Tesis doctorales de Economía


O SETOR IMOBILIÁRIO INFORMAL E OS DIREITOS DE PROPRIEDADE: O QUE OS IMÓVEIS REGULARIZADOS PODEM FAZER PELAS PESSOAS DE BAIXA RENDA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Krongnon Wailamer de Souza Regueira


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3.4 QUESTÕES METODOLÓGICAS DA OBRA DE HERNANDO DE SOTO

3.4.1 A metodologia de Hernando de Soto: neoclassicismo versus institucionalismo

A teoria neoclássica tradicional, expressa, por exemplo, no modelo de equilíbrio geral de Arrow e Debreu, modelou um mundo sem fricções, onde os agentes são racionais e tomam decisões maximizadoras, num contexto onde não existe incerteza. Dúvidas acerca de contratos, direitos de propriedade e comportamento oportunista não ocorrem no perfeito mundo imaginado pela teoria neoclássica, pois esses são temas não abordados por ela, sendo considerados variáveis exógenas nos modelos de decisão. Os custos de transação não existem e o mercado competitivo, através do sistema de preços, eliminaria qualquer excesso de demanda ou oferta, alocando os recursos com máxima eficiência, alcançando um equilíbrio Pareto ótimo. Desta forma, a definição dos direitos de propriedade, a assimetria de informações e a possibilidade de comportamento oportunista por parte dos agentes envolvidos não são contemplados nos modelos neoclássicos tradicionais.

A economia neoclássica fundamentada na idéia de equilíbrio teve seu desenvolvimento inspirado nos avanços da física. Os modelos propostos pela física apresentam os mesmos resultados desde que existam pré-condições semelhantes para que o objeto de estudo possa ser analisado . No caso dos países em desenvolvimento, ao propor como caminho principal para a superação do atraso econômico o estabelecimento de direitos de propriedade sobre os ativos de posse dos informais, De Soto pressupõe que, apesar das diferenças econômicas, políticas, culturais e sociais, entre outras, os resultados alcançados em termos de eficiência seriam os mesmos.

Assim como na física, no modelo de equilíbrio geral proposto por Walras, existe tão somente um único ponto de equilíbrio, dadas as condições iniciais. Um mesmo corpo, caindo no vácuo de uma mesma altura, atingiria o solo sempre na mesma velocidade, não importando quantas vezes a experiência fosse repetida. Traçando um paralelo com a economia, poderíamos dizer que duas famílias com as mesmas características e que possuíssem rendas idênticas deveriam ter os mesmos hábitos de consumo. Logicamente que, mudando as condições iniciais, como por exemplo, a alteração na renda da família, em decorrência do desemprego de um dos seus membros, faria com que as preferências sofressem modificações e, com isso, modificar-se-iam os hábitos de consumo. Em sua análise, De Soto pressupõe que, partindo de condições completamente diferentes, os países mais atrasados atingiriam um maior grau de desenvolvimento após a definição dos direitos de propriedade, independente dos fatores presentes no momento regularização dos ativos.

Em contraposição à teoria neoclássica, surge a teoria insitucionalista, cuja inspiração derivava dos modelos evolucionários da biologia. Mesmo não sendo um profundo conhecedor da física, se comparado aos principais economistas neoclássicos, Veblen ousou desafiá-los, contudo sua maior crítica não recaiu sobre os principais conteúdos da teoria neoclássica, mas sim sobre o que esta não contemplava (GANLEY, 1995). Por conseguinte, para constituir sua análise, os institucionalistas afastaram-se da matemática e buscaram apoio em outros campos do conhecimento, como a política, a sociologia, e a psicologia.

