Revista OIDLES - Vol 4, Nº 8 (junio 2010)

POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO À ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ALTERNATIVA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL NO BRASIL

Por Lessí Inês Farias Pinheiro (CV)

 

1. Introdução

Os traços que caracterizam a economia mundial contemporânea resultam de processos de transformação complexos, via de regra, unificados sob o conceito de globalização. Tais transformações provocadas no sistema mundo atingem, com intensidade desigual, os diversos países de acordo com a posição por eles ocupada, mas que foi sustentada por um consenso econômico que, em suma, levou à restrição da regulação estatal, a novos direitos de propriedade para os investidores internacionais e criadores de inovações objetos de propriedade intelectual e a subordinação dos Estados nacionais às instituições multilaterais (SANTOS, 2005).

Santos (2005), chama a atenção para a proeminência da dicotomia global /local -absorvendo outras dicotomias que partiam da noção centro/periferia, como por exemplo desenvolvido/subdesenvolvido, moderno/tradicional, industrial/agrícola, urbano/rural, etc. - reforçando que os conceitos de global e o local são produzidos no interior do processo de globalização. Nesta perspectiva, tem-se duas implicações: não existe globalização genuína, “globalização é sempre a localização bem-sucedida de determinado localismo” (SANTOS, 2005, pg. 63) e globalização pressupõe localização, o que quer dizer que o “processo que cria o global, enquanto posição dominante nas trocas desiguais, é o mesmo que produz o local, enquanto posição dominada e, portanto, hierarquicamente inferior” (SANTOS, 2005, pg. 63).

O funcionamento do capitalismo globalizado promove a exclusão sistemática dos setores que não tem condições de se submeter a sua lógica, mesmo na eminência de muitas necessidades a serem satisfeitas. O processo de globalização tende a beneficiar os agentes econômicos - indivíduos, classes ou setores – mais competitivos, os capazes de aumentar as oportunidades, principalmente no mercado de trabalho, os aptos a utilizar as instituições e medidas de política e, finalmente, os que dispõem de competências no âmbito dos conhecimentos e da comunicação (HESPANHA, 2005).

Os modos de produção de globalização conformaram quatro formas de globalização: o localismo globalizado (em que um fenômeno local é globalizado), o globalismo localizado (em que o país recebe o impacto do localismo globalizado), o cosmopolitismo (organização transnacional da resistência dos Estados-nação, regiões, grupos sociais que sofrem com as trocas desiguais) e o patrimônio comum (lutas transnacionais pela proteção e desmercadorização dos recursos cuja sustentabilidade só pode ser garantida numa escala global). Os dois primeiros operam em conjunção e assumem o domínio e a hierarquização nas práticas entre os países: os países centrais especializam-se em localismos globalizados, enquanto aos periféricos cabe o globalismo localizado; já os dois últimos, são formas pelas quais se organiza a resistência aos primeiros.

No que se refere à globalização social, o preço do crescimento e da estabilidade econômicas é a redução dos custos salariais, os mercados externos suprindo a redução do mercado interno. Nesta perspectiva foi instituída uma nova pobreza globalizada que “ [...] não resulta de falta de recursos humanos ou materiais, mas tão só do desemprego, da destruição das economias de subsistência e da minimização dos custos salariais à escala mundial.” (SANTOS, 2005, pg. 35). Setores pouco competitivos, tais como as pequenas explorações agrícolas familiares, são deixadas de lado. Ao mesmo tempo quando novos mercados, antes excluídos pelo baixo poder de compra, são incorporados o são através pela via do consumo de bens não essenciais (HESPANHA, 2005).

