Tesis doctorales de Economía


O SETOR IMOBILIÁRIO INFORMAL E OS DIREITOS DE PROPRIEDADE: O QUE OS IMÓVEIS REGULARIZADOS PODEM FAZER PELAS PESSOAS DE BAIXA RENDA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Krongnon Wailamer de Souza Regueira


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5.4 DIREITOS DE PROPRIEDADE E ACESSO AO CRÉDITO: EXISTE UMA FORTE CORRELAÇÃO?

Diversos autores, normalmente utilizando técnicas econométricas, estimaram a correlação entre os direitos de propriedade e o acesso ao crédito. Para DE SOTO (1987, 2001), quando as pessoas de baixa renda tiveram seus direitos de propriedade reconhecidos, os ativos imobiliários que possuem poderão ser fornecidos como garantia para a obtenção de crédito. Em que grau os pobres que tiveram seus ativos formalmente registrados conseguiram acesso ao mercado de crédito? Ao longo desta seção serão discutidos os resultados das pesquisas realizadas sobre a relação entre direitos de propriedade e acesso ao crédito.

O primeiro país onde as idéias de De Soto foram aplicadas em maior escala foi o próprio Peru. De Soto, por ter sido ministro da Fazenda durante o governo de Alberto Fujimori, encontrou menos obstáculos para implementar suas idéias . Em 1996, sob os cuidados da COFOPRI (Comissão de Formalização da Propriedade Informal), foram concedidos milhares de títulos de propriedade às pessoas mais pobres. Finalmente Hernando de Soto poderia colocar em prática as idéias descritas em seu primeiro livro.

FIELD e TORERO (2006) estimaram a correlação entre direitos de propriedade e outras variáveis no Peru, após a concessão destes títulos de propriedade. Eles compararam grupos que obtiveram os títulos de propriedade com grupos que não conseguiram a regularização das suas posses. E inegável que as pessoas que conseguiram os títulos de propriedade puderam assegurar alguns benefícios legais, como a garantia de permanecer no local e não sofrer nenhuma forma de expropriação. Todavia, após testes econométricos, não foi encontrada uma correlação significativa entre título de propriedade e acesso ao crédito para financiamento de atividades de micro e pequena empresa. Sem citar diretamente De Soto em seu trabalho, FIELD e TORERO (2006, p.25) concluem: “As a result, the growth implications of titling programs may bem greatly overstated”.

Um outro fator que merece destaque no referido estudo é a dificuldade de acessar o mercado creditício, ainda que exista um ativo que possa ser usado como colateral. As fortes restrições creditícias foram pouco afetadas pela legalização dos ativos, e mesmo após a distribuição de 1,2 milhão de títulos de propriedades em áreas urbanas, os resultados mostram que o racionamento de crédito ainda é o ponto central que prejudica o ambiente de micro-crédito nas cidades peruanas (FIELD; TORERO, 2006).

Contradizendo parte do que De Soto esperava como resultado do processo de concessão de títulos de propriedade, o principal fornecedor de empréstimos para as pessoas de baixa renda foi o Banco de Materiales, uma instituição governamental. Segundo FIELD e TORERO (2006), este banco respondia por 45% de todas as aplicações em fundos formais. O Banco de Materiales foi criado em 1980 com o objetivo de financiar a construção de residências para pessoas que vivem em assentamentos ou pertencem a cooperativas de casas e associações de casas populares, fornecendo crédito de no máximo 5 mil dólares para ser quitado em até 15 anos. O setor bancário privado de Peru não parecia estar disposto, dado o racionamento de crédito existente na época em que o estudo foi realizado, a fornecer empréstimos para clientes com o perfil do pequeno empresário descrito por De Soto.

