Revista: Turydes Revista Turismo y Desarrollo. ISSN 1988-5261


ÁREAS PROTEGIDAS E DESENVOLVIMENTO INCLUSIVO EM TERRITÓRIOS RURAIS: CONTRIBUTO PARA UMA PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO DA SERRA DA LOUSÃ*

Autores e infomación del artículo

Paulo Carvalho**

Luiz Alves***

Universidade de Coimbra, Portugal

paulo.carvalho@fl.uc.pt

Resumo
Na atualidade as políticas de desenvolvimento rural valorizam as especificidades dos territórios, o que releva o papel dos estatutos de classificação/proteção patrimonial.
As áreas protegidas traduzem o reconhecimento da relevância patrimonial de determinadas paisagens e devem assegurar a sua proteção adequada no sentido de que possam desempenhar múltiplas funções, na amplitude da geoeconomia primária às novas atividades de lazer e turismo.
No caso da Serra da Lousã (Cordilheira Central Portuguesa) considera-se pertinente refletir sobre uma eventual integração na Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP), a qual possa contribuir, de igual modo, para um novo modelo de ordenamento e gestão (de matriz supramunicipal) dos seus territórios.
Palavras-chave: Áreas Protegidas, Desenvolvimento, Paisagem Protegida, Serra da Lousã.

Abstract
At present, the rural development policies value the specifics of the territories, which stresses the role of classification/asset protection statutes.
The protected areas represent the recognition of patrimonial relevance of certain landscapes and shall ensure their adequate protection in the sense that it can perform multiple functions, the amplitude of the primary geo-economy to the new leisure activities and tourism.
In the case of the “Serra da Lousã” (Portuguese Central Range) it is considered pertinent to reflect on a possible integration in the National Network of Protected Areas, which can also contribute to a new model of land-use and management (regional level) of their territories.
Keywords: Protected Areas. Development. Protected Landscape. Serra da Lousã.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Paulo Carvalho y Luiz Alves (2016): “Áreas protegidas e desenvolvimento inclusivo em territórios rurais: contributo para uma proposta de classificação da Serra da Lousã”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 21 (diciembre 2016). En línea:
http://www.eumed.net/rev/turydes/21/serra-lousa.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/turydes21serra-lousa


1. Introdução

A presente reflexão pretende, por um lado, analisar o estado da arte sobre o tema, com base em revisão de literatura especializada, com vista a explicitar a relevância das áreas protegidas e as suas ligações ao lazer, turismo e desenvolvimento, e, por outro, apresentar uma proposta preliminar de classificação da Serra da Lousã no contexto da RNAP, a qual promova também um novo modelo de ordenamento e gestão em escala supramunicipal.
As preocupações relativas à conservação da natureza e biodiversidade emergem no âmbito da reflexão sobre o desenvolvimento e as suas diferentes perspetivas, e assumiram, como estas, uma dimensão internacional sobretudo a partir do início dos anos 70 (século XX).
Desde então, é evidente o crescimento em número e tipologia dos elementos a classificar/proteger (Hall, Gossling & Scott, 2015), o que acontece em paralelo com o incremento e alargamento do universo patrimonial (Ashworth, Graham & Tunbridge, 2007), em que o rural (material e imaterial) assume também uma crescente expressão, e ainda com a implementação de políticas e instrumentos territorializados, com preocupações ambientais e patrimoniais, no contexto de processos de governação cada vez mais descentralizados, participativos e individualizados (Ferrão, 2015).
O modelo de gestão e a conceção de áreas protegidas na Europa Ocidental, ao contrário do que aconteceu em outras regiões do globo, revela a centralidade das “paisagens que apesar de uma longa e intensa presença do Homem mantinham características naturais ou seminaturais relevantes, e que nos exemplos mais felizes espelha uma relação harmoniosa entre os elementos antrópicos e físicos (…)” de tal maneira que  “(…) não inclui apenas os recursos naturais de relevância patrimonial (a vertente de conservação), considera também a salvaguarda e valorização dos modos de vida tradicionais, para além de indiciar uma maior abertura às atividades de lazer e turismo” (Alves, Cordeiro & Carvalho, 2015: 99).
            Portugal tem acompanhado de perto e desenvolvido diversas iniciativas no que refere a esta matéria, com vista a implementar uma organização e gestão eficiente das áreas protegidas, contando no presente com mais de uma centena e meia de sítios naturais classificados ao abrigo de estatutos nacionais e/ou internacionais.
           
