Contribuciones a las Ciencias Sociales
Noviembre 2014

CONTRIBUIÇÕES DE ALUNOS E CAMPONESES-RIBEIRINHOS AMAZÔNICOS SOBRE AS FORMAS DE USO DOS RECURSOS NATURAIS COMO MEIO DE SUBSISTÊNCIA NA COMUNIDADE SÃO SEBASTIÃO DO RIO JARÁ, BACIA DO UAICURAPÁ, PARINTINS-AM



Rildo Oliveira Marques (CV)
Rogério Oliveira Prestes (CV)
Francisco Alcicley Vasconcelos Andrade (CV)
falcicley@gmail.com
Universidade Federal do Amazonas



Resumo
As argumentações descritas em torno do uso dos recursos naturais para este trabalho estão alicerçadas no princípio de que os recursos aqui existentes sempre foram objeto de manuseio de populações que aqui viveram há muitos séculos atrás, o que pode ter contribuído positivamente com o desenvolvimento da floresta amazônica. Nesse sentido, este trabalho visa através da percepção de alunos e camponeses-ribeirinhos da comunidade São Sebastião, localizada na Amazônia ocidental, como os mesmos utilizam seu território no que diz respeito ao uso de seus recursos naturais, tais como as terras, as águas e as florestas e como as técnicas atreladas ao desenvolvimento dessas atividades podem ser consideradas sustentáveis à medida que não são praticadas de forma intensiva, mas apenas para a subsistência local. O ambiente amazônico vem sendo manejado desde os primórdios e isso continua ocorrendo nos dias atuais através do uso destes recursos pelos povos e comunidades tradicionais que aqui existem, porém é preciso criar formas que assegurem a reprodução social e cultural destes, pois os mesmos ainda têm muitas coisas para ensinar para uma sociedade em crescimento e transformação, e as experiências descritas neste trabalho não significam experiências do passado ou atraso, elas significam o futuro e o progresso, pois só assim será conservado o conjunto de recursos naturais amazônicos.

Palavras-chave: Recursos Naturais, Meios de subsistência, Amazônia.

Resumen

Descritos los argumentos en torno a la utilización de los recursos naturales de este trabajo se basan en el principio de que los recursos existentes aquí durante mucho tiempo han estado manejando la gente que vivió aquí hace muchos siglos, que pueden haber contribuido positivamente al desarrollo de la selva amazónica. En este sentido, este trabajo tiene como objetivo a través de la percepción de estudiantes y campesinos, que bordea la comunidad de San Sebastián, situado en la Amazonía occidental, la forma en que utilizan su territorio en relación con el uso de los recursos naturales como la tierra, el agua y bosques y cómo el desarrollo de estas actividades técnicas vinculadas puede considerarse sostenible, ya que no se practican intensamente, pero sólo para los medios de vida locales. El entorno de Amazon se ha manejado desde el principio y que sigue ocurriendo en la actualidad a través de la utilización de estos recursos por parte de los pueblos y comunidades tradicionales que existen aquí, pero tenemos que crear formas de proporcionar la reproducción social y cultural de estos, ya que todavía tienen muchos cosas que enseñan una empresa en crecimiento y transformación, y los experimentos descritos en este documento no significan experiencias pasadas o demora, que significan el futuro y el progreso, porque sólo entonces el conjunto almacenado de los recursos naturales de la Amazonía.

Palabras clave: Recursos Naturales, Medios de vida, Amazonia.

Para ver el artículo completo en formato zip pulse aquí


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Oliveira Marques, R., Oliveira Prestes, R. y Vasconcelos Andrade, F.: "Contribuições de alunos e camponeses-ribeirinhos amazônicos sobre as formas de uso dos recursos naturais como meio de subsistência na comunidade São Sebastião do Rio Jará, Bacia do Uaicurapá, Parintins-AM", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Noviembre 2014, www.eumed.net/rev/cccss/30/recursos-naturais.html

