora.

Mesmo antes da criação e desenvolvimento de um produto turístico, se geram encadeamentos produtivos, entre outros, no contexto do planejamento, estudos de consultoria, de engenharia, de desenho arquitetônico e paisagista, assim como o pacote de serviços financeiros incluindo os de bens raízes, de seguro e resseguro, e de estudos prospectivos que são requeridos para uma empresa particular ou para um complexo turístico. Também intervêm a construção de infra-estrutura básica, urbana e de rodovias, bem como todo tipo de infra-estrutura específica como a de alojamento, de equipamento pesado ou leve, [...] além de móveis e decoração, entre outros.

Quando o processo de prover serviços turísticos no destino começa, os enlaces com a agricultura, a pesca, a avicultura e com [...] a criação de rebanhos, assim como com a indústria alimentícia são, geralmente, os primeiros a acontecerem. Diante da sofisticação crescente do mercado de alimentos e bebidas, os encadeamentos haverão de ser trabalhados por parte das empresas compradoras e dos supridores, necessitando a vontade de ambas as partes para alcançar os níveis requeridos de qualidade, quantidade e entrega [...]. Em muitos casos não se concretizam estes encadeamentos por falta de interesse em seu desenvolvimento pelas empresas turísticas ou pela possibilidade de escolher no mercado externo [ao âmbito regional ou nacional], melhores produtos, a um melhor preço e com prazos de entrega seguros [o que compensa a ocorrência de fugas]. No caso em que [...] se alcançam [estes encadeamentos], se dá os primeiros passos para obter tais requisitos e conseguir vantagens no mercado interno e para a exportação. Outras atividades para prover bens muito necessários à atividade de alojamento se encontram no ramo têxtil e de confecções. Toda a variedade de rouparia, assim como os uniformes e roupa de trabalho do pessoal ocupado no turismo, com uma demanda relativamente estável pela frequência de sua reposição, se podem desenvolver em particular nos países com experiência, quer seja na indústria destinada ao mercado nacional ou internacional [...]. De acordo com os graus de sofisticação do turismo e da indústria nacional, se pode pensar em utensílios para servir comidas e bebidas [pratos, copos, taças, etc.], cristaleria, confecção e comércio de facas e similares [...], mas também em produtos de limpeza e de asseio pessoal, químicos de todo tipo, papel. Também se podem desenvolver algumas atividades para produzir e reparar maquinaria e equipamentos, assim como peças de reparação. [...] Os processos de aproveitamento das capacidades instaladas ou dos recursos humanos disponíveis, bem como o treinamento dos supridores, podem iniciar nichos crescentes de encadeamentos e minimizar o peso das importações. [...] o que se busca é a eficiente substituição de importações e não a sua eliminação. Os esquemas de financiamento efetivo e de transferência de tecnologias [...] de gestão e capacitação, particularmente dirigidos à consolidação de pequenos e médios fornecedores. [...] Não se deve esquecer a importância da provisão de serviços para o turismo. Se há de rechaçar o conceito de que os empregos e os serviços diretos e indiretos que se supre, se encontram somente nos níveis mais baixos de qualificação. [...] o turismo necessita serviços sofisticados, de alto nível, como todos os serviços profissionais e financeiros que já contam com uma elevada sofisticação [...] assim como empresas especializadas de suporte técnico [e] de manutenção, em especial para a implementação de novas tecnologias [particularmente] da informática e das telecomunicações [...]. Os serviços de manutenção e reparos de navios e de aeronaves, os serviços aos navios de cruzeiros e aos iates, incluindo os de manejo de dejetos, provisão de energéticos, de produtos alimentícios, frescos ou preparados, de serviços de catering e inclusive os de tripulações, se desenvolveram e podem ser ampliados. [...] O desempenho dos fornecedores dos supridores nacionais se verá melhorado com o recurso às redes do turismo, em especial às das empresas multinacionais, [visando] usar o talento local e elevar a qualidade da capacitação de seu próprio pessoal, bem como o das empresas que tenham relações de trabalho, melhorando também as capacidades gerenciais e de orgnização das empresas. Essas redes também podem ser aproveitadas para a exportação dos bens e serviços competitivos e elevar a competitividade da economia em seu conjunto, [grifo nosso], [tradução livre nossa]. (CARNER, 2001, p. 15-17).

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