Em um outro trabalho, FIELD (2002) constatou que a concessão de títulos de propriedade permite um aumento na oferta de trabalho, pois as pessoas não precisam ficar tanto tempo em casa para manter e proteger seus direitos informais. Além disso, menos tempo é despendido participando de grupos comunitários ou providenciando documentos com reivindicações para alcançar os títulos de propriedade. Destarte, o custo para manter direitos informais resulta do afastamento do mercado de trabalho e na distorção na alocação de oferta de trabalho pelos membros da família (FIELD, 2002).

Um resultado importante alcançado por FIELD (2002), que está em consonância com as propostas de De Soto, diz respeito à resposta positiva da oferta de mão-de-obra em decorrência da aquisição de títulos de propriedade. Ao contrário dos programas sociais, que transferem renda e terminam por reduzir a oferta de trabalho das famílias mais pobres, a concessão de títulos de propriedade exerceria um impacto positivo na oferta de trabalho. Um outro aspecto observado decorre do fato de que as famílias não utilizam suas casas como fonte de atividades econômicas, o que vai de encontro à pesquisa realizada na área, que não observa uma relação significativa entre direitos de propriedade e taxas de investimento empresarial por parte das pessoas de baixa renda (FIELD, 2002).

O trabalho de FIELD e TORERO (2006) adquire grande importância porque analisa o Peru, em um período imediatamente após a concessão dos direitos de propriedade. As idéias de De Soto foram abraçadas por muitos líderes políticos, porém pouco se fala do resultado de suas aplicações nos países em desenvolvimento.

Outros autores também buscaram estudar a relação entre os direitos de propriedade e outras variáveis, sobretudo o acesso ao crédito. No Brasil, Maria Isabel de Toledo Andrade estudou a relação entre direitos de propriedade e renda pessoal nas comunidades do Caju. Esta dissertação de mestrado, defendida na UFRJ em 2004 sob a orientação do professor Ronaldo Fiani, recebu o primeiro lugar do 28º Prêmio BNDES de Economia .

ANDRADE (2006) mostrou que as pessoas que possuem o título de propriedade do imóvel no qual residem possuem renda mais elevada, contudo não foi possível identificar de forma clara maior acesso ao crédito. Em seus estudos ela constatou através de cinco variáveis as formas de acesso ao crédito que estavam disponíveis ao chefe de domicílio: conta bancária (conta corrente), conta de poupança, cartão de crédito, cartão de crédito de lojas e dívida ou financiamento. Para abrir uma conta-corrente, obter um cartão de crédito ou buscar alguma forma de financiamento sempre se exige um comprovante de residência (conta de luz, água, telefone, etc.), além de um comprovante de renda. Isto demonstra que essas pessoas se enquadram nos pré-requisitos de comprovação de renda e de local de residência exigido pelos agentes que fornecem crédito.

ANDRADE (2006) afirma que não é possível concluir se existe ou não alguma relação entre as variáveis observadas e o acesso ao crédito quanto aumentam definição e a atribuição dos direitos de propriedade. Para fazer sua análise, a autora dividiu os imóveis de acordo com a sua condição de ocupação em três grupos: (1) sem escritura e sem documentação da associação de moradores; (2) com documentação da associação de moradores e (3) com escritura definitiva, que representavam 46,4%, 37,7% e 15,9%, respectivamente, do total de imóveis. Se por um lado a proporção dos chefes de domicílio com escritura definitiva possuírem caderneta de poupança e conta-corrente é maior do que as dos outros dois grupos, por outro apresentam menor proporção, em comparação a estes mesmos grupos, do uso de instrumentos como cartão de crédito, cartão de lojas e dívidas ou financiamento.

O quadro seguinte, extraído de ANDRADE (2006, p.68), mostra as diversas formas de acesso ao crédito e os grupos supracitados:

Apesar de ANDRADE (2006) não fazer nenhuma conclusão a partir destes resultados, poderíamos inferir que os chefes de domicílio com registro definitivo são mais parcimoniosos e menos propensos a contrair dívidas. Pode ser provável que a sua busca pelo título de propriedade seja fruto deste comportamento parcimonioso. Desta forma, esses indivíduos podem possuir maior consciência da importância dos direitos de propriedade, e com isso, ou compram propriedades regularizadas ou buscam a regularização das mesmas como forma de aumentar seu patrimônio. Enquanto os chefes de domicílio com títulos de propriedade regularizados possuem maior propensão a poupar, aqueles sem a escritura definitiva aparentam possuir maior propensão ao consumo.

