Revista: Turydes Revista Turismo y Desarrollo. ISSN 1988-5261


TERRITORIALIDADES NO TURISMO EM SÃO JOÃO DOS MELLOS–RS: ENTRE O TURISMO RURAL COLONIAL E O TURISMO PAN-ÉTNICO

Autores e infomación del artículo

Jordão Benetti*

Priscyla Christine Hammerl**

Instituto Federal Farroupilha, Brasil

jordao.benetti@iffarroupilha.edu.br

RESUMO:
O presente artigo apresenta resultados de uma pesquisa realizada na comunidade rural de São João dos Mellos, no Rio Grande do Sul. As características do turismo desenvolvido no local apresentam duas territorialidades bastantes distintas que, em conjunto, possibilitam o destaque do destino em relação a outros da região turística. Utilizando como metodologia a pesquisa qualitativa e a realização de entrevistas com atores locais, os resultados das nossas análises revelam como o turismo rural colonial se relaciona com o turismo pan-étnico.
PALAVRAS-CHAVE:  Territorialidades, Turismo rural, Turismo pan-étnico São João dos  Mellos.
RESUMEN:
Este artículo presenta los resultados de una encuesta realizada en la comunidad rural de San Juan de Mellos, en Rio Grande do Sul, Brasil. Las características turísticas desarrolladas en el sitio tienen dos territorialidad muy distinta, que en conjunto permiten el punto culminante del destino en relación a otra región turística. Utilizando la metodología de la investigación cualitativa y entrevistas con los actores locales, los resultados de nuestros análisis revelan cómo el turismo rural colonial se refiere al turismo panétnica.
PALABRAS CLAVE: Territorialidad. Turismo rural. turismo panétnica. São João dos Mellos.
ABSTRACT:
This article presents results of a research in the rural community of São João dos Mellos, Rio Grande do Sul. The local tourism have two quite distinct territoriality. These territorialities together, enable the highlight of the destination relative to other tourist destinations. Using as methodology qualitative research and conducting interviews with local stakeholders, the results of our analyzes reveal how the colonial rural relates to the pan-ethnic tourism.

KEYWORDS: Territorialities. Rural Tourism. Pan-ethnic tourism. São João dos Mellos.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Jordão Benetti y Priscyla Christine Hammerl (2016): “Territorialidades no turismo em São João dos Mellos–RS: entre o turismo rural colonial e o turismo pan-étnico”, Revista Turydes: Turismo y Desarrollo, n. 20 (junio 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/turydes/20/pan-etnico.html