INTRODUÇÃO

Refletir sobre o papel dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia e sua relação com o lugar onde vivem, principalmente sobre as formas de uso dos seus recursos naturais (terras, florestas e águas) é um desafio diante de todo o contexto e discursos que envolvem a conservação e a sustentabilidade da Amazônia.
 As argumentações descritas em torno do uso dos recursos naturais para este trabalho estão alicerçadas no princípio de que os recursos aqui existentes sempre foram objeto de manuseio de populações que aqui viveram há muitos séculos atrás, o que pode ter contribuído positivamente com o desenvolvimento da floresta amazônica, o que condiz com a ideia proposta por Diegues (1994), a cerca do mito moderno da natureza intocada.
Quando nos reportamos à Amazônia, por exemplo, encontramos diversas situações de conflitos que envolvem disputas pela terra, ou mesmo, pela água. Ao longo da ocupação humana na região os povos desenvolveram seus modos de vida pautados nos conhecimentos sobre a ecologia das espécies, sobre o regime das águas, etc., (GONÇALVES, 2010), porém, com a expansão do capitalismo muitas das relações entre homem e meio e dos homens ente si foram alteradas.
A Amazônia atualmente é o palco onde disputa-se todo e qualquer tipo de território, onde nos últimos anos a hegemonia atrelada aos interesses dos grandes projetos como a construção de hidrelétricas tem ganhado mais espaço, reduzindo o espaço de unidades de conservação, de terras indígenas e até mesmo de ribeirinhos e outros povos que aqui existem. Por outro lado, a mídia local atrelada aos mesmos interesses, reproduz uma visão equivocada que na maioria das vezes coloca como se esses povos fizessem parte de uma economia primitiva, sendo vistos como se fossem algo do atraso, o que na verdade é o contrário, pois são eles que preservam mais os recursos naturais. Essa visão distorcida precisa então ser removida, pois é preciso entender o verdadeiro sinal do futuro que está justamente na preservação e na manutenção de uma produção que assegure a reprodução social e cultural desses povos e comunidades tradicionais.
Nesse sentido, este trabalho visa através da percepção de alunos e camponeses ribeirinhos da comunidade São Sebastião, localizada na Amazônia ocidental, como os mesmos utilizam seu território no que diz respeito ao uso de seus recursos naturais, tais como as terras, as águas e as florestas e como as técnicas atreladas ao desenvolvimento dessas atividades podem ser consideradas sustentáveis à medida que não são praticadas de forma intensiva, mas apenas para a subsistência local.

1. Comunidade São Sebastião do rio Jará.
A comunidade São Sebastião está localizada na zona rural do município de Parintins-AM, e está situada na margem esquerda do rio Jará, afluente do rio Jacú, ambos pertencentes à Região da Bacia Hidrográfica do rio Uaicurapá, mas precisamente a sua margem esquerda. A comunidade está localizada em uma área de terra firme da Formação Geológica Alter do Chão de idade cretácica, e possui um solo do tipo latossolo amarelo basicamente composto de areia e argila nas partes altas e que durante a vazante apresenta inúmeras praias em suas margens. A comunidade São Sebastião tem como limites ao norte a Comunidade do Marajó, ao sul o rio Jará, a oeste o Distrito de Freguesia do Andirá (pertencente ao município de Barreirinha) e a leste a Comunidade e Nossa Senhora da Saúde do Canarinho.
O acesso ao local se dá por via fluvial por barcos de linha durante os dias de terça e sexta- feira, e a viagem dura em média de 6 a 8 horas dependendo das condições de tempo e do regime sazonal da dinâmica da enchente e vazante.

2. Procedimentos Metodológicos.

A Escola Municipal São Sebastião é construída em madeira e possui 03 salas de aula e 01 anexo, onde funcionam o ensino infantil, o ensino fundamental e o ensino presencial com mediação tecnológica. A escola conta também com um corpo docente de 05 professores, sendo 04 geógrafos e 01 pedagogo e dispõe de 01 administrativo, 01 merendeira e 01 pessoa responsável pelos serviços gerais.
A pesquisa possui um caráter qualitativo e foi realizada com 18 alunos de uma turma única da Escola Municipal São Sebastião, sendo onze alunos do 4º ano e sete alunos do 5º ano, onde primeiramente a turma foi dividida em grupos de três alunos, em seguida os mesmos copiaram as perguntas em seu caderno e posteriormente às responderam.
O questionário aplicado com os alunos continha perguntas abertas e fechadas referentes às principais atividades utilizadas como fonte de renda e subsistência, com base nas formas de uso dos recursos naturais existentes na comunidade, assim como os locais onde são praticados e os apetrechos e técnicas utilizadas para essas atividades.
O estudo tem como base a pesquisa participante e conta também com conversas informais com os moradores, além de registros fotográficos documentados durante a pesquisa.
Para alcançar o objetivo proposto na pesquisa, se optou pela investigação por meio do método fenomenológico. A fenomenologia na Filosofia refere-se a uma descrição imparcial de nossa percepção consciente do mundo, exatamente como ele ocorre, sem nenhuma tentativa de nossa parte de interpretação ou análise. É uma forma de dar destaque à experiência vivida, e através do fenômeno, ou seja, tudo aquilo que se apreende pela consciência, será possível a descrição do ambiente percebido (MOREIRA, 2004). Dessa forma, as entrevistas foram realizadas com os moradores mais antigos da comunidade, ou os chefes de família, dando ênfase em suas experiências de vida.

