Contribuciones a las Ciencias Sociales
Octubre 2014

PRECONCEITO, HOMOSSEXUALIDADE E ASPECTOS DE PODER NAS RELAÇÕES DE EMPREGO EM CAMPO GRANDE – MS SOB A ÓTICA DA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E SUA RELEVÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL EM ESCALA HUMANA



Antonio Henrique Maia Lima (CV)
Arlinda Cantero Dorsa (CV)
Thayliny Zardo (CV)
henrick_maia@hotmail.com
Universidade Católica Dom Bosco



RESUMO

O presente artigo é fruto de revisão bibliográfica embasada em entrevistas realizadas nos anos de 2011 e 2012 pelo Grupo de Pesquisa “Diversidade Cultural e Grupos de Processo de Inclusão Social no Mato Grosso do Sul: análise sócio-jurídica”, na investigação “O homossexual e a exclusão social nas relações de emprego na cidade de Campo Grande sob um ponto de vista sócio-jurídico” da Universidade Católica Dom Bosco, em que foram entrevistados dezenas de colaboradores homossexuais com o intuito de diagnosticar se sofrem e como sofrem preconceito na dinâmica empregatícia e sua relevância para o Desenvolvimento em Escala Humana desses indivíduos. Diante disso, utiliza-se na presente pesquisa da técnica da Análise Crítica do Discurso para extrair os intertextos e os interdiscursos presentes nas entrelinhas das referidas entrevistas com o fim de compreender, nesse contexto, os Discursos do Poder e do Desempoderado. Utilizou-se, além disso, de referencial teórico pertinente ao assunto abordado para subsidiar aquilo que foi alegado. Por fim concluiu-se que a sociedade é repleta de relações de poder, identificadas nos interdiscursos dos agentes sociais envolvidos na relação empregatícia, os quais demonstram a arena conflitiva e preconceituosa no que se refere à orientação sexual dos empregados.
PALAVRAS CHAVE: Homossexualidade, Relações de Poder, Relações de Emprego, Análise Crítica do Discurso, Desenvolvimento em Escala Humana.

Prejudice, homosexuality and aspects of power in employment relationships in Campo Grande - MS from the perspective of Critical Discourse Analysis and its relevance for Local Development in Human Scale

ABSTRACT

This article is based on literature review grounded on interviews conducted in the years 2011 and 2012 by the UCDB’s Research Group "Cultural Diversity Groups and Social Inclusion Process in Mato Grosso do Sul: socio-legal analysis", on research "The homosexual research and social exclusion in employment relations in the city of Campo Grande in a socio-legal point of view ", in which they were interviewed dozens of gay employees in order to diagnose whether suffering and how suffering prejudice in employment dynamics and its relevance to the Development in Human Scale these individuals. It was used in the present study the technique of Critical Discourse Analysis to extract the intertextuality and interdiscursivity implicitly presents in these interviews to understand this context the Discourses of Power and the disempowered. Also made ​​use of relevant theoretical background to the subject matter to support what has been alleged. Finally it was concluded that society is full of power relations, identified the interdiscursivity of social agents involved in the employment relationship, which highlight the contentious and prejudiced situation regarding the sexual orientation of employees.
KEYWORDS: Homosexuality, Power Relations, Employment Relations, Critical Discourse Analysis, Development in Human Scale.

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Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Maia Lima, A., Cantero Dorsa, A. y Zardo, T.: "Preconceito, homossexualidade e aspectos de poder nas relações de emprego em Campo Grande – MS sob a ótica da análise crítica do discurso e sua relevância para o desenvolvimento local em escala humana", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Octubre 2014, www.eumed.net/rev/cccss/30/homossexualidade.html