1.INTRODUÇÃO

            Este artigo tem como objetivo apresentar e analisar as diferentes territorialidades presentes na atividade turística desenvolvida no espaço rural da comunidade de São João dos Mellos, localizada na mesorregião centro ocidental Rio-grandense. O destino, caracterizado por seus fortes aspectos identitários rurais, é reconhecido por oferecer um modelo de turismo rural tradicional de colonização europeia, em razão da forte presença de descendentes de imigrantes italianos na comunidade.  
            Nesse modelo, observa-se a valorização da história e memória dos imigrantes europeus, sendo destacadas questões como o processo de colonização e formação da comunidade rural, que ainda preserva traços tradicionais da cultura italiana colonial como música, culinária, religiosidade e dialetos.  De caraterísticas bem marcantes, a cultura colonial-italiana, que formata a base do produto turístico local, divide cenário com um atrativo turístico de grande relevância, cuja essência temática se apresenta nas linhas do turismo pan-ético.  Este atrativo se trata do Jardim das Esculturas, espaço de exposição de obras artísticas de um escultor local. A temática que compõe o acervo vincula-se, sobretudo, ao orientalismo, destacando-se a prática da yoga e do veganismo, que prega o não-consumo de qualquer  produto de origem animal.
             Atraindo turistas que buscam não apenas o turismo rural colonial, mas também outras formas de turismo alternativo, com práticas religiosas, culturais e alimentares diferenciadas, o destino turístico de São João dos Mellos apresenta diferentes territorialidades, que formatam por meio de sua pluralidade e sobreposição, uma característica identitária territorial que se destaca em relação a outros destinos da região.  
2. METODOLOGIA
Os resultados aqui expostos foram coletados a partir das técnicas de pesquisa qualitativa proposta por Minayo (2012), sendo utilizado como instrumento para coleta dos dados de pesquisa entrevistas focalizadas com os atores envolvidos. Com o objetivo de compreender o histórico e organização do turismo na comunidade, buscaram-se dados a partir das informações obtidas junto a turistas, planejadores de turismo (no âmbito público e privado) e, sobretudo, residentes da comunidade envolvidos direta e indiretamente no ordenamento do turismo rural.
Contudo, destacamos que, por se tratar de uma pesquisa qualitativa, a ideia de amostragem não se enquadra na presente pesquisa. Segundo Minayo (2012, p.48), nesse gênero de investigação ao invés de definir a “amostra de sujeitos” utiliza-se mais frequentemente o termo “sujeitos incluídos na pesquisa”.  Isto porque no universo em questão, o que se prioriza não são os sujeitos em si, mas sim as suas “representações, conhecimentos, práticas, comportamentos e atitudes”.
Em função das características do objeto de estudo, a eleição dos atores entrevistados se deu por meio de uma busca por interlocutores que se constituem como “o público a que o estudo diz diretamente respeito” (QUIVY, 1989). Dessa maneira, as entrevistas que deram origem aos resultados aqui expostos foram realizadas com os seguintes grupos: proprietários das agências de turismo que trabalham com a comunidade e seus guias de turismo atuantes na localidade; um grupo de turistas de diferentes origens e faixas etárias que visitaram a comunidade; o escultor que configurou o principal atrativo da comunidade e a responsável pela gestão do mesmo; o grupo de representantes que configura a Associação de Turismo comunitária de São João dos Mellos; membros da comunidade envolvidos direta e indiretamente com o turismo, e, por fim, agentes públicos municipais envolvidos com a prática turística local.
Os dados obtidos nas entrevistas foram acrescidos e justapostos a documentações relacionadas aos atores investigados, tais como atas, documentos oficiais, registros em cartórios, relatórios de gestão, jornais, legislação, panfletos, sites, e dados obtidos em redes-sociais. Esse conjunto de informações permitiu compor os resultados aqui apresentados.
3. TERRITORIALIDADES, IDENTIDADE TERRITORIAL E TURISMO
            O turismo é uma atividade em que o “consumo do espaço” é a principal via delimitadora. Sendo assim, a dinâmica induzida pela atividade sempre está engendrada por relações sociais, seja sob a égide dos planejadores da atividade, seja por meio dos indivíduos que participam enquanto consumidores e receptores. Isto se dá em razão das características da atividade, cuja lógica de funcionamento se apresenta com uma área emissora, uma área de deslocamento e uma área receptora. É nesta tríplice que se reproduz o espaço turístico, proporcionando assim, diferentes interações espaciais.
Rodrigues (2006, p.305) afirma que o turismo, pelo grande dinamismo ao qual está subordinado, é uma prática social marcada pelo “hibridismo territorial”, pois “é no espaço de origem da demanda que se originam os fluxos turísticos, mas é no espaço de destino que se concretiza, produzindo novas territorialidades”.  Para se compreender essa lógica, contudo, é necessário levar em consideração que o território é formado não apenas pelos sistemas naturais, mas sim pelo espaço usado, reorganizado, configurado, normatizado, racionalizado. Santos (2002, p.7), afirma:
Território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência.