Neste texto privilegia-se o enfoque nos mecanismos de resistência à globalização, entendendo que os mais eficazes são aqueles ligados às economias locais, o conjunto de iniciativas com foco nas sociabilidades locais de pequena escala e comunitários. Postula-se aqui que

“as respostas locais, organizadas para compensar a ausência do Estado e para minimizar os efeitos excludentes do capitalismo global, correspondem a modos de produção de localização e passam pela adopção de diferentes estratégias de enfrentamento, mais ou menos relutantes ao recurso das redes, de modalidades única ou cumulativa, sob a forma de acção de resistência ou sob a forma de acção orientada pelo cálculo racional e oferecendo as condições locais de existência de maior ou menor grau de irredutibilidade” (CARAPINHEIRO, 2005, pg. 225)

Nesta perspectiva, o objetivo deste artigo é analisar a economia solidária como resposta local aos riscos econômicos e sociais gerados pelos fenômenos globais, visando e analisar como a mesma vem sendo implantando no Brasil. O artigo está estruturado da seguinte forma: após esta introdução, são discutidos alguns aspectos conceituais sobre desenvolvimento local e economia solidária; segue-se a discussão sobre a economia solidária como alternativa de desenvolvimento local no Brasil; e finalmente são apresentados dados empíricos sobre a experiência de economia solidária no país.

2. Aspectos conceituais do desenvolvimento local e da economia solidária

O conceito de desenvolvimento tem raízes teóricas e empíricas, sendo que inicialmente foi dada ênfase às raízes teóricas, por economistas que associavam desenvolvimento apenas a idéias de crescimento. A abordagem empírica evoluiu a partir das flutuações econômicas do século XX, quando ficou explícito que a simples expansão do produto não representa melhoria para a economia como um todo, nem melhorias de vida para a população. Assim, o que diferencia crescimento de desenvolvimento é o tratamento dado às condições de vida da população, “quando o projeto social prioriza melhorias nas condições de vida dessa população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento” (FURTADO, 2004, pg. 484)

A distinção entre os conceitos de crescimento e desenvolvimento representa uma distinção hierárquica entre os dois conceitos, o segundo ultrapassando o primeiro, já que, “o crescimento é meramente instrumental e só o desenvolvimento é fim” (LOPES, 2006 pg. 42).

Desde a publicação, em 1990, do primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a distinção entre crescimento e desenvolvimento ficou explicita. A abordagem que tem sido defendida nos Relatórios da PNUD enfatiza que o desenvolvimento depende da maneira como os recursos gerados no processo de crescimento econômico são utilizados. O Relatório de 2004 afirma que a riqueza de uma nação são as pessoas e que o processo de desenvolvimento pode expandir as capacidades humanas, sendo que o documento incide em quatro capacidades: vida longa e saudável, conhecimento, acesso aos recursos necessários para um padrão de vida digno e participação na vida da comunidade.

É evidente que aferir a concretização destas capacidades é tarefa complexa. Nesta perspectiva, de tentar medir o desenvolvimento através da melhoria da qualidade de vida das pessoas, o PNUD criou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), indicador construído a partir de três componentes. São eles: a) grau de saúde, medido pela esperança de vida ao nascer; b) nível educacional, medido pela média entre a taxa de alfabetização dos adultos e a taxa de matrícula no ensino fundamental, médio e superior; c) padrão de vida, medido pelo poder de compra baseado no PIB per capita ajustado ao custo de vida local.

No geral, no seu início, as ciências sociais ignoraram o território como variável necessária para compreender as realidades socioeconômicas. Todos os conceitos usados para representar a realidade na qual foram constituídas as diferentes ciências sociais e suas especializações foram construídos sobre um contexto social, físico que muitas vezes escapa aos instrumentos utilizados para a análise (SANTOS, 2000). Entretanto, as ciências sociais têm vindo a dar importância crescente à análise das tensões territoriais. “O território para que olham os economistas, os sociólogos e os planeadores é um território relacional” (REIS, 2005, pg. 8).

Um modelo endógeno de desenvolvimento parte das possibilidades socioeconômicas originais do local, “de baixo para cima”, ao contrário dos modelos “de cima para baixo” que partem da intervenção conduzida pelo Estado nacional. Tais modelos partem do consenso existente de que as instâncias locais têm grandes vantagens sobre instâncias governamentais centrais, em virtude da proximidade dos usuários de bens e serviços, o que possibilita captar melhor as informações e uma interação em direta e em tempo real com produtores e consumidores (AMARAL FILHO, 2001).