3. “Sustentabilidade”: para quem?

“Sustentabilidade” é um termo que foi utilizado primeiramente no relatório Bruntlad da ONU em 1987, onde o mesmo veio atrelado a palavra “desenvolvimento”, ao qual propõe como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades”. Porém esse termo hoje em dia é bastante empregado de forma equivocada, principalmente pela mídia que atende aos interesses de grandes corporações.
Se formos pensar a “Sustentabilidade” pelo lado econômico, principalmente pelo lado das grandes empresas que se utilizam de combustíveis fósseis e de outras matérias primas, por mais que se utilize em poucas quantidades dessas matérias, fica claro que não há sustentabilidade como as mesmas propõem em suas grandiosas propagandas, pois de uma forma ou de outra esta estará explorando um recurso ambiental, e mesmo que se façam projetos de reflorestamento ou redução das emissões de CO2, é preciso pensar para onde vão as externalidades geradas por esta produção? Para onde vão os resíduos sólidos e os gases emitidos? É preciso refletir sobre essas questões para se chegar a uma conclusão de o que é realmente a sustentabilidade.
Se formos pensar, até o próprio conceito utilizado pela ONU para o “desenvolvimento sustentável” não fica claro, pois de que necessidades a mesma está se referindo? Poderíamos chegar a várias opiniões. Então antes de definir a sustentabilidade devemos antes desconstruir esse velho conceito e pensar como o Antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida (coordenador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia), que sabiamente nos convida a refletir sobre o papel dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia (indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, piaçabeiros, peconheiros, seringueiros, castanheiros e demais) e suas produções, que na maioria das vezes são vistos como se fossem uma economia primitiva, que são vistos como se fossem algo do atraso, o que na verdade é o contrário, pois são eles que preservam mais a floresta. Então essa visão distorcida precisa ser removida para se entender exatamente o sinal do futuro que está justamente na preservação e na manutenção de uma produção que assegure a reprodução social e cultural desses povos e comunidades tradicionais amazônicos.