Avaliar e comparar as diferentes políticas de regularização de imóveis é uma tarefa de difícil realização, pois envolve projetos de natureza distinta, momentos históricos diversos, situações políticas, países e, em muitos casos, regiões diferentes dentro de um mesmo país. Esses fatores exercem considerável influência sobre as políticas de regularização dos ativos imobiliários, e a não consideração dos mesmos faz com que tais políticas nem sempre atinjam os resultados esperados. Além disso, normas distintas e diferentes níveis de organização e consciência da sociedade civil têm forte impacto nos resultados dos programas de concessão de títulos de propriedade (CLICHEVSKY, 2003).

Apesar do êxito parcial de alguns programas de regularização fundiária em países como o Peru, México e Brasil , CLICHEVSKY (2003, P.54) aponta alguns dos motivos para o insucesso da maioria dos programas implantados:

Si compararmos el total de soluciones alcanzadas em relación a magnitud general del problema, se pude concluir que los procesos de regularización han avanzado muy lentamente en relación a lãs necesidades. En consecuencia, cabe realizar dos perguntas: primero, si las herramientas jurídicas son adecuadas y, segundo, em qué medida son efectivamente aplicadas las que existen y como son aplicadas.

CLICHEVSKY (2003) também afirma que não existe uma correlação entre registro formal dos imóveis e acesso maior ao crédito, sobretudo em instituições bancárias privadas. Assim como Field e Torero, CLICHEVSKY (2003) mostra que a quase totalidade do financiamento obtido pelas pessoas que conseguiram o título de propriedade partiu do Banco de Materiales.

FERNANDES (2002) também cita o caso do Peru como exemplo, afirmando que poucas pessoas obtiveram acesso ao crédito, mesmo após a obtenção do título de propriedade. Além disso, ele observa que a concessão de títulos de propriedade não reduziu a pobreza da sociedade, pois os bancos e outros organismos que poderiam fornecer crédito não encamparam a idéia de financiar as pessoas mais pobres. Como assinala FERNANDES (2002, p.6), o sistema bancário não está preparado para incorporar as pessoas mais pobres ao mercado de crédito:

[...] De Soto has failed to recognize that the poor, despite their poverty, have already amassed assets through access to credit, albeit not from formal institutions. In fact, De Soto has failed to provide evidence that banks and other official financial and credit institutions would be prepared to give systematic credit to the poor, even though there is historical evidence to the contrary.

GALIANI e SCHARGORDSKY (2003) compararam grupos de pessoas que invadiram uma área na província de Buenos Aires, sendo que uma parte das pessoas obteve o título de propriedade enquanto a outra parte não teve o mesmo êxito em decorrência de os proprietários originais do terreno terem recorrido à justiça por não concordarem com a indenização oferecida pelo governo. Desta forma, foi possível comparar dois grupos com características e histórias semelhantes, mas cuja diferença maior consistia em possuir ou não um título de propriedade.

Um dos pontos centrais da obra de De Soto é contestado por GALIANI e SCHARGORDSKY (2003), que não encontraram resultados significativos no aumento da renda recebida pelos informais e no acesso ao mercado de crédito após a concessão de títulos de propriedade. Por outro lado, possuir o título de propriedade reduz a evasão escolar no ensino médio e aumenta o investimento na residência. Os autores também constataram que as famílias que possuem títulos de propriedade são menores, e investem mais na educação dos seus filhos. Por outro lado, suas casas são maiores em comparação às casa das pessoas sem títulos (GALIANI; SCHARGORDSKY, 2003). Mesmo que os títulos de propriedade melhorem as condições de vida das famílias que os possuem, a dificuldade em acessar ao mercado de crédito, juntamente com a baixa renda derivada do trabalho, ainda persistem.