1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO CONCEITUAL

As minorias homossexuais no Brasil, como bem se sabe, ainda são vistas como grupo de pessoas em árduo processo de inclusão social, ou seja, ainda não são pessoas que se encontram incorporadas à sociedade em plenitude, estando claramente à margem desta.
Nesse ponto é possível refletir que a tal cultura do preconceito instituída na sociedade brasileira, assim como o que se chama de heteronormatividade, além da já mencionada sacralidade da família por intermédio do casamento religioso, possuem impactos diretos na vida, ou melhor, na qualidade de vida das pessoas homossexuais.
Assim sendo, imagine-se uma situação onde um indivíduo homossexual assumido se lança no mercado de trabalho em busca de uma vaga. Nessa hipótese, ele está sujeito à ampla concorrência e, certamente, se encontra em pé de igualdade aos demais concorrentes no que diga respeito à capacidade laborativa e intelectual. Cumpre questionar-se, no entanto, se ele terá exatamente as mesmas oportunidades que os concorrentes visivelmente heterossexuais ou se, de alguma forma, poderá ter tratamento diferenciado nos processos seletivos e quando contratado no dia-a-dia empregatício.
Propôs-se, portanto, abordar essa dinâmica como objeto de estudo e analisar os fenômenos sociais que nascem das inter-relações entre os sujeitos da relação de emprego, o empregado homossexual, o empregador, outros empregados heterossexuais e a clientela.
Usou-se como fonte de pesquisa entrevistas realizadas nos anos de 2011 e 2012 pelo Grupo de Pesquisa “Diversidade Cultural e Grupos de Processo de Inclusão Social no Mato Grosso do Sul: análise sócio-jurídica”, na investigação “O homossexual e a exclusão social nas relações de emprego na cidade de Campo Grande sob um ponto de vista sócio-jurídico”, em que foram entrevistados dezenas de colaboradores homossexuais com o intuito de diagnosticar se sofrem e como sofrem preconceito na dinâmica empregatícia. 
Referidas entrevistas são fontes preciosas de discursos. Diante disso, sugeriu-se analisá-los com o fim de extrair os interdiscursos existentes sob a técnica da Análise Crítica do Discurso (ACD).
A Análise Crítica do Discurso é uma abordagem interdisciplinar ao estudo dos textos, que considera a "linguagem como uma forma de prática social" (FAIRCLOUGH, 1989). 
Segundo Dorsa (2013), a ACD considera dados sociais e individuais, pois os membros de um grupo social quando do uso da linguagem, tanto falam, quanto escrevem ao entender-se socialmente e individualmente. Ao tratar-se do entendimento do uso da língua no discurso e pelo discurso, como forma de interação social, a análise enfocará suas estruturas linguísticas e sua relação entre o social e o individual.
Ainda segundo a autora a vertente sócio-cognitiva (Van Dijk) da Análise Crítica do Discurso propõe analisar criticamente o discurso como interação social a partir dos intertextos como uma dialética entre os eventos discursivos particulares (amostra entrevistada) e os discursos institucionalizados (opinião pública).
Em Van Dijk (1997) apud Dorsa (2013) a forma mais eficaz de analisar criticamente o discurso é delimitá-lo em categorias, quais sejam: Sociedade, Cognição e Discurso. Para o autor, a inter-relação entre essas categorias quando se tratar de discursos institucionalizados públicos precisa ser analisada, também, sob um contexto discursivo. Tal contexto pode ser analisado por outras três categorias: Poder, Controle e Acesso.
Nesse contexto, salienta ainda Dorsa (2013) que o Poder busca o controle da mente (ou opinião) pública, esse mesmo Poder por intermédio da retórica interaciona cognições sociais com a ideologia do grupo de elite, de poder (no contexto de gênero a maioria autodenominada “normal”). Diante disso, objetiva a Análise Crítica do Discurso denunciar esse “jogo de poder” tanto em textos escritos quanto em textos orais. O Poder controla os discursos institucionais, bem como, os veículos de comunicação, a mídia, etc., assim, o discurso para a vertente sócio cognitiva inter-relaciona-se à Sociedade e Cognição, em uma perpétua interação entre o individual (amostra entrevistada) e o social.
Diante disso, na presente pesquisa o Discurso do Poder materializa-se na pessoa do empregador e da clientela, albergados no discurso institucionalizado do próprio Estado por intermédio das leis de inclusão, que no contexto analisado seria a Lei Estadual n. 3157/2005. Note-se que o Discurso do Poder reproduz exatamente o Discurso do Estado, porém, nos intertextos, percebeu-se que referida reprodução é intencional, mas não autentica, ou seja, trata-se de mera tentativa de adequar-se ao dispositivo legal ou de, ao menos, não transgredi-lo.
A Lei em comento é vigente no estado de Mato Grosso do Sul e dispõe sobre as medidas de combate à discriminação por conta da orientação sexual no estado, além de proibir em seu artigo 2º inciso IX a negativa de emprego, demissão, impedimento ou dificuldade à ascensão em empresa pública ou privada por conta da orientação sexual do indivíduo.
Nessa perspectiva, entende-se como o Discurso do Desempoderado, ou seja, da parcela da sociedade subjugada nesse “jogo de poder”, justamente o do empregado homossexual, pois, este se encontra numa situação de hipossuficiência em relação ao empregador.
Intertexto ou intertextualidade é compreendido como sendo um subconjunto do dialogismo conceituado por Bakhtin (2006), que dentre outras coisas, afirma que não há textos puros, pois, todo texto ou discurso parte de outro preexistente.