            Dessa forma, compreendemos que a territorialidade é a imbricação de poderes em um dado território. Para Raffestin (1993, p.143), “ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente o ator territorializa o espaço”. É nesse sentido que compreendemos que a formação de territórios turísticos apresentam diferentes territorialidades. Temos relações de poder observadas nas interações entre turistas e residentes, turistas e produtores de turismo, e até mesmo, entre os próprios turistas e seus diferentes interesses quanto ao território.
            Esse campo relacional de poderes relativos à prática do turismo são extremamente imbricados, simultâneos e, em razão disso, é difícil investigar todas as territorialidades presentes neste fenômeno (RODRIGUES, 2006) No presente artigo, nos concentraremos sobre as territorialidades engendradas pelos residentes da comunidade estudada no processo de formação do destino turístico e seus principais atrativos e serviços. Compreendemos que nesse processo há uma busca pela formação e afirmação da identidade territorial local com vistas a promoção do produto turístico.
Por identidade territorial compreendemos que se trata de um processo contemporâneo, em que os indivíduos buscam, por meio de diferentes práticas, se sentirem pertencentes “a um lugar, a um grupo ou cultura, retomando e resignificando o local antes condenado ao desaparecimento” (VENDRÚSCULO, 2009, p.25).
            A questão da identidade territorial como fator preponderante na construção de produtos turísticos tem sido cada vez mais observada em tempos recentes. A partir da lógica da “condição pós-moderna” (HARVEY, 2012), em que o espaço se torna global e todos os acontecimentos são comandados direta e indiretamente por forças mundiais (SANTOS, 1996), observa-se uma valorização da identidade territorial como elemento diferenciador do discurso pragmático dos setores hegemônicos.
Para Keller (2005, p.3-4), “o processo irreversível de globalização está mudando nosso mundo. O Turismo tem sido um fator importante na aceleração desse processo”. O desenvolvimento da atividade turística é influenciado pela globalização, pois “apesar de uma demanda internacionalizada ao extremo, a oferta é, acima de tudo, influenciada pelas condições estruturais de uma região”, ou seja, o processo de globalização está causando um processo de reestruturação dos destinos turísticos.
            É nesse contexto que surgem formas alternativas de turismo, em que as características da região ou localidade na qual se pretende explorar a atividade, bem como os aspectos da cultura local, se fundem para atender a uma lógica econômica moderna. Um dos modelos de turismo que se desenvolve sob esta acepção é o turismo rural. Em razão do advento da globalização, nos últimos anos, as áreas rurais têm sofrido transformações, levando a alterações profundas nas suas características e funções.
Muitos espaços rurais perderam o seu caráter predominantemente agrícola, fruto do processo de expansão capitalista e do novo regime de acumulação flexível.  O desenvolvimento capitalista trouxe um viés notável em favor da cidade e prejuízo do campo. A ordem hegemônica e os avanços técnicos que com ela se instalam levaram a migração da mão-de-obra e, consequentemente, ao “esvaziamento demográfico do campo, criando assim as condições para um desenvolvimento igualmente revolucionário das forças produtivas na agricultura” (SINGER 1976, p.112).  Nesse contexto, verifica-se que “o campo modernizado se tornou praticamente mais aberto à expansão das formas atuais do capitalismo que as cidades [...] as áreas agrícolas se transformam agora no lugar da vulnerabilidade” (SANTOS, 2012, p.92).
Diante das dificuldades do setor agropecuário, muitas comunidades rurais resolveram diversificar suas atividades. Segundo Lunardi (2012, p.16), novas trajetórias surgiram “em um campo que não é mais somente agrícola, mas também cenário para o desenvolvimento de novas atividades e de multifuncionalidades”.  A pluriatividade rural é explicada por pesquisadores (CARNEIRO, 1999 e GRAZIANO DA SILVA, 1999) a partir de dois movimentos: um se refere à resistência dos agricultores e o desejo de permanecer no campo. O outro se refere ao movimento de aproximação dos citadinos ao meio rural, o que pode ser constatado tanto pela busca de consumo de produtos locais quanto pela busca por atividades relacionadas ao lazer.
É neste contexto que surge o turismo como forma do agricultor diversificar suas formas produtivas. O “turismo rural” compreende as atividades realizadas no espaço rural, mas que não necessariamente exigem a vivência da prática agrícola pelo turista. Trata-se de um tipo de turismo em que o turista tem a vivência da cultura rural, entra em contato direto com o agricultor. Trata-se de um turismo de essência familiar. Nesse enquadramento, observa-se a presença da mão de obra-familiar e a presença de uma arquitetura de características rurais, geralmente alocada na própria residência dos “empresários”.  Outra característica relevante é que neste tipo de turismo o agricultor não abandona sua atividade principal. A atividade não-agrícola é agregada aos serviços agrícolas.
Por turismo rural, portanto, compreende-se o “conjunto das atividades turísticas desenvolvidas no meio rural, comprometidas com a produção agropecuária, agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural e natural da comunidade” (MTur, sem data, p, 49). A comunidade estudada se enquadra nesta prática turística.  A ideia de desenvolver o turismo no distrito de São João dos Mellos partiu de seus próprios moradores como alternativa de desenvolvimento social e econômico para um território que estava perdendo sua população em razão do alto movimento migratório de jovens e adultos em busca de emprego em grandes centros. É a partir desse movimento, caracterizado como uma forma de resistência ao processo de esvaziamento da comunidade, que se conformam as diferentes territorialidades do turismo em São João dos Mellos e a construção de uma identidade territorial.