O novo papel do Estado no desenvolvimento regional/local tem-se pautado por um modo de intervenção pragmático, “o qual não valoriza em absoluto o princípio neoliberal nem o princípio do dirigismo estatal” (AMARAL FILHO, 2001, pg. 269). Assim, enquanto os Estados centrais optaram pela adesão aos princípios neoliberais, as esferas locais subnacionais – “que recebem o impacto mais direto e imediato das grandes contradições pelas quais passa o capitalismo contemporâneo” (AMARAL FILHO, 2001, pg. 270) – buscaram o modo de intervenção pragmático como o mais conveniente forma de intervenção.

Dentre essas iniciativas de localização, estão as formas de economia solidária, definida como “o conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, finanças e consumo – organizadas de forma autogestionária, ou seja, no âmbito das quais não há distinção de classe: todos os que nela atuam são seus proprietários e todos os que são proprietários nelas trabalham” (SINGER e KRUPPA 2004, pg. 92).

Os objetivos da economia solidária têm perspectiva que ultrapassam apenas a possibilidade de gerar trabalho e renda, proporcionando mudanças na relação social e cultural no espaço de trabalho, através da participação, cooperação e solidariedade (GAIVIZZO, 2006, pg. 41). Esses empreendimentos tem em comum a inexistência de direitos publicamente assegurados, apesar dos esforços de governos e entidades envolvidas para normatizá-los (BARBOSA, 2007).

Gaiger (2000), identifica oito princípios que devem nortear um empreendimento solidário: autogestão, democracia, participação, igualitarismo, cooperação no trabalho, auto-sustentação, desenvolvimento humano e responsabilidade social. Assim sendo, o que distingue a economia solidária da economia capitalista é a sua gestão democrática.

3. A economia solidária como alternativa de desenvolvimento local no Brasil

Os países periféricos e semiperiféricos foram os mais suscetíveis às imposições do consenso econômico neoliberal, em virtude da necessidade de renegociação das dívidas externas, embora os países centrais também estejam sujeitos às agências multilaterais, em razão das dimensões de suas dívidas públicas. Para a América Latina, as orientações para o enquadramento no novo sistema vieram do Consenso de Washington, conjunto de medidas destinadas a reverter a crise econômica que atingiu os países do continente na década de 80, cujo diagnóstico para os problemas econômicos era de que os mesmos advinham da indisciplina fiscal e do estatismo. Obtidas, a consistência e a estabilidade financeira do governo, estas enviariam um sinal positivo para a sociedade, o que levaria à retomada do crescimento, automaticamente.

Tais políticas foram levadas a cabo, mas não sem algum confronto político. O conhecimento prévio dos potenciais efeitos sociais e da conseqüente resistência política que podia gerar fez com que as medidas fossem implantadas de cima para baixo, ou seja, [...] o estilo político autocrático que caracteriza as reformas feitas ao estilo de Washington tende a minar as instituições representativas, a criar uma política personalista e a gerar um clima no qual a política se reduz a arreglos, a uma busca da redenção (PEREIRA; MARAVAL; PRZEWORSKI, 1996, pg. 23).

No Brasil, não foi diferente do restante do continente, as políticas foram postas em prática via medidas provisórias, ou sob pressão para que o Legislativo as aprovasse sem alterações substanciais Assim, as reformas foram aprovadas e efetivamente implantadas sem maiores problemas, uma vez que inseridas nos programas de governo e apresentadas como se realmente se tratassem da única saída para a crise, algo novo e, naturalmente, necessário .

Como é notório, resultados obtidos com as políticas do Consenso de Washington não foram os prometidos. Na América Latina, depois de uma curta explosão de crescimento no início da década de 1990 os países voltaram a conviver com estagnação ou recessão (STIGLITZ, 2002). Além disso, expuseram-se a riscos maiores, que foram arcados de forma desproporcional pelos que estavam menos habilitados a arcar com eles, “indivíduos na camada mais baixa da sociedade beneficiaram-se muito pouco; muitos ficaram em situação pior” (STIGLITZ, 2002, pg. 122).