4. As formas de uso dos rios: A pesca.

Quando entramos em contato direto com a bacia amazônica, nossos sentidos nos obrigam a imaginar que habitamos o planeta Água e não o planeta Terra (VITKOSKI, 2010). A presença marcante das águas claras da bacia do Uaicurapá com sua nascente no sopé do planalto central brasileiro e seus vários acidentes físicos (furos, paranás, igarapés, praias e lagos), nos convida a refletir sobre o uso desses recursos para o sustento das famílias locais.
Os rios de água clara, popularmente conhecidos na região como rios de “água preta”, possuem menos peixes que os rios de água branca ou barrenta, tendo seu ápice apenas na vazante e talvez isso torne essa uma atividade secundária ou alternativa para os moradores da comunidade São Sebastião. A pesca, como atividade extrativista, também obedece aos imperativos da natureza, isto é, não é feita sem levar em consideração o ciclo das águas (VITKOSKI, 2010).
A pesca na comunidade é quase uma ocupação 100% masculina. Os “curumins” começam a praticar essa atividade desde muito cedo, e logo aprendem a remar, a colocar a malhadeira no local certo e até mesmo a fabricar seus próprios apetrechos como os caniços e flechas.
Nas proximidades da comunidade os locais de pesca, além do próprio rio Jará, são as cabeceiras do Jarazinho, Jará Grande e Terra Preta da Virição. E as espécies que mais se destacam são: o tucunaré (Cichla spp), os acarás (Chaetobranchus sp.), a branquinha (Pothamorhina spp), o jacundá (Crenicichla lenticulata), o jaraqui (Semaprochilodus taeniurus), a pescada (Cynoscion spp), o aracu (Shizodon fasciatus), o mapará (Hypophthalmus edentatus), o pacu (Mylossoma spp), o Apapá (Pellona castelnaeana), a traíra (Hoplias malabaricus), a piranha (Serrassalmus spp), o arari (Chalceus macrolepidotus) e a saúna (Mugil curema).
Vale ressaltar que dentre essas, o tucunaré é a espécie mais valorizada. Esta se destaca também pela variedade de espécies que pode ser capturada como, por exemplo: o tucunaré pinima, tucunaré açu e o tucunaré amarelo. No Brasil, existem pelo menos 15 espécies de tucunarés, descritas biologicamente, onde o colorido, a forma e o número de manchas variam bastante de espécie para espécie, porém, todos os tucunarés apresentam uma mancha redonda, chamada de ocelo, no pedúnculo caudal .
Na família dos acarás (Chaetobranchus sp.) existe também grande variedade como o acará baruca, o acará cascudo, o acará roxo, acará tinga e vários outros.
A canoa é o meio de transporte universalmente utilizado nas águas amazônicas (VITKOSKI, 2010). Nessa atividade, os moradores utilizam juntamente com a canoa ou com o casco, a malhadeira e o caniço.
Dentre estes, o mais utilizado pelos camponeses ribeirinhos para a pesca ainda é a malhadeira, apetrecho que começou a ser utilizado na Amazônia por volta da década de 1950 (MESCHKAT, 1958 apud CRUZ, 2007), não havendo na literatura relatos de uso da malhadeira por parte dos índios. (CRUZ, 2007)
Segundo Cruz (2007), o aparecimento e a rápida proliferação da malhadeira na Amazônia, foi um fator determinante para a diminuição dos recursos pesqueiros disponíveis nos ambientes aquáticos. O uso deste utensílio possibilitou aos camponeses ribeirinhos, um maior poder de captura, do que outros instrumentos utilizados até então.
Por outro lado, existem também na comunidade alguns apetrechos que envolvem técnicas utilizando tanto instrumentos tradicionais como o cacuri e o arco e flecha (técnicas indígenas), quanto instrumentos mais sofisticados como a arma de ar comprimido e a isca artificial.               

As iscas artificiais são utilizadas juntamente com uma linha comprida que é arremessada na água e posteriormente puxada tanto por quem a manuseia quanto por um motor rabeta que é posto na canoa, pois a velocidade em que a isca adquiri ao ser posta em movimentação, tem a facilidade de atrair vários peixes carnívoros de médio e grande porte como o tucunaré e a traíra.
É importante ressaltar que a prática da pesca na comunidade não envolve apetrechos considerados predatórios como a rede de arrastão e a pesca de batição. As famílias pescam apenas para a sua subsistência e geralmente em poucas quantias.
A prática da pesca com a arma de ar comprimido ainda não pode ser considerada predatória, pois são poucas famílias (02 famílias) que dispõe dessa técnica. Essa atividade por outro lado, requer que o pescador possua além de uma máscara de mergulho, bastante folego, pois o mesmo chega há passar vários segundos embaixo da água esperando a melhor posição para capturar o peixe.

5. As formas de uso dos recursos florestais: O extrativismo, o artesanato e a caça.

A imensa floresta equatorial amazônica de terra firme abriga inúmeras espécies tanto animais, quanto vegetais, muitas já catalogadas e outras que ainda não fazem parte do registro científico. A comunidade São Sebastião utiliza a floresta de inúmeras formas, porém algumas ganham destaque pelas técnicas e conhecimentos utilizados. Uma das principais é o extrativismo de madeira de lei para a comercialização tanto local, quanto na cidade de Parintins. As árvores mais utilizadas para essa prática são: o loro (Laurus nobilis), a itaúba (Mezilaurus itauba), o cedro (Cedrela fissilis Vell.), a cupiúba (Goupia glabra), a maracatiara (Astronium sp), o marupá (Simarouba amara), além outras árvores de terra firme.
Outra questão relacionada ao uso dos recursos florestais são as atividades relacionadas ao artesanato com o uso de matéria primas extraídas diretamente da floresta, utilizadas para a fabricação de remos, de vassouras de cipó e a construção de canoas e cascos.
Para essa última atividade, os mesmos utilizam o tronco de uma árvore de grande porte e a partir dessa extração os mesmos vão o talhando até adquirir a forma de uma embarcação. As madeiras mais utilizadas para essa finalidade são itaúba (Mezilaurus itauba), o loro (Laurus nobilis) e o angelim (Vatairea sp).
Essa técnica que envolve conhecimentos tradicionais repassados a gerações é privilégio de apenas poucos moradores, principalmente os mais antigos, que dedicam seu tempo a fabricar um dos poucos meios de transporte que a comunidade dispõe.
Outra forma de uso da floresta é a caça. Está é uma prática exclusiva dos homens, onde os mesmos utilizam-se de espingarda e outras técnicas ligadas a conhecimentos tradicionais como as armadilhas e o moitá para a captura das espécies.
A caça ocorre regularmente na comunidade e, em geral, é praticada por dois ou três caçadores. Pode acontecer também de o caçador ir à caça sozinho. Essa prática, dura em média um dia ou uma noite e de segunda a sábado.
Independentemente do número de participantes, a caça geralmente é repartida entre parentes, amigos e vizinhos em porções suficientes para dar um almoço que mantenha por um dia uma família de seis a oito pessoas ou para um bom assado com amigos.
Sobre esse aspecto, Pereira et. al. (2007, p.161) argumenta que:

É importante esclarecer que a caçada assume duas importantes formas na percepção dos ribeirinhos. A primeira, considerada como a mais importante, é o da “caça em grupo” que compreende a existência de uma cooperação entre os ribeirinhos que agem de maneira conjunta nas emboscadas, onde a distribuição da carne dos animais é feita igualmente entre os ribeirinhos. A segunda forma é a “caça individual”, em que o caçador distribui parte da carne da caça entre os parentes, que têm a obrigação em retribuir o “presente” em algum momento. A relação de doação da caça entre parentes garante ao caçador o suprimento de alimento em alguma ocasião que não tiver sucesso na caçada.

A caça na maioria das vezes é feita a noite e em um local denominado de “espera”, onde são atadas redes sobre duas árvores (moitá), com a altura adequada ao tipo de caça. A partir de dois metros do solo, por exemplo, utiliza-se para paca (Coelogenys paca) e tatu (Dasypus sp.). Já alturas maiores são utilizadas para animais de faro apurado como a anta (Tapirus terrestris) e veado (Mazama sp.). Na execução desta atividade os moradores passam a noite esperando até o momento que a caça passa pelo local. Geralmente o moitá é armado nas proximidades de árvores frutíferas, o que possibilita a captura desses animais. Outras vezes, a caça é feita durante o dia com a ajuda de cães caçadores e com o uso do toco (figura 12), uma espécie de armadilha que possui os mesmos princípios de uma espingarda, porém é fabricada com madeira e canos de ferro onde o caçador numa determinada área estende uma corda ou um arame no caminho e quando o animal passa o dispositivo é disparado.
As espécies animais mais capturadas pelos moradores locais são o tatu (Dasypus sp.), a paca (Coelogenys paca), a cutia (Dasiprocta aguti), o veado (Mazama sp.), o porco caititu (Tayassu tajacu), o porco queixada (Discotyles labiatus), a anta (Tapirus terrestris) e o jabuti (Testudo tabulata). Dentre estes, os mais valorizados são aqueles animais que possuem o maior porte, pois geralmente, os caçadores tem a consciência de não abater animais menores, demonstrando assim a sua preocupação com a reprodução e o desenvolvimento de cada espécie.
É importante frisar que a comunidade não faz nenhum tipo de caça predatória, com a matança de bandos e posteriormente a comercialização clandestina dos mesmos. As famílias a fazem apenas para o alimento do dia a dia e a maioria dos caçadores, ou seja 80%,  tem o registro de suas espingardas para praticar esse tipo de atividade.

6. Formas de uso da terra: A agricultura familiar.

A agricultura familiar tem na farinha de mandioca sua principal produção que é à base do sustento das famílias locais, porém a mandioca proporciona também a produção de outros produtos derivados como o beiju pé de moleque, a tapioca, o tucupi e outros. Além da mandioca, algumas famílias de agricultores também cultivam outras culturas como a batata doce, o jerimum, a banana, o abacaxi e muitas outras.
O cultivo dessas culturas geralmente é destinado ao consumo das próprias famílias, porém alguns agricultores destinam a sua produção para a comercialização na cidade de Parintins.
As famílias que trabalham com a agricultura possuem suas roças afastadas do quadro comunitário, e é nesse espaço que é desenvolvido todo o processo de produção que precede à comercialização. Essa etapa inicia-se com a parte mais pesada do trabalho que é a derriba e a queima do roçado, etapa denominada pelos mesmos de coivara, onde os principais encarregados são aos homens, porém muitas mulheres também participam. O transporte dos feixes de maniva e a cavação das covas são feitos através da prática do “puxirum”, também denominado em alguns locais de “mutirão” ou “ajuri”, onde muitos moradores se reúnem para o desenvolvimento dessa atividade e ao final é servido um almoço por conta do dono do roçado. Vale destacar que esta prática não envolve valores monetários, e sim um rodízio de trabalho nos roçados de cada agricultor que participa dessa atividade.
De acordo com Cruz (2007, p.48 a 49):