Para o autor, o diálogo se estabelece de um texto para outros, a partir das relações que ele mantem com outros textos. Logo, concentra a sua atenção na intertextualidade, de forma a considera-la não só um diálogo face a face entre pessoas, mas, também, o diálogo entre textos de várias pessoas, pois, cada texto é visto como uma resposta a outros textos (DORSA, 2013, p. 53).   

Outro grande estudioso da intertextualidade é Maingueneau (1989), o qual estende os intertextos ao interdiscurso, ou seja, um absorve o outro reciprocamente, posto que, ambos constroem, por meio de fragmentos discursivos, o universo do discurso. O autor lembra que, o universo do discurso é muito amplo para ser analisado, logo, deve-se delimitar os campos discursivos a fim de delimitar as interdiscursividades, mais facilmente analisáveis. É o que se fará a seguir.
A presente pesquisa é classificável como sendo pesquisa qualitativa, pois possui natureza não interventiva e os pormenores estudados não são matematizáveis. Afinal, segundo Castilho (2008, p. 22) a pesquisa de campo “consiste na observação dos fatos tal como ocorrem na coleta de dados e no registro de variáveis para posteriores análises”.

2  O DISCURSO DO PODER
                                                   
Baseando-se nessas colocações, Van Dijk (1997) define o poder como uma forma de controle que um grupo exerce sobre o outro. Referido controle, segundo o autor, pode estender-se até ações e pensamentos dos indivíduos do grupo dominado. Esta dominação ou abuso de poder beneficia, certamente, o grupo dominante, isto quer dizer que o grupo social dominante também pode exercer esse poder de controle sobre o texto e a fala (discurso) do dominado. A dominação se implementa de forma discursiva, implica num acesso preferencial ao texto e ao contexto, que se tomam como base os recursos de poder, comparável a recursos sociais, como a riqueza, um bom emprego, status, conhecimento e até mesmo, educação. Diante disso, os padrões de controle de discurso e acesso estão fortemente ligados ao poder social.
 No referencial analisado percebe-se que o Discurso do Poder se manifesta de forma obscura, implícita ou mascarada, travestida de boas intenções, tanto pelo empregador quanto pela clientela.
Essa interdiscursividade, segundo Santos (2013) se caracteriza pela presença de um intertexto, mas sem mencioná-lo explicitamente, baseando-se a autora em Koch e Elias (2008, p. 92), que afirmam que esse tipo de intertextualidade “ocorre sem citação expressa da fonte, cabendo ao interlocutor recuperá-la na memória para construir o sentido do texto [...]”. “mesmo sem citar a fonte, fica subentendida a intenção de convencer o interlocutor a aceitar determinada ideia. Essa argumentação pode ocorrer num sentido de captação ou de subversão” (SANTOS, 2013, p. 304-305).
A mencionada obscuridade na amostra analisada é perceptível em razão de o Discurso do Poder reproduzir o Discurso Oficial, ainda que por imposição legal, isto é, valendo-se da existência de uma lei que proíbe a discriminação no mercado de trabalho por conta da orientação sexual, o empregador se vê obrigado, a de alguma forma, “aceitar ou admitir” indivíduos nessa condição em sua empresa, desde que, não seja explícita a condição homossexual do indivíduo.
Tal afirmativa é comprovável nas seguintes expressões manifestadas nas representações simbólicas estampadas nos seguintes discursos:

E1: “meu chefe uma vez perguntou se eu podia ser ‘menos gay’”;
E2: “a única orientação que nos dão é para agirmos de maneira requintada, chique e elegante, o padrão da loja exige esse comportamento”;
E3: “o entrevistador fazia comentários muito irônicos quanto a ‘maneira delicada’ de se comportar de um dos candidatos, que foi inclusive eliminado na primeira fase da seletiva”;
E4: “não, não aconteceu isso comigo, acho que porque não sou afeminado”;
E5: “os colaboradores não aceitam bem ‘bichinhas afetadas’, travestis, etc.”;
E6: “o entrevistador acha que ele não se enquadra no perfil (por ser fresco demais, fraco demais...)”.

Percebe-se, por conseguinte, que a característica afeminada de alguns homossexuais é empecilho maior para a contratação, isto porque, o homossexual afeminado quando homem, e masculinizado quando mulher carrega consigo o estigma social de aproximar-se do sexo oposto, na forma de se comportar. Isso incomoda de maneira demasiada os reprodutores do Discurso do Poder.
É notório que, nessa seara, o próprio homossexual não afeminado assume uma postura crítica em relação a esse fato. Defende-se que o motivo por trás dessa aversão seja justamente o sentimento de “estar incluso”, haja vista não carregar esse estigma. Tal assertiva se justifica em razão dos seguintes discursos:

E1: “acho que pelo fato de ser ‘um gay macho’ eles não se sentem ofendidos ou deslocados”;
E2: “não, não houve esse tipo de orientação, acho que porque não sou afeminado”.

Impende-se observar ainda, um singular comportamento dos empregados homossexuais no processo de aceitação e internalização do preconceito. Alguns discursos negam a existência de preconceito oriundo do Discurso do Poder, em sua versão exteriorizada. Todavia, no aspecto interiorizado dos interdiscursos analisados nota-se a comprovação de que o preconceito, de fato, existe, e que, ao mesmo tempo, é percebido pelos empregados homossexuais. Assim, a técnica de negação do preconceito sofrido por si mesmo consiste em uma maneira velada de aceitar a sua incidência.
Diante de tais considerações é plausível afirmar que, por esse viés, o homossexual acaba por ser também reprodutor do Discurso do Poder. Isto é, a negação da existência do preconceito conforta-o a tal ponto que ele se sente mais incluído ao próprio Discurso do Poder, aparentando certo pertencimento à classe dominante, e não da dominada.
Pinsky e Eluf (1993) muito bem exemplificam esse fenômeno quando lecionam que a reprodução do preconceito objetiva estabelecer um distanciamento entre o superior, que age preconceituosamente e o objeto do preconceito, ainda que questões econômicas não sejam a essência da discriminação.
O reprodutor do discurso preconceituoso fá-lo, com a inconsciente intenção de, ao menos aparentemente, pertencer ao grupo dos superiores. Trata-se de mecanismo de defesa, em que para se sentir menos excluído ou mais incluído em determinado grupo social acaba por proferir ataques a outros considerados inferiores.
Subsidiam-se tais afirmações com os seguintes discursos, proferidos após questionamento sobre preconceito no emprego por conta da orientação sexual:

E1: “Mas não vejo problema em deixar claro minha orientação sexual na entrevista de emprego, apenas não acho essa informação relevante”;
E2: “Não no meu caso, até porque, foram testados nossas qualidades profissionais, capacidade de produzir, mas acredito que isso possa acontecer muito”;
E3: “Não nunca me ocorreu essa situação, pois isso já é de mim ‘né’ eu mesmo sempre me observo na jornada de trabalho por postura profissional e por me considerar um alvo fácil, por ser um pouco afeminado. Tento me conter às vezes. Pessoas afeminadas são vítimas de homofobia em qualquer lugar, então acho que a gente tendo uma postura diferente na rua pelo menos a coisa se minimiza, como se fosse uma forma de impor respeito de certo modo”.