O desenvolvimento da economia solidária no Brasil é resultado da sinergia entre dois processos históricos, um econômico e um social. O primeiro refere-se à reestruturação produtiva em conjunto com a reforma de Estado e as conseqüentes alterações no mercado de trabalho, já que tiveram como conseqüência o surgimento de um excedente de trabalhadores que se juntou aos tradicionalmente excluídos. O segundo processo – social - refere-se à experiências acumuladas por atores sociais no campo da organização popular, tais como movimentos sociais , organizações não-governamentais, partidos políticos, universidades e setores vinculados a Igreja católica. Assim sendo, o desenvolvimento dessa forma de organização socioeconômica aparece também como “resposta e/ou resistência dos setores organizados da sociedade civil aos impactos das transformações econômicas e sociais para a esfera do trabalho e suas repercussões para pior das condições de grande parcela da população brasileira” (GAIVIZZO, 2006, pg. 39).

Iniciativas de apoio à economia solidária passaram a ser adotadas a partir dos anos 1980, nas esferas estadual e municipal. Foram pioneiros o governo do estado do Rio Grande do Sul (1999/2002), sendo que os municípios de Porto Alegre, Belém e Santo André inicialmente, seguidos de Recife e São Paulo, implementaram as primeiras experiências de ações governamentais, tornando-se emblemáticas (PRAXEDES, 2009. pg.57).

Entretanto, enquanto política pública o apoio às iniciativas de economia solidária representam um cenário recente em evolução no país, onde existe grande dificuldade para a institucionalização de uma política pública de caráter popular. Política esta que somente se consolidaria mediante a articulação em campos institucionais - Poder Legislativo, o Executivo e os movimentos sociais - e do acúmulo de forças nas lutas sociais. Neste cenário, os movimentos sociais têm papel preponderante, uma vez que “exercem a função fundamental de pressionar os diversos segmentos e dar legitimidade às demandas” (PRAXEDES, 2009. pg.58).

Pequenos avanços têm ocorrido, mas ainda não colocaram a economia solidária na centralidade das Políticas Públicas. Tal política deverá buscar uma ação integrada, complementar e descentralizada - tanto de recursos e ações - entre as esferas da federação visando evitar sobreposição de iniciativas e a fragmentação de recursos. Caberia a ela, cumprir o “papel de identificar, elaborar e fomentar políticas públicas de desenvolvimento de economia solidária, considerando a intersetorialidade e articulação das instâncias de governo e primando pela participação e o controle social” (PRAXEDES, 2009. pg.58).

Nas esferas municipal e estadual, tem ocorrido aumento na aprovação de leis que instituem políticas de apoio e fomento à economia solidária, com a conseqüente criação de instrumentos para operacionalizá-las. Alguns exemplos estão destacados no quadro 1.

MunicípioIniciativaSanto André (SP)Lei que prevê a possibilidade de estabelecimento de convênios da prefeitura com cooperativas em processo de incubação.Diadema (SP)Redução gradativa do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) para cooperativas instaladas no municípioOsasco (SP)Lei geral que prevê a criação de equipamentos públicos

com Incubadora Pública, Centro Público, Centros de ComércioMontes Claros (MG)Criação de um Fundo de Fomento à Economia Popular e Solidária.Recife (PE) Criação do Fundo Recife SolidárioJoão Pessoa (PB)Criação de um fundo que possibilita a captação de recursos, em percentual sobre as compras de bens e serviços efetuadas pela prefeitura.Estado da BahiaCriação do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza do Estado da Bahia (Funcep) que dá apoio às iniciativas de economia solidária.

Criação da Superintendência de Economia Solidária (Sesol).Fonte: PRAXEDES (2009)

Em nível nacional, em 2003 foi organizada uma política pública, o Programa de Economia Solidária em Desenvolvimento, cujo objetivo é “promover o fortalecimento e a divulgação da economia solidária, mediante políticas integradas, visando à geração de trabalho e renda, a inclusão social e a promoção do desenvolvimento justo e solidário”. O objetivo principal está relacionado aos objetivos da política setorial do Ministério do Trabalho e Emprego que visa expandir a economia solidária como alternativa para o desenvolvimento do país.