Conforme relatam GALIANI e SCHARGORDSKY (2003), existe uma forte demanda por crédito informal, oriundo de empréstimos de parentes, amigos, vizinhos, colegas e do comércio, este último na forma de alimentos e outros bens de consumo, que são comprados a prazo após estabelecimento de vínculos com os comerciantes locais. De qualquer forma, o acesso a esta modalidade de crédito não é afetado pela legalização dos ativos imobiliários, sobretudo quando existe racionamento no acesso ao crédito.

Para MC KECHNIE (2006), as reformas instituídas em áreas urbanas não possibilitaram maior acesso ao crédito formal no Peru. Por outro lado, nas áreas rurais aumentou a correlação entre direitos de propriedade e acesso ao crédito, porém o crédito formal permanece limitado. Ela ressalta que a capacidade de obter crédito está mais fortemente correlacionada à renda do que aos direitos de propriedade. Ainda segundo MC KECHNIE (2006), os novos títulos de propriedade aumentam apenas o acesso ao crédito informal.

Ainda que não tenha se reportado ao primeiro livro de Hernando de Soto, o estudo de FEDER et al. (1988) encontrou uma correlação positiva entre concessão de títulos de propriedade e melhoria no acesso ao crédito em áreas rurais da Tailândia. Neste país, os fazendeiros que possuíam suas terras legalmente registradas realizavam maiores investimentos e obtinham uma maior produção do que os fazendeiros que não possuíam títulos de propriedade.

FEDER e NISHIO (1998) revisaram a literatura sobre o tema e constaram que o registro de terras provocava os seguintes resultados: valores mais altos para as terras no Brasil, Honduras, Tailândia, Filipinas, Peru e Indonésia; maiores investimentos na terra no Brasil, Honduras, Costa Rica, Jamaica e Gana; e aumento da produção e da renda no Brasil, Costa Rica, Equador e Paraguai. Entretanto, estes mesmos autores citam casos de estudos empíricos em que a regularização das terras em áreas rurais não provocou elevação nos investimentos e na produtividade, como ocorreu no Quênia (MIGHOT-ADHOLLA et al., 1991 e CARTER et al., 1994), Ruanda (ROTH et al., 1994) e Somália (PLACE ; MIGHOT- ADHOLLA, 1998).

Para BYAMUGISHA (1999), o processo de regularização de terras possui três efeitos ambíguos: (1) O título de propriedade tem significância estatística, apresentando efeitos positivos no desenvolvimento financeiro no longo prazo; (2) O gasto público no registro de terras, um indicador da qualidade dos serviços de registro de terra, apresenta forte correlação e positivos efeitos de longo prazo no crescimento econômico e (3) Os títulos de propriedade possuem efeitos significativamente negativos sobre o crescimento econômico no período imediatamente após a sua ocorrência. BYAMUGISHA (1999, p.23) apresenta uma explicação para este terceiro efeito:

Our guess is that it may be due to the influences of prices increases and speculation in land (often associated with land titling) which tender to deter investment in land and in land intensive activities. On addition, it is possible that bankers and investors may take a wait and see attitude in transaction with new (and old) titles until the dust has cleared.

Os estudos de Hernando de Soto, apesar de terem se inspirados na historiada do processo de regularização dos direitos de propriedade dos Estados Unidos do século XVIII, enfocam os direitos de propriedade em áreas urbanas. A maior parte dos estudos citados anteriormente tem como foco as terras situadas em áreas rurais, destinadas principalmente à agricultura e pecuária, contudo, os trabalhos que abordam as áreas urbanas não encontraram uma correlação estatística significativa entre direitos de propriedade e maior acesso ao mercado de crédito.


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