As expressões negritadas no parágrafo anterior denotam conforme já dito, a contradição desses discursos “justificadores” do preconceito por meio de conectores argumentativos. No primeiro discurso, as expressões “mas” e “apenas” possuem funções semelhantes no contexto de apaziguar o sentimento preconceituoso. O fato de nesse contexto discursivo não considerar a orientação sexual como relevante, significa dizer, que, apesar do indivíduo não se incomodar com a publicidade de sua orientação sexual, não a torna pública por simples medo de sofrer rechaços, e não, por considerá-la de fato irrelevante.
No segundo discurso a expressão “até porque” dá a ideia, novamente, de uma justificativa ao preconceito quando se diz que foram testadas qualidades diversas, opostas ao “defeito” de ser homossexual. Nessa vertente, sob a proteção de qualidades várias, louváveis no contexto empregatício, o fato de ser gay pode ser levado para um segundo plano de importância.
No terceiro discurso percebe-se uma sinonimização de “postura de trabalho” e “bom comportamento” com heterossexualidade, ou seja, comportar-se de forma típica de homossexuais, mais uma vez, associa a homossexualidade a “defeito” ou comportamento inadequado em ambiente de trabalho. As expressões “já é de mim” e o próprio “né”, nesse caso, reforçam implicitamente o fato de o indivíduo buscar, incessantemente, comportar-se de forma “adequada”, em conformidade com os padrões sociais estabelecidos para o contexto empregatício. Para isso, violenta-se diariamente a imprimir socialmente um “personagem” condizente com o esperado da sociedade, mas não condizente com a própria natureza do indivíduo.
Ainda em E3 nota-se uma ratificação da adequação de comportamento como uma tentativa de diminuir o preconceito e a violência “tendo uma postura diferente” daquela esperada de um homossexual, isto é, masculinizada, heteronormativizada, “impondo respeito”, não se comportando, assim, de forma feminilizada.
Quando o empregador, por alguma razão, não consegue admitir ou aceitar a obrigatoriedade, imposta legalmente, pelo Estado em seu discurso, vale-se de mecanismos secundários para materializar sua rejeição ao gay, usando-se de expressões tais como “você não se encaixa no perfil da vaga ou da empresa”.