São objetivos específicos do programa:

- difundir e fortalecer os empreendimentos autogestionários, por meio de ações de fomento, assistência técnica e promoção de tecnologias adequadas ao desenvolvimento da economia solidária;

- apoiar materialmente as entidades e agências de apoio e fomento à economia solidária;

- elaborar e propor medidas para a articulação de ações de incentivo às finanças solidárias, principalmente nas modalidades de bancos comunitários e fundos rotativos, ampliando a escala de suas operações, os serviços financeiros prestados e legitimando novas institucionalidades econômicas;

- intervir na reformulação do arcabouço legal que regula as cooperativas e propor a adoção de um Estatuto do Empreendimento Autogestionário, que permita consolidar sua identidade, implementar um sistema de proteção a seus trabalhadores/as e orientar as ações de fiscalização;

- articular cadeias produtivas, ampliando a produção, distribuição e consumo dos produtos da economia solidária, apoiando o consumo ético e responsável e contribuindo para a construção de um Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário;

- estimular e promover a produção de conhecimentos e tecnologias voltados à Economia Solidária, articulandos as políticas de educação e de pesquisa;

- manter o Sistema de Informações em Economia Solidária, ampliando e atualizando periodicamente suas informações;

- fortalecer os espaços de organização e de participação da sociedade civil e dos demais entes governamentais para a formulação de políticas públicas para a economia solidária, em especial o Conselho Nacional de Economia Solidária implantado em 2006.

Ainda como parte da estratégia nacional foram implementados os Centros Públicos de Economia Solidária, realizada parceria com municípios e governos estaduais. Estes centros são “espaço de agregação das diversas iniciativas do campo da economia solidária, propiciando a participação de diversos atores presentes no território” (PRAXEDES, 2009,59).

Um avanço importante em relação colocação da economia solidária na agenda pública foi obtido através da Lei Federal no 11.445/2007, que possibilita ao Poder Público “contratar coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta de lixo, efetuadas por associações ou cooperativas (...) reconhecidas pelo Poder Público (...)”. Outro avanço foi obtido com a na Lei Federal no 11.448/2007 que possibilita a inclusão das sociedades cooperativas na Lei

Geral das Micro e Pequenas Empresas. Este instrumento legal facilita o acesso às compras, reguladas pela Lei no 8.666.

4. A evolução dos empreendimentos de economia solidária no Brasil

A Secretaria Nacional de Economia Solidária está realizando o mapeamento da economia solidária no Brasil e, para tanto, foi desenvolvido o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES), contendo informações de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) e de Entidades de Apoio, Assessoria e Fomento (EAF). No relatório de 2007 foram contados 21859 empreendimentos. A Figura 1 mostra a evolução do número de empreendimentos de economia solidária no Brasil no período de 1900 a 2007, onde se observa o grande salto a partir do ano de 1990.

As principais formas de organização dos empreendimenos, apresentadas na figura 2, são as associações que representam mais de metade dos empreendimentos, seguindo-se os grupos infomais, 36% e as cooperativas, que são 10% . A produção e a comercialização são as principais atividades realizadas de forma coletiva pelos empreendimentos, seguidos do uso de equipamentos e do uso de infraestrutura.

Quanto a participação na tomada de decisões, em menos de 1% dos empreendimentos registraram não haver uma forma de participação dos associados nas decisões, sendo em 50% dos casos foi informado que as assembléias/reuniões coletivas dos sócios têm periodicidade de um mês (MTE, 2009).

A maioria destes empreendimentos está voltada para a atividades relacionadas com a agricultura, dedicando-se ainda a fabricação de artefatos têxteis a partir de tecidos, a fabricação de artefatos diversos de madeira, palha, cortiça e material trançado, a pesca e serviços relacionados e, também a reciclagem, sendo que 59,8% deles tem um faturamento mensal que não ultrapassa os R$ 5.000,00.

Quanto ao destino dado à produção e aos serviços dos empreendimentos, o principal destino é exclusivamente a venda (59%), segue-se o grupo que destina parte da produção à venda e parte ao autoconsumo dos associados (27%). Os restantes trocam os produtos ou os destinam exclusivamente ao autoconsumo. As principais produções são: milho, feijão, arroz, farinha de mandioca, confecções, leite, artigos de cama, mesa e banho, hortigrangeiros e artesanato, respectivamente (TEM).