4. A GÊNESE DO TURISMO EM SÃO JOÃO DOS MELLOS E O PROCESSO DE RETERRITORIALIZAÇÃO
Para melhor compreender as diferentes territorialidades presentes na atividade turística do objeto de estudo é necessário, primeiramente, compreender o contexto em que se materializou esta nova prática econômica na comunidade. De matrizes rurais, a comunidade faz parte do núcleo migratório que deu origem à quarta região de colonização italiana no Rio Grande do Sul.  O núcleo de São João dos Mellos trata-se de uma comunidade remanescente das colônias de Pinhal Grande e Nova Palma. Sendo assim, as famílias que residem neste território apresentam hábitos culturais tais como gastronomia, vocabulário, arquitetura, religiosidade e manejo rural com fortes influências tradicionais de imigração italiana.
A principal característica econômica da região está na produção agrícola. Inicialmente, na primeira metade do século XX, se tratava de uma agricultura de subsistência. A partir da década de 1950, com o crescimento da industrialização nacional, a Quarta Colônia passa por um processo de mecanização agrícola com vistas a majorar a produção a fim de abastecer os grandes centros urbanos (BIANCHI, 2007). O processo de tecnificação, por vez, traz como efeito a queda da renda no setor rural. O alto preço dos insumos e o baixo preço dado aos produtos agrícolas traduzem a crise sentida pelos trabalhadores do campo.
Como efeito dessa diminuição de renda, o movimento migratório dos moradores do campo para o meio urbano é cada vez mais crescente. Em São João dos Mellos não é diferente. Nos últimos anos a comunidade está diminuindo. Os jovens buscam melhores oportunidades profissionais nos grandes centros do entorno, como Santa Maria e Julio de Castilhos. A população, que já é pequena (formada por aproximadamente 60 famílias), tem presenciado o seu esvaziamento, dado não apenas pelo êxodo de jovens, mas também pelo envelhecimento daqueles que permanecem no território. É com base nessa situação e no temor de “desaparecimento” da comunidade que os habitantes se organizaram para explorar o turismo como alternativa de renda.
A escolha pelo desenvolvimento do turismo, contudo, não foi aleatória. As linhas que direcionam para a prática da atividade na comunidade de deu por duas vias. A primeira, em razão do turismo já ser uma atividade econômica desenvolvida na região em que se enquadra São João dos Mellos. A rota turístico-gastronômica da Quarta Colônia se trata de um conjunto de destinos que formam uma região turística com características identitárias muito próximas. Com um perfil histórico, cultural, religioso e gastronômico interligado à imigração italiana, esse conjunto de destinos explora o modelo de turismo rural colonial.
Este é modelo que, segundo Rodrigues (2003), é caracterizado pelo desenvolvimento de atividades em propriedades cuja origem está relacionada à história da imigração europeia no Brasil, neste modelo, se recebe os turistas nas dependências das casas dos agricultores, compartilha-se a moradia e os produtos vendidos são artesanais. É, assim, um turismo de essência colonial, de pequeno porte e de estrutura essencialmente familiar.
Dessa maneira, São João dos Mellos está localizada em uma região que, por essência, já desenvolve o turismo rural desde a década de 1990. Mas cabe destacar que apesar da proximidade geográfica e das similaridades identitária, São João dos Mellos não faz parte da rota oficial do turismo na Quarta Colônia, que é composta pelos municípios de Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Restinga Sêca, São João do Polêsine e Silveira Martins. Isto porque, a comunidade é administrativamente vinculada ao Distrito de Júlio de Castilhos e, como tal, pertence a outra região.
Contudo, cabe destacar que na prática, os turistas e visitantes que procuram São João dos Mellos acabam por conhecer a comunidade por sua proximidade com a rota da Quarta Colônia, já que o destino turístico se localiza a apenas 7 km de Nova Palma, contra os 30 km de distancia de Julio de Castilhos, fator que certamente dificulta o acesso a quem busca a comunidade por meio dessa via. Além da proximidade com uma região que já apresenta com um fluxo turístico consolidado, São João dos Mellos conta também com um atrativo cultural ímpar.
Um dos moradores da comunidade é escultor autodidata. Desde 2005 este morador, também descendente de imigrantes italianos, vem esculpindo em pedras e madeiras obras de arte que são expostas no jardim de sua casa. Pela grandiosidade das peças e também por ser um atrativo diferenciado em relação às características culturais da região, o jardim do escultor tornou-se um chamariz para aqueles que visitavam as proximidades. Tendo observado o crescente número de visitantes, o escultor e sua esposa resolveram explorar turisticamente o Jardim e convidaram a comunidade a se unir para que, em conjunto, pudessem formatar um destino turístico. Dessa união surgiu a Associação Pró-Turismo de São João dos Mellos, iniciativa comunitária que busca, ainda hoje, organizar o turismo interno de forma que todos da comunidade possam se beneficiar da atividade de forma igualitária.