Essa prática consiste na ajuda que um grupo de moradores da comunidade fornece a uma família em dificuldade de realizar determinadas tarefas, quando somente a força de trabalho é efetuada apenas por seus membros, como também por motivos de doenças ou por fatores naturais, como a enchente/cheia. O mutirão é uma reunião para o trabalho de vários camponeses-ribeirinhos, logo após, o convite de uma família necessitada, a qual tem a obrigação de fornecer as refeições: almoço e “merenda” (lanche). Após o término do ajuri, é comum a família que recebeu a ajuda realizar uma festa, como forma de agradecimento a todos que participaram do mutirão, reforçando assim, os laços de solidariedade das famílias no interior da comunidade.

Outra forma de pagamento de trabalho que vem crescendo a cada dia na comunidade é a “troca de diária”, onde os moradores precisam pagar com o trabalho no roçado os dias em que outra pessoa passou trabalhando no seu.
Já a o processo de descascar a mandioca, a lavagem, a peneiração da massa e a preparação da farinha no forno nas casas de farinha, conta com a participação dos homens, mulheres e crianças.
Após todas essas etapas, 90% da produção da farinha de mandioca é destinada a venda tanto nos comércios locais ou diretamente com os moradores. Outros moradores preferem comercializar sua produção levando a mesma para cidade de Parintins por meio dos barcos de recreio ou mesmo de canoa com motor de pouca. Atualmente o valor de uma saca de farinha comercializada na comunidade é de R$ 150, 00, porém ao ser revendida na cidade de Parintins a mesma passa a adquirir o valor de R$ 200,00.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho além de descrever como os camponeses-ribeirinhos utilizam seu território no que diz respeito ao uso de seus recursos naturais, tais como as terras, as águas e as florestas é uma forma de mostrar como estes se relacionam como o meio onde vivem e de reconhecer que estas atividades e a forma como são conduzidas não alteram de maneira negativa tais recursos, pois são praticadas de forma consciente e apenas para a subsistência local.
Com relação às técnicas utilizadas no desenvolvimento das atividades, há uma mistura de instrumentos tanto tradicionais, com origens indígenas, quanto àqueles mais modernos, porém ambos são utilizados de maneira consciente pelas famílias, tendo sempre a preocupação de que não haja uma redução significativa das espécies.
O ambiente amazônico vem sendo manejado desde os primórdios e isso continua ocorrendo nos dias atuais através do uso destes recursos pelos povos e comunidades tradicionais que aqui existem, porém é preciso criar formas que assegurem a reprodução social e cultural destes, pois os mesmos ainda têm muitas coisas para ensinar para uma sociedade em crescimento e transformação, e estas experiências descritas neste trabalho não significam experiências do passado ou atraso, elas significam o futuro e o progresso, pois só assim será conservado o conjunto de recursos naturais transformados e servindo diretamente o abastecimento das cidades. Experiências estas também que estão vinculadas aos conhecimentos tradicionais que contradizem todo o modelo concentracionista, violento e autoritário remanescente da sociedade colonial que é imposto atualmente como se fosse o futuro do nosso país, o que na verdade representa o atraso e a destruição dos nossos recursos naturais.

REFERÊNCIAS

CRUZ, M. J. M. Territorialização camponesa na várzea amazônica. 2007. 274 f. (Tese de doutorado em Geografia Humana): Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humana da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2007.

DIEGUES, A. C. S. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: NUPAUB –USP, 1994.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Amazônia, Amazônias. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2010.

PEREIRA, C.F; SILVA, S, C. P; FRAXE, T. J. P; WITIKOSKI, A. C. A análise da caça nas comunidades da área de atuação do PIATAM. In: FRAXE, T. J. P; PEREIRA, C.F; WITIKOSKI, A. C. Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais. Manaus: EDUA, 2007.

WITKOSKI, A. C. Terras, Florestas e Águas de Trabalho: os camponeses amazônicos e as formas de uso de seus recursos naturais. 2ª Edição. – São Paulo: Annablume, 2010.