As principais dificuldades apontadas pelos associados dizem respeito à comercialização: o empreendimento tentou mas não conseguiu encontrar quantidade suficiente de clientes, ninguém do empreendimento quer cuidar das vendas e ninguém do empreendimento sabe como se faz uma venda (argumentação, negociação, etc.).

Desagregando as informações do mapeamento em nível estadual verifica-se que os estados que apresentam maior número de EES são Rio Grande do Sul (2076 empreendimentos), Ceará ( 1824 empreendimentos) e Bahia (1611 empreendimentos). A figura 4, mostra a evolução dos empreendimentos desde a década de 1970.

Como mostrado no desempenho em nível nacional, o grande impulso de formação de empreendimentos solidários nos três estados, ocorreu a partir da década de 1990. Entretanto, percebe-se que tanto na Bahia como no Ceará houve uma inflexão, a partir de 2001, enquanto no Rio Grande do Sul o movimento permanece em ascenção.

Quanto as formas de organização (figura 5), Bahia e Ceará seguem a tendência nacional e a maior parte do empreendimentos tem a forma de associação, enquanto no Rio Grande do Sul 50% são grupos informais. No que se refere às empreendimentos de economia solidária no Brasil - 2007, também percebe-se uma uma diferenciação quanto ao Rio Grande do Sul onde as atividades com maior percentagem são referentes à comercialização e vendas. Já quanto ao destino dos produtos ou serviços, salvo pequenas alterações, as tendências são as mesmas verificadasem nível nacional.

Quanto à geração de postos de trabalho, mostrada na tabela 1, nos três estados a economia solidária é responsável pela criação de mais de 120 mil postos. A maior parte deles é ocupado por associados e, no Ceará chega a um total de mais de 62 mil, 35 mil homens e 26,8 mil mulheres.

Chama a atenção o fato que entre os associados a maior parte dos postos de trabalho é ocupado por homens, e entre os não associados é ocupado por mulheres. O regime de contratação da maioria dos trabalhadores não sócios é de trabalho temporário, e as atividades desenvolvidas são na maioria das vezes ligadas à produção, administração, secretaria, contabilidade, finanças, manutenção e serviços gerais, além de gerência e assessoria.

Quanto à remuneração ela não é homogênea nos três estados, por exemplo, com relação aos trabalhadores não associados ela varia de R$ 1.745,96 no Rio grande do Sul a R$ 421,78 no Ceará para cargos de Gerência, assessoria, consultoria e de R$ 908,00 na Bahia a R$ 291,60 no Ceará para representação comercial, vendas, comunicação. Como se observa as remunerações são mais baixas no estado do Ceará.

Como se observa o caminho percorrido de implantação e expansão da economia solidária na Brasil percorrido até aqui, já concretiza e demonstra os avanços na construção de um modelo onde a democracia e a autogestão são valores importantes, haja vista a participação dos associados nas decisões.

5 – Conclusão

Este texto procurou mostrar os avanços na implantação de empreendimentos de economia solidária no Brasil, nomeadamente a partir da década de 1990. É inegável que o apoio da esfera pública à economia solidária se trata de uma política de desenvolvimento que, por se voltar para um segmento da população historicamente excluído, demanda não só ações setoriais específicas, com também ações transversais que envolvendo e articulando diversas áreas do governo áreas do governo e do Estado – tais como crédito, educação, saúde, meio ambiente, trabalho, habitação, saúde, tecnologia, etc.

O avanço conseguido até o momento, na construção de políticas públicas de incentivo à economia solidária, demonstram o seu potencial para estancar o crescimento das desigualdades sociais e, com isso auxiliar na redução da pobreza, através de estratégias emancipatórias e geradoras de autonomia. Entretanto, participação do governo deve reconhecer e fortalecer a organização social dos trabalhadores, viabilizando a institucionalização dos direitos e o fortalecimento da democracia, da justiça social e da cidadania.

Referências

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