Essa iniciativa, de raízes endógenas, configurou um destino turístico que apresenta duas territorialidades marcantes na sua produção: uma vincula-se ao turismo rural colonial e a outra ao turismo pan-étnico. A primeira se dá pelo viés da comunidade em geral e suas características culturais e históricas que são igualmente encontradas na região. A segunda vincula-se ao eixo-temático do principal atrativo local. O Jardim das Esculturas, apesar de produzido por um autóctone, apresenta referências externas,  profundamente embasado no orientalismo.  Por turismo pan-étnico, consideramos como a atividade turística em que os símbolos e práticas disponíveis para consumo são baseados em imagens estereotipadas, em que os objetos claramente não fazem referência a uma tradição étnica local (MARIUZZO, 2013).
Apesar de serem territorialidades profundamente diferentes, marcada por relações e práticas sociais bastante distintas, o que gera fluxos de turistas com objetivos bastante difusos, a conjugação dessas territorialidades permitiu o desenvolvimento de uma identidade territorial que destaca São João dos Mellos se comparada com outros destinos da Quarta Colônia. Consideramos esse processo como um movimento de “reterritorialização”, ou seja, o a redescoberta da identidade e sua relação com o território, ou em outras palavras “o território com identidade cultural” (FLORES, 2006, p.03). 
5. O TURISMO RURAL COLONIAL EM SÃO JOÃO DOS MELLOS
Assim como na região da Quarta Colônia, São João dos Mellos apresenta uma identidade cultural de colonização italiana. Suas origens rurais estão imbricadas com os usos desse território desde o século XIX. Neste período, as glebas que hoje fazem parte dos limites da referida comunidade eram ponto de paragem àqueles que transportavam gado para comércio em São Paulo. Segundo informações obtidas junto aos residentes, entre fins do século XIX e início do século XX, os primeiros moradores se instalaram naquelas terras e comercializavam itens de apoio aos viajantes.
O aumento no número de famílias residentes neste território iniciou-se em decorrência do processo de colonização italiana na região. No caso do Rio Grande do Sul, o foco de imigração se deu priorizando os imigrantes camponeses. A imigração agrícola deu origem a diversas colônias, e também aglomerados populacionais de pequeno porte (comunidades) com as mesmas características (BONI, COSTA, 1991).
Em São João dos Mellos pode-se identificar facilmente esse foco de imigração por meio dos registros cartoriais. Os residentes apresentam maciçamente sobrenomes de origem italiana e, muitos, ainda preservam documentos de seus parentes imigrantes. Além dos vínculos genealógicos, uma série de saberes e práticas relativos a identidade colonial de imigração ainda permanecem arraigados na comunidade. O primeiro ponto a ser destacado nesse processo é arquitetura. A maioria das casas dos moradores de São João dos Mellos ainda preserva os traços da construção colonial. Janelas grandes, portas de madeira maciça, fechaduras feitas de ferro, banheiros separado da residência, fogão a lenha e cozinhas de grande porte são apenas alguns exemplos dessa estrutura.
Em aditivo a arquitetura, muitos utensílios antigos ainda são utilizados pelos moradores como panelas e tachos de ferro, prensa de torresmo em madeira, debulhador de grãos a manivela, rebolo para afiar lâminas feito em madeira e pedra, engenho de farinha de milho, dentre outros objetos como móveis, pratarias, malas e vitrolas que ainda estão presentes na decoração das residências. Naturalmente utilizados no cotidiano, a riqueza histórica deste e outros elementos chamam a atenção dos turistas que frequentam a comunidade. Isto porque os serviços turísticos locais são alocados nas casas dos moradores. A hospedagem é familiar e, sendo assim, o hóspede é recebido na casa da família rural. O cliente conta com os mesmos aposentos comuns aos donos da residência e, de certa forma, acabam por participar do cotidiano da família.
No que diz respeito a hábitos alimentares, se destaca a forte presença da gastronomia colonial italiana. A maior parte dos alimentos é de origem local. Leite, ovos, farinha de milho, feijão, açúcar mascavo, massas, pães, geleias, destilados, vinhos, temperos, frutas, verduras, carnes, queijos e embutidos são produzidos para subsistência e formam a base alimentar de seus moradores. Risoto de frango, polenta, ovo frito, salame e queijo colonial, sopa de agnoline, fortaia e menestra estão dentre os principais pratos presentes no cotidiano e também festividades dos moradores. Produtos frescos e produzidos artesanalmente, os mesmos chamam a atenção de turistas que passam os finais de semana e feriados na comunidade ou que frequentam os eventos promovidos pela Associação Pró-Turismo.
A fim de organizar o turismo de forma igualitária, a comunidade se divide no processo de recepção e atendimento ao turista. As famílias com residência com maior quantidade de cômodos oferecem hospedagem. As refeições ficam concentradas em um restaurante local, alocado na casa de uma das moradoras cuja residência é remanescente de um comércio do inicio do século XX e que apresenta uma boa infraestrutura de serviço de restauração (mesas e cadeiras, balcão, fogão a lenha para manter os alimentos expostos). Os insumos e produtos que são servidos no restaurante são provenientes de produções de outras famílias. De acordo com as habilidades e estrutura produtiva rural, as famílias se dividem ofertando açúcar, embutidos, pães, geleias, carne, afim de que todos na comunidade possam obter ganhos com as refeições ofertadas aos viajantes.
Em aditivo, algumas famílias se dividem produzindo itens para venda em uma loja de souveniers comunitária. Alguns produzem geleias, outros pães, outros biscoitos, artesanatos com barbante, palha de milho e lã. A produção é realizada de acordo com o saber-fazer de cada habitante da comunidade. Os ganhos são distribuídos de acordo com o percentual de vendas de cada produto.