2. Áreas protegidas: da salvaguarda à valorização patrimonial
A política nacional de conservação da natureza e biodiversidade instituiu uma Rede Fundamental de Conservação da Natureza, a qual é composta pelo Sistema Nacional de Áreas Classificadas (com a Rede Nacional de Áreas Protegidas, as áreas classificadas que integram a Rede Natura 2000 e as demais áreas classificadas ao abrigo de compromissos internacionais do Estado Português) e pelas áreas de continuidade (reserva ecológica nacional, reserva agrícola nacional e domínio público hídrico), conforme estipula o Decreto-Lei nº. 142/2008.
A classificação 1 como área protegida decorre da verificação de que “a biodiversidade ou outras ocorrências naturais apresentem, pela sua raridade, valor científico, ecológico, social ou cénico, uma relevância especial (…), em ordem a promover a gestão racional dos recursos naturais e a valorização do património natural e cultural, regulamentando as intervenções artificiais suscetíveis de as degradar” (Decreto-Lei nº. 142/2008). A adoção de medidas específicas de conservação e gestão é materializada através de tipologias como parque nacional, parque natural, reserva natural, área de paisagem protegida e monumento natural.
As áreas protegidas podem ter âmbito nacional, regional ou local, consoante os interesses que procuram salvaguardar. As primeiras podem adotar qualquer das tipologias referidas e as segundas podem assumir qualquer das tipologias com exceção da tipologia parque nacional, devendo as mesmas serem acompanhadas da designação “regional” ou “local”, conforme o caso. Podem ainda ser classificadas áreas protegidas de estatuto privado, assumindo a designação de “áreas protegidas privadas”.
Em Portugal Continental existem quase cinco dezenas de áreas protegidas, repartindo-se entre os âmbitos nacional (com 32 ocorrências, a saber: treze parques naturais, nove reservas naturais, sete monumentos naturais, duas paisagens protegidas e um parque nacional), regional/local (13 classificações) e privado (1 situação), as quais representam cerca de 20% do território nacional (ICNF, 2016), com especial incidência em ambientes rurais.
Do conjunto diversificado de atividades que decorrem em áreas naturais ou onde a natureza ocupa um lugar relevante, destacam-se as que estão vinculadas ao lazer e turismo (Pickering & Weaver, 2003; Coghlan & Buckley, 2013).
A expressão “turismo de natureza” tem a particularidade de congregar diversas atividades e produtos turísticos emergentes que têm como suporte territorial as paisagens naturais. A ligação estreita aos espaços com estatuto de classificação ou reconhecido valor natural designadamente as áreas protegidas; a forma de usufruir da natureza, com base na apreciação dos seus elementos singulares enquanto expressão da sua qualidade natural; as experiências de aprendizagem, são alguns dos traços caracterizadores do turismo de natureza, o qual, pelos motivos já referidos e ainda pelo facto de incluir uma significativa diversidade de motivações, assume diferentes modalidades (designações ou formas de expressão) como, por exemplo, ecoturismo, turismo de observação ou turismo de passeio pedestre.
Este tipo de turismo pode induzir benefícios, em particular se estiver configurado numa perspetiva de desenvolvimento sustentado e integrado dos territórios e dos agentes implicados, designadamente: diversificar a geoconomia; criar empregos e novas formas de uso do solo; melhorar infraestruturas e equipamentos de transportes, comunicações e serviços; divulgar territórios; contribuir para a conservação e valorização do património natural e cultural (Freitas, 2012; Sousa & Carvalho, 2014).