Um fator citado por De Soto, mas negligenciado pela teoria neoclássica diz respeito às diferenças sócio-culturais. Para De Soto, fica implícita a acusação de que os países latino-americanos não se desenvolviam em virtude de uma (suposta) inferioridade intelectual dos seus habitantes. Argumentos preconceituosos já foram utilizados por alguns pensadores para tentar explicar o atraso das economias subdesenvolvidas, mesmo que não tivessem amparo em fundamentações científicas. MILL (1996, p.271), um economista que deu grande destaque à importância das formas de propriedade, fosse privada ou comunal, na alocação de recursos produtivos, mostra como a visão permeada de preconceito estava presente ao relatar a colonização dos índios do Paraguai pelos jesuítas:

Conseguiu-se fazer com que uma tribo de silvícolas, pertencente a uma porção da humanidade mais avessa ao trabalho consecutivo em função de um objetivo distante do que qualquer outra a nós conhecida de fontes autênticas, se submetesse ao comando mental de homens civilizados e instruídos, unidos entre si por um sistema de comunidade de bens. Submeteram-se com reverência à autoridade desses homens, e foram por eles levados a aprender as artes da vida civilizada, e a executar trabalhos em prol da comunidade, trabalhos estes que nenhum estímulo que se pudesse oferecer poderia ter conseguido fazê-los executar por si mesmos.

DE SOTO (2001, p.18) rebate todos esses argumentos, porque segundo ele não levam em consideração que as instituições desenvolvidas ao longo da história por esses diferentes povos influenciam a maneira como as leis, transações e diversas relações sócio-econômicas são realizadas:

Quando estes remédios [reformas que se direcionam à criação de economias capitalistas] falham, a resposta ocidental com freqüência não é questionar a adequação de suas soluções, e sim culpar os povos do Terceiro Mundo de falta de espírito empreendedor ou de vocação para o mercado. Se esses povos fracassaram em prosperar apesar de todo o excelente aconselhamento, é porque algo há de errado com eles: ou fez-lhes falta a Reforma Protestante ou paralisou-lhes a herança incapacitante da Europa colonial ou têm o QI muito baixo. Mas sugerir que o fator cultural explica o sucesso de lugares tão diversos como o Japão, a Suíça e a Califórnia, e que este mesmo fator pode explicar a pobreza relativa de lugares igualmente diversos como a China, a Estônia e a Baja Califórnia, é mais do que desumano: não convence. A disparidade da riqueza entre o Ocidente e o resto do mundo é por demais ampla para ser justificada apenas culturalmente.

Esta citação demonstra a forma como De Soto analisa as instituições. Essa homogeneização do comportamento humano remete ao Homo economicus neoclássico. Se os empresários dos países pobres não conseguem maximizar o seu retorno é porque os obstáculos, neste caso representados pelas políticas públicas, os impedem.

Na visão de DE SOTO (1987, 2001), os países pobres não se desenvolveram com a mesma rapidez que os países ricos por causa da indefinição dos direitos de propriedade, o que teria prejudicado a trajetória daqueles. A adoção de um modelo inicial ineficiente fez com que alguns países alcançassem um grau mais baixo de desenvolvimento, enquanto outros, por terem formulado um sistema adequado, alcançaram maior êxito. KRUGMAN (1992) descreve como a escolha de um modelo inicial errado leva à criação de mecanismos que, mesmo não sendo tão eficientes, acabam sendo adotados porque tem aceitação generalizada. Esta escolha inicial errada recebeu a denominação de “Economia do QWERTY ”, em alusão aos modelos de teclado das máquinas de escrever, e que servem de padrão até o presente momento. Apesar das críticas dos economistas mais ortodoxos, KRUGMAN (1992, p.110) defende a relevância dos fatos históricas para o desempenho da economia de qualquer país:

Muchos autores consideran el QWERTY profundamente aberrante y problemático. Yo (…) lo encuentro estimulante y fuente constante de inspiración. (…) Al menos en lo que concierne a la localización de la actividad económica en el espacio, la idea de que la forma de una economía está determinada en gran medida por las contingencias históricas no es una hipótesis metafísica; es simplemente la pura verdad.

Segundo DE SOTO (2001), as histórias dos países são diferentes, em virtude, sobretudo, das instituições que se estabeleceram. Ele aponta como uma das causas mais importantes para o sucesso dos países desenvolvidos foi a criação de um sistema de registros formais sobre a propriedade privada, bem como das transações realizadas com as mesmas. Desta forma, seria possível rastrear toda a história de um ativo, e com isso descobrir quem foram seus proprietários ao longo do tempo e de que maneira esta propriedade mudou de mãos. Ao explicar o fator que propiciou o desenvolvimento de alguns países e o atraso de outros, De Soto não esclareceu por que instituições eficientes surgiram em determinadas nações, mas não se desenvolveram em outras.