Além desses serviços permanentes (hospedagem, alimentação e souveniers), a comunidade também se organiza de forma a promover e fomentar o turismo local, organizando festas típicas e caminhadas ecológicas. Dentre os eventos mais conhecidos organizados pela comunidade estão os jantares italianos e cafés coloniais. Com objetivo de promover a cultura local e também gerar renda para as famílias envolvidas, frequentemente a comunidade organiza jantares dançantes com gastronomia típica e músicos locais.
As caminhadas ecológicas ocorrem em parceria com um dos moradores que tem a formação de “guia especializado”. Conta com trilhas em meio a propriedades rurais e visita a alguns produtores. Como apoio e também atração turística, os visitantes podem contar com um trator que tem um reboque adaptado para transporte de passageiros.  Todos estes elementos formatam a oferta de turismo rural na comunidade. Claramente, esse produto turístico é muito similar a outras ofertas na região, uma vez que as matrizes de imigração são as mesmas. Segundo Wasserman (2002, p.94):
A identidade conforma-se a partir de experiências reais e significativas. Ela, identidade, enquanto sentimento de pertencimento, é simbólica e abstrata, mas é originária de vivências, experiências e afetos concretos. Essas experiências cotidianas vão compondo um mosaico de imagens que se vinculam sempre a significados ampliados da identidade a ser construída.
            Dessa maneira, entendemos que no campo da identidade, assim como na região da Quarta Colônia, São João dos Mellos através de seus moradores, experiências cotidianas e memórias coletivas, conformaram um produto turístico em que os elementos e significados presentes nos equipamentos e serviços estão amplamente vinculados à “italianidade” e ao “ruralismo colonial”. A memória da imigração está presente na arquitetura, na decoração, na comida, na música, no manejo rural. Tratam-se de elementos de significados fortes, com vínculos bastante arraigados pelos moradores que ainda carregam dialetos, lembranças de infância e hábitos (alimentares, musicais, religiosos, de trabalho) extremamente ligados a este imaginário que também faz parte de uma identidade regional (VENDRUSCOLO, 2009).
6. O JARDIM DAS ESCULTURAS
            Além da forte presença da cultura italiana e dos aspectos rurais na comunidade de São João dos Mellos, o produto turístico é também formado por uma segunda territorialidade proveniente de seu principal atrativo. Compreendemos que se trata de outra territorialidade por trazer elementos simbólicos e práticas cotidianas que traduzem uma identidade bastante diferente dos saberes e práticas vinculados à ruralidade colonial e aos ideais de italianidade.
O escultor Rogério Bertoldo é auto-didata. Sua trajetória, assim como os demais membros da comunidade, vincula-se à imigração italiana. Filho de agricultores, Rogério plantava tabaco durante sua juventude. Ao concluir o ensino básico, Rogério despertou interesse por artes marciais, filosofia oriental e yoga. Sem nenhum curso ou profissionalização na área, o escultor iniciou seus primeiros entalhes em pedras que ele mesmo coletava no entorno da residência de seus pais. Os primeiros trabalhos foram esculturas de Buda.
Em razão de seu interesse pelo orientalismo e também do gosto do escultor por práticas de meditação, os trabalhos que seguiram foram vinculados em sua maioria a esta temática. Inicialmente, o escultor utilizava apenas machado, talhadeiras e facas. O material de base (pedra e madeira) era retirado dos arredores, caraterizado por paisagens naturais e relevo montanhoso. Vendendo suas próprias obras e fazendo esculturas comerciais (bustos e estátuas) o escultor foi melhorando os seus recursos materiais adquirindo novas ferramentas para entalhe e também matéria-base para esculpir, como a pedrão-sabão. A partir do “auto-financimento”, o escultor começou a ampliar o número de obras no entorno de sua residência. A temática das obras, sempre vinculada ao orientalismo e à devoção a natureza.
O escultor além de praticante de yoga é vegetariano. Dessa maneira, seus gostos e crenças permearam todas as obras. Dentre os principais elementos, está a figura de um “gigante” meditando bem ao centro do jardim de sua casa, obra datada de 2005. Com aproximadamente 7 metros de altura, a imagem do “Sereno”, como o autor denomina a obra, se destaca em meio ao cenário rural. A diferenciação da obra chamou a atenção dos habitantes do entorno. Aos poucos, um fluxo de visitantes se iniciou com o objetivo de conhecer as obras tão chamativas.
Percebendo o aumento no número de visitantes, em 2008, o escultor e sua esposa decidiram organizar turisticamente o Jardim. Iniciaram assim um processo de profissionalização no que diz respeito à recepção dos visitantes. Realizaram o cercamento do jardim, cobrança de uma taxa de visitação, abertura de um restaurante, bem como um projeto de divulgação e organização de excursões para atrair e melhor atender estes visitantes.
Hoje o acervo que conta com mais de 290 obras expostas a céu aberto e no interior de sua residência, apresentam basicamente três temáticas: posições de yoga e deuses orientais; animais; rostos alinhados com pergaminhos com mensagens de filosofia de fundamentação budista. Segundo o escultor, o objetivo é despertar nos visitantes uma “posição de consciência”, de “introspecção ao mundo interior” e de “respeito aos irmãos animais”.