3. Proposta de classificação da Serra da Lousã como Área de Paisagem Protegida Regional
A Serra da Lousã (figura 1) localiza-se na extremidade sudoeste da Cordilheira Central Portuguesa e reparte-se pelos concelhos de Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos, Góis, Lousã, Miranda do Corvo, Penela e Pedrógão Grande, das atuais NUTS III de Coimbra e Leiria.
O desenvolvimento recente resultou em dinâmicas singulares com o crescimento urbano dos lugares polarizadores da bordadura setentrional (com forte ligação a Coimbra); a regressão demográfica e o envelhecimento no interior da montanha (com dimensões locais diferenciadas); a requalificação/refuncionalização de algumas aldeias serranas, processo relacionado, quer com a residência secundária, desde meados de 70, quer com o turismo por via de instrumentos territorializados (como a Ação Integrada de Base Territorial do Pinhal Interior, em 2000-2006, e o Programa de Valorização dos Recursos Endógenos, em 2007-2013, na génese e consolidação do produto turístico Aldeias do Xisto) que contribuíram também para a afirmação de novas modalidades de lazer ativo, com destaque para o pedestrianismo, o BTT (a utilização de bicicletas de todo o terreno permite realizar atividades como, por exemplo, Downhill, Cross Country, Maratona), o geocaching, a observação de fauna e flora, o trail running (corrida através de trilhos sinalizados), entre outras.

A diversidade e relevância patrimonial das paisagens é um argumento válido para pensar a inclusão da Serra da Lousã, como área de paisagem protegida, na RNAP, pois trata-se de uma tipologia alicerçada em “(…) paisagens resultantes da interacção harmoniosa do ser humano e da natureza, e que evidenciem grande valor estético, ecológico ou cultural” (Decreto-Lei nº. 142/2008).
O valor cultural relevante é evidente em particular nas aldeias da Serra da Lousã que estão integradas na Rede de Aldeias do Xisto, a saber: Aigra Nova, Aigra Velha, Comareira e Pena (Góis); Casal Novo, Candal, Cerdeira, Chiqueiro e Talasnal (Lousã); Gondramaz (Miranda do Corvo) – as quais perfazem quase 40% da mesma, e cuja origem remonta, pelo menos, ao alvor do século XVI. Apesar das trajetórias recentes terem aprofundado certas particularidades, designadamente ao nível da população, das atividades económicas ou dos imóveis (ocupação, utilização ou estado de conservação), o perfil diferenciador destas aldeias decorre da utilização de materiais endógenos (como a pedra, o barro e a madeira) e da arquitetura vernacular ainda presente em larga escala em estruturas edificadas (casas, currais, palheiros e outros anexos) e muros que acompanham espaços de circulação/comunicação ou sustentam espaços conquistados à montanha e destinados ao aproveitamento agrícola. Trata-se de paisagens culturais (figura 2), obras grandiosas do Homem em harmonia relativa com o suporte físico, as quais, nos dias de hoje, por via de equipamentos e infraestruturas adequados, sem esquecer o saber (ser, fazer e receber) de novos e velhos residentes, e os eventos diversificados (da cultura ao desporto), oferecem experiências únicas aos visitantes.

O valor ecológico já foi reconhecido com a inclusão da Serra da Lousã na Rede Natura 2000, em 2000. O sítio Serra da Lousã (PTCON0060) ocupa uma área de 15.158 ha, repartindo-se pelos concelhos de Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos, Góis, Lousã e Miranda do Corvo. As características fisiográficas da Serra da Lousã permitem, grosso modo, identificar dois conjuntos diferenciados mas complementares: o setor setentrional, em razão do levantamento brusco da montanha, apresenta declives elevados, encostas íngremes e linhas de água muito encaixadas e de acesso difícil, onde predomina a influência atlântica (figura 3), com a ocorrência de habitats prioritários e espécies da fauna e flora ameaçadas, como acontece, por exemplo, na ribeira do Mouro ou na ribeira de São João, com importantes comunidades de azereiro (Prunus lusitancia), carvalho negral (Quercus pyrenaica), azevinho (Ilex aquifolium), medronheiro (Arbutus unedo) e freixo (Fraxinus angustifolia); o setor meridional caracteriza-se por declives menos elevados, encostas menos abruptas e vales mais abertos, com o predomínio da influência mediterrânica, apesar de albergar uma importante mancha de carvalho roble (Quercus robur) (na ribeira de Pêra). O lagarto-de-água (Lacerta schreiberi) e a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica) estão entre os mais elevados valores de fauna da Serra da Lousã, a qual apresenta, de igual modo, relevos de reconhecido valor geomorfológico e paleontológico como é o caso dos Penedos de Góis.