Entendemos, porém, que se as diferenças culturais não são importantes, a ação humana deveria levar ao surgimento das mesmas instituições em qualquer lugar do planeta. Seria mais racional que, no modelo proposto por De Soto, agentes escolhessem as instituições que maximizassem o retorno social da mesma forma que um empresário escolhe o ponto em que maximiza seus lucros numa função de produção ou o consumidor opta pela cesta de bens que maximiza a sua utilidade. De Soto não traz uma explicação para o fato de instituições diferentes surgirem em lugares diferentes em períodos similares, ao mesmo tempo em que não dá a devida importância aos grupos de interesse que deram origem àquelas instituições socialmente ineficientes.

Parece razoável pensar que, em algum momento, e em diversos lugares, os grupos relativamente mais fortes, conseguiram implantar mecanismos que incrementavam os seus ganhos, às expensas do restante da sociedade. Tal qual o teclado da máquina de escrever, que surgiu da idéia do seu inventor e foi adotado posteriormente por todos os fabricantes de equipamentos, as instituições ineficientes foram criadas por grupos que visavam interesses próprios. Conforme relata SCHAEFER (2004, p.35): “Every system, no matter how inefficient , has beneficiaries and supporters who will defend it against change.”

No caso do teclado, estudos mostram que existem alternativas que tornariam o processo de digitação mais rápido e sujeito a menor quantidade de erros, entretanto as pessoas já se acostumaram a utilizar o modelo existente. Neste caso, haveria um custo de troca que acaba perpetuando a manutenção de um sistema inferior. Estes mesmos custos de troca levaram ao monopólio da Microsoft, pois mesmo que venha a surgir um sistema operacional mais eficiente e barato que o Windows, as empresas e os usuários teriam que investir recursos e tempo em treinamento para que pudessem se familiarizar com o novo programa. Além disso, todos os arquivos gravados no padrão Windows teriam que ser convertidos para o novo sistema. É por isso que, mesmo sendo gratuito, o sistema operacional Linux e seus programas derivados enfrentam dificuldades para se expandir no setor de tecnologia da informação (VARIAN; SHAPIRO, 1999).

Por que instituições que protegiam os direitos de propriedade surgiram nos Estados Unidos e não surgiram na América Latina? De Soto não apresenta uma explicação para o surgimento das instituições ineficientes na América Latina. O caminho apontado por De Soto seria o surgimento da informalidade em todos os lugares onde os pobres tivessem que enfrentar as dificuldades de superar a burocracia, que impede o acesso ao registro formal dos ativos. A resposta do mercado a uma falha institucional, uma vez que não consiga superá-la legalmente, seria através da criação de novas instituições, que coexistiriam com as anteriores em decorrência da leniência governamental.

Em sua obra, De Soto enfatiza como o direito de propriedade reduz os custos de transação, aumenta a interação entre os indivíduos e diminui a ocorrência de comportamento oportunista. Em contrapartida, a maneira como esses resultados serão alcançados, parece ser pouco complexa, haja vista que De Soto acredita que a mudança na legislação será capaz de promovê-los com razoável rapidez. Podemos pensar que De Soto está influenciado por uma abordagem semelhante à que inspirou a transição nas economias socialistas: o mercado é algo inerente ao ser humano, e sempre que os obstáculos artificiais sejam removidos ele será criado com absoluta rapidez.

A não consideração dos conflitos que surgirão antes e após a implementação das mudanças na regras referentes à legalização das propriedades que existem nas mãos dos informais torna o caminho ou, como De Soto se refere, a ponte que liga o setor extralegal ao setor formal aparentemente fácil. De Soto propõe uma mudança em uma variável exógena, no caso, a criação de um sistema eficiente direitos de propriedade, que fará com que o modelo proposto funcione como o planejado.


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