Foi também com esse objetivo que o casal abriu um restaurante vegano em sua propriedade. Dada a temática das obras, um fluxo de turistas interessados em práticas orientalizadas começou a frequentar o Jardim, a fim de praticar yoga, fazer meditação, danças energéticas, assim como terapias alternativas como o reiki.  Dentre estes, muito dos visitantes mantêm a postura de não comer carne e, outros, de não comer nada de origem animal, se fazendo necessário um serviço de restauração que atuasse de acordo com essas diretrizes. Além desse público, o jardim conta com a presença de ecoturistas, apreciadores de arte e outros visitantes que têm como principal motivação a busca por atrativos naturais, artísticos e culturais. 
7. ENTRE O TURISMO RURAL COLONIAL E O TURISMO PAN-ÉTNICO
            Claramente, as territorialidades e identidades presentes no produto turístico de São João dos Mellos são bastante distintas. Apesar do escultor ser autóctone, a temática de suas obras enquadram-se em referências diferenciadas do que se reconhece como a identidade territorial “convencional” do local. Inicialmente essas territorialidades distintas causaram estranheza entre os membros da comunidade, sobretudo para os habitantes mais velhos, cuja vivência colonial ainda aporta significados identitários de italianidade mais latente. Para um colono é difícil compreender, por exemplo, como alguém pode viver sem consumir nenhum produto de origem animal. O encontro com esse turista, de bagagem cultural tão diferenciada, leva a um processo de estranheza e também de encantamento com os novos hábitos que se apresentam.
            Em entrevistas com os moradores, pôde-se traçar os principais caminhos percorridos pela comunidade para alcançar o equilíbrio entre estas territorialidades distintas. A parceria comunidade x jardim foi construída vagarosamente. O jardim não foi inicialmente premeditado como um plano de atração turística. O fluxo se iniciou paulatinamente e a potencialidade foi observada com o passar do tempo. A necessidade de uma organização mais efetiva dos habitantes ocorreu apenas em 2010, quando o fluxo de visitantes ganhou maior fôlego.
            Com um forte espírito comunitário, os habitantes de São João dos Mellos sempre agiram de forma associativa, característica observada em muitas comunidades coloniais rurais. Na questão do turismo não foi diferente. O escultor Rogério Bertoldo é, antes do artista, um morador da comunidade e como tal, mantêm vínculos familiares, sociais e afetivos com os demais membros desse núcleo rural. Segundo uma das moradoras, quem propôs a organização do destino turístico foi o próprio Rogério, em uma das reuniões de moradores da comunidade. Segundo a entrevistada, o escultor é um morador muito respeitado na comunidade em razão de seu bom relacionamento com todos. Em razão disso, apesar das suas crenças e práticas serem tão diferentes, a comunidade não hesitou em realizar a parceria para o desenvolvimento do turismo.
            Mas cabe destacar aqui, que o discurso do escultor para a organização do turismo se pautava em uma única premissa: não deixar a comunidade “desaparecer”. O imaginário coletivo de “esvaziamento” fomentou a união das diferentes territorialidades e os reflexos dessa conjuntura revelaram o poder do local, levando a uma construção de uma nova identidade para o território que se materializa tanto nos aspectos espaciais quanto simbólicos. Os comentários dos residentes são representativos desse processo. Eles afirmam que o turismo foi uma grande oportunidade de melhoria na qualidade de vida na comunidade, pois, houve desenvolvimento a partir do retorno financeiro e organização do espaço, tendo a “paisagem” da comunidade passado por um processo de “embelezamento” que orgulha seus moradores.
Antes, a comunidade estava “abandonada” como afirmam os próprios atores. O estímulo de “cuidar da frente das residências” com o objetivo de “atrair os olhares dos turistas” provocou também um sentimento de “reavivamento” da comunidade e, nesse sentido, o fortalecimento de sentimento de pertença também foi fortificado. Um das moradoras afirma: “Nossa comunidade nunca esteve tão bonita quanto agora. Pode ver que todos cuidam das roseiras em frente às casas. Não tem mais aquela cara de cidade-fantasma de antes. É muito bom ouvir os elogios dos turistas”.
Outro ponto levantado é que o contato com os turistas permite um “aprendizado” cultural relevante e que mostrar “a cultura italiana” aos que vem de foram tem sido uma experiência gratificante àqueles que vivem na comunidade. Segundo os moradores, é instigante receber àqueles que vêm de fora. Para eles, trata-se de uma possibilidade de “descobrir o mundo”, como exemplifica uma das falas de um dos residentes. “Eu nunca sai daqui. Conheço apenas as cidadezinhas aqui da volta. Aprendo muito com os turistas. Como estamos aposentados, a oportunidade de conhecer gente de fora é maravilhosa! Ocupa meu tempo. Converso com gente de tudo quanto é lugar. Observo a moda e aprendo sobre comidas diferentes...certa vez veio uma menina vegetariana aqui. Achei estranho...como pode alguém viver sem carne e ovos? Achei que isso não existia. Mas agora já aprendi o que servir quando vem os vegetarianos. Eles adoram polenta!”