4. Conclusão
Os estatutos de classificação/proteção reconhecem a relevância patrimonial de determinados bens/sítios com vista a proteger os mesmos e assegurar que possam desempenhar múltiplas funções (produtivas, recreativas, ambientais, entre outras).
As áreas protegidas são hoje sinónimo de interação entre a sociedade e os recursos ecoculturais, por via de iniciativas tão diversas como o fornecimento de bens e serviços ambientais ou as novas atividades de lazer e turismo.
A proposta de classificação da Serra da Lousã como Área de Paisagem Protegida de âmbito regional, para além de pretender o reconhecimento do valor cultural e ecológico de paisagens construídas pelo homem em harmonia com a natureza, visa, ao mesmo tempo, constituir uma plataforma transversal (supramunicipal) de ordenamento e gestão do território com vista a promover dinâmicas integradas de desenvolvimento.
            A prossecução deste desiderato depende no imediato da recetividade por parte das entidades interessadas, podendo constituir, eventualmente, uma das primeiras iniciativas no contexto de uma agenda estratégica que importa pensar e implementar na Serra da Lousã.
 
Bibliografia
Alves, L., Cordeiro, B. & Carvalho, P. (2015). Classificação de património natural: o exemplo  dos Penedos de Góis (Cordilheira Central Portuguesa). In P. Carvalho (Org.), Planeamento e Gestão Territorial (pp. 917-117). Málaga: EUMED.
Ashworth, G., Graham, B. & Tunbridge, J. (2007). Pluralising Pasts: Heritage, Identity and Space in Multicultural Societies. London: Pluto Press.
Coghlan, A. & Buckley, R. (2013). Nature-based Tourism. In A. Holden & D. Fennell (Eds.), The Routledge Handbook of Tourism and the Environment (pp. 334-344). London: Routledge.
Ferrão, J. (2015). “Ambiente e território: para uma nova geração de políticas públicas com futuro”. In V. Soromenho-Marques & P. Pereira (Coord.), Afirmar o Futuro: Políticas Públicas para Portugal (vol. II, pp. 328-337). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Freitas, M. (2012). Caracterização e Avaliação do Ecoturismo na Ilha da Madeira numa Perspetiva de Desenvolvimento Sustentável (Dissertação de Mestrado em Gestão do Território, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa).
Hall, C. M , Gossling, S. & Scott, D. (2015). “Tourism and sustainability: towards a green(er) tourism economy?.In C. M. Hall, S. Gossling & D. Scott (Eds.), The Routledge Handbook of Tourism and Sustainability (pp. 490-519). London: Routledge.
Pickering, C. & Weaver, D. (2003). Nature-based Tourism and Sustainability: Issues and Approaches. In R. Buckley, C. Pickering & D. Weaver (Eds.), Nature-based Tourism. Environment and Land Management (pp. 7-10). Oxon: Cabi International.
Sousa, A. & Carvalho, P. (2014). Turismo de Natureza na Calheta (Madeira/Portugal). Turydes (Revista Turismo y Desenvolvimento), 7 (16), 19 pp. 

1 A proposta de classificação parte da autoridade nacional ou de quaisquer entidades públicas ou privadas, designadamente autarquias locais e associações de defesa do ambiente, para o caso das áreas protegidas de âmbito nacional, ou ainda dos municípios ou das associações de municípios tratando-se de áreas protegidas de âmbito regional ou local, desde que os planos municipais de ordenamento do território aplicáveis na área em causa prevejam um regime de proteção compatível. Por sua vez, a gestão das áreas protegidas incumbe à autoridade nacional, às associações de municípios ou aos municípios, conforme se trate de áreas protegidas de âmbito nacional, regional ou local, respetivamente.

* Texto elaborado e acreditado no âmbito do “XI Iberian Conference on Rural Studies Smart and Inclusive Development in Rural Areas (13-15 October, 2016, Vila Real, Portugal)”.

** Doutorado em Geografia; professor do Departamento de Geografia e Turismo; investigador do CEGOT (Universidade de Coimbra); paulo.carvalho@fl.uc.pt.

*** Doutorando em Geografia; investigador do CEGOT (Universidade de Coimbra); luizalves90@hotmail.com.

Recibido: 04/11/2016 Aceptado: 11/12/2016 Publicado: Diciembre de 2016

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