A mesma impressão é observada por parte de visitantes e turistas. A troca cultural é apontada pelos mesmos como a experiência mais relevante na viagem. Isto porque os atrativos (paisagísticos, gastronômicos e artísticos) ganham força com a possibilidade de conhecer habitantes cuja história de vida e hábitos cotidianos são extremamente diferenciados em relação às culturas de origem dos turistas. Podemos citar como exemplo, a “surpresa” dos turistas ao observar o processo de fabricação de farinha de milho realizado em moinho de pedra, hábito tradicional da comunidade. A possibilidade de degustar pratos tradicionais, como a polenta (prato típico a base de farinha de milho, preparado no fogão a lenha e em panela de ferro) também é um dos pontos convergentes nesse sentido. Segundo um dos turistas “A comida, a paisagem e a hospitalidade da comunidade é fantástica. Eles fazem tudo para te agradar. É diferente de ir a um hotel-fazenda. Aqui estamos sendo recebidos como na casa de um familiar. Quando servem a mesa, a comida é a mesma que eles consomem no dia-a-dia. É isso que torna o lugar interessante”.
            Estes exemplos nos ajudam a ilustrar o processo de hibridização territorial de São João dos Mellos. Embora conflitos e tensões sejam existentes, como em qualquer prática turísticas, pode-se afirmar que, em certa medida, o emponderamento da comunidade para organização e desenvolvimento do turismo trouxe reflexos positivos, sobretudo no que tange aos encontros culturais proporcionados.  Apesar das diferentes territorialidades presentes nesse movimento, pode-se observar que a comunidade tem um discurso uníssono quanto ao turismo. A imagem que se constrói de São João dos Mellos se dá por duas vias: de um lado, tem-se a preservação da cultura italiana e a chance de mostra-la aos turistas. De outro, tem-se um atrativo pan-étnico que atrai turistas com perfil bastante diferenciado, o que tem proporcionado novas construções simbólicas para aqueles que vivem no lugar.
É da convergência desses dois elementos territoriais e identitários que temos a construção da nova identidade territorial de São João dos Mellos: colônia de imigração italiana e comunidade do Jardim das Esculturas. Atualmente, a comunidade não se vê de forma separada do jardim. Os benefícios advindos com a prática turística, que não apenas financeiros, mas, sobretudo sociais, fortalecem o saber-fazer-local e é justamente esse o diferencial da comunidade de São João dos Mellos.  De acordo com uma agente de turismo “O diferencial de São João dos Mellos é justamente pela ideia de turismo ter partido da própria comunidade. É muito difícil ter iniciativas de turismo endógeno como ocorre aqui. A comunidade está se organizando e o atrativo de São João dos Mellos é totalmente diferente dos demais. Eu, enquanto agente, tento ajudar. Sempre que possível incluo a comunidade nas rotas, roteiros e caminhos que comercializo. Já temos alguns produtos em que a comunidade é principal ponto de hospedagem e alimentação dos trilheiros que nos acompanham. Eles conseguem se organizar para receber e, em contrapartida, conseguimos gerar capital para estas famílias”.
Dessa maneira, por meio desse movimento horizontal, a comunidade de São João dos Mellos tem buscado sua afirmação por meio do turismo, caracterizando a “contramobilidade emergindo como expressão do direito de ‘não migrar’, ou de permanecer no espaço de origem; é a luta em defesa do ‘livre-arbítrio’ quanto ao espaço a ocupar, a cultura a preservar. É o singular tentando manter seu espaço no espaço econômico global” (CASTRO et al., 2006, p.322).
8. CONSIDERAÇÕES
            Apesar de se tratar de resultados ainda insipientes de uma pesquisa, o estudo preliminar da atividade turística em São João dos Mellos nos revela como a identidade territorial se trata de uma “celebração móvel”. Conforme nos aponta Hall (1999), a identidade é formada e transformada continuamente, uma vez que somos parte e reflexo dos sistemas culturais que nos rodeiam. Essa premissa explica muito bem as duas relações identitárias presentes no território de São João dos Mellos que se configuram em duas tipologias bastante diferentes, mas também complementares de turismo: o turismo rural colonial e o turismo pan-étnico.
            A primeira é definida por um histórico de colonização, a segunda, por influências orientais cada vez mais presentes em um mundo globalizado. Independentemente de sua matriz, o importante é compreender que a identidade territorial é definida historicamente. De acordo com Hall (1999, s.p), “o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um "eu" coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocada”. É dessa maneira que em São João dos Mellos, por meio da prática do turismo, temos um movimento de encontros e desencontros de identidades, marcadas e remarcadas pelas territorialidades geradas entre turistas e moradores. Compreendemos assim, que a identidade é difusa, incompleta e incoerente. É, assim, um movimento, um processo.
            Mas por outro lado, é também esse movimento que proporciona o diferencial, a identidade territorial de São João dos Mellos, pois se trata de uma iniciativa “de baixo para cima” em que a cultura local se apropria do espaço, e as ações nele realizadas o caracterizam como um território que se integra com outros formando uma rede de fluxos, de políticas, trânsito de pessoas e bagagens culturais que podem possibilitar o desenvolvimento.

REFERÊNCIAS

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* Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Linha de Pesquisa: Território, Planejamento e Sustentabilidade). Graduado em Gestão Pública pelo Centro Universitário Internacional

** Doutoranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Linha de Pesquisa: Território, Planejamento e Sustentabilidade). Mestre em Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi


Recibido: 11/04/2016 Aceptado: 20/06/2016 Publicado: Junio de 2016

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