3  O DISCURSO DO DESEMPODERADO

Para Bolson (2011, p. 21) o poder, sob a perspectiva de Michel Foucault (1998), não é visto como algo a se deter, como se fosse algo apropriável. Dizer que existem detentores do poder e submissos ao poder é impreciso, tendo em vista que o poder em si simplesmente inexiste, o que existem, de fato, e, são palpáveis são as práticas ou as relações de poder.
Ainda segundo a autora, o poder se apresenta sob um caráter relacional, pois ao se observar diferentes contextos sociais, as lutas contra o exercício de poder se dão internamente como forma de resistência. O poder para Foucault (1998) é aquele que coloca em jogo relações sociais, pois ao falar-se de poder legal e poder institucional, supõe-se que uns exercem um poder sobre os outros. O poder é capaz de produzir discursos, portanto faz parte de uma rede que atravessa todo o tecido social e mostra-se com efeitos produtivos.
A autora supramencionada, na mesma perspectiva, informa que Foucault (1998, p. 21) “compactua com a ideia de que este poder é, de alguma forma, consubstancial ao desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, estabelece o que poderíamos denominar de “funcionalidade econômica” na história das civilizações”.
 Nessa linha, percebe-se que o poder é instrumento fundamental para o empoderamento do sujeito. O empoderamento consiste em um processo dinâmico que envolve a cognição, afetividade e conduta de pessoas ou de grupos, capaz de promover o poder sobre si mesmos. Empoderar-se significa ter, nas próprias mãos, a direção da vida. Uma vez empoderados, os indivíduos passam à condição de sujeitos ativos socialmente e, portanto, aptos a modificarem o curso da própria vida, seja por meio da renúncia a situações de impotência e dependência, assim como tutelas desmedidas, seja por meio da luta por mais autonomia e autodeterminação para si, com e/ou para os outros, necessários nas relações de poder.
Walsh (2010) denomina esse empoderamento como “protagonismo de si mesmo”, significa dizer que a própria possibilidade do desenvolvimento não repousa na sociedade em si, mas sim nos indivíduos que a compõem, o desenvolvimento depende da forma com que as pessoas assumem suas vidas, quando os indivíduos têm o controle de suas vidas, atuando sobre suas condições de vida, então, tem-se desenvolvimento.
Em suas colocações, a autora retromencionada leciona que o indivíduo e a qualidade de vida, são sustentados por critérios chaves, quais sejam: liberdade, autonomia, coexistência e inclusão social. As duas primeiras encorajam a ação individual, a força de vontade e a determinação; a capacidade do indivíduo de exercer controle sobre sua própria vida é central para o desenvolvimento humano e para a expansão das liberdades humanas. Isso é empoderamento.
De outro modo, a sociedade, representada pelo Estado, apresenta um mecanismo de controle social das redes de poder, responsável por estabelecer padrões e discursos sociais particulares que todos devem seguir. Tanto a liberdade como a autonomia pessoais, necessárias ao sadio empoderamento do sujeito, são completamente esquecidas e os agentes sociais, então, veem-se obrigados a se enquadrar nos moldes estatais para que sejam reconhecidos socialmente. Tem-se, portanto, o desempoderamento do indivíduo, que perde o poder de autodeterminação, autorreconhecimento e autovalorização na tentativa de atender aos padrões e discursos sociais definidos.
É imperioso notar que o desempoderamento do indivíduo traz sérios prejuízos à construção social. O sujeito desempoderado enseja o empobrecimento das relações interpessoais e, por conseguinte, provoca pouco a pouco a fragmentação da comunidade, uma vez que a mesma necessita do protagonismo pessoal de cada um de seus agentes para a formação e fortalecimento dos vínculos sociais.
O Discurso do Desempoderado, nesse caso representado pelos empregados homossexuais, há muito está cercado por ignorância e preconceito de muitos nichos sociais, principalmente no que se refere à relação empregatícia, conforme já demonstrado. A situação se mostra mais clara quando os empregados são colocados diante do Discurso do Poder, cuja reação é motivada por impulsos emocionais que demonstram a sua situação de subserviência.
A repulsa acaba sendo automatizada até mesmo entre os próprios desempoderados que, inconscientemente, modificam seus comportamentos e condutas para estar em conformidade com o meio social preconceituoso. Nessa linha, seus discursos mostram-se carregados de submissão como uma tentativa de garantir o vínculo empregatício.
A intenção é que, ao receptor escutar a palavra, sua reação seja motivada por impulsos emocionais. Assim como um cachorro costuma balançar o rabo quando você apresenta um biscoito como estímulo, o feminismo trabalha para que quando a sociedade escute a palavra “machismo” tenha estímulo emocional de repulsa automática (VALENTE, 2013).

Diante dessa ponderação, o mesmo deve valer para a homofobia. O homossexual, visando a garantia de sua vaga ou pelo menos a permanência no emprego entra no jogo do poder, repreendendo a si próprio e obrigando-se a adequar-se ao senso comum, qual seja, o preconceito. Tal estratégia representa uma construção social de uma representação simbólica.

E1: “Tento me conter às vezes. pessoas afeminadas são vítimas de homofobia em qualquer lugar”;
E2: “Acho que por eu não aparentar ser gay logo ‘de cara’”;
E3: “Não houve questionamentos sobre sexualidade, mas houve uma análise de porte, onde avaliaram a forma como me visto porque às vezes preciso fazer reunião com os clientes”.

Frente aos três discursos acima enumerados, percebe-se que no primeiro discurso, a expressão “tento me conter” explicitamente significa a tentativa do empregado homossexual de mascarar sua condição. Porém, implicitamente vai além, uma vez que denota o medo de sofrer uma negativa de emprego por ser homossexual, justificando isso pelo fato de que pessoas (homossexuais) afeminadas são vítimas de homofobia em qualquer lugar.
O discurso E2, por seu turno, reforça o alegado no primeiro discurso, isto porque, o homossexual que demonstra, a todo o momento, sua identidade ou não possui condições de escondê-la sofrerá o preconceito certamente.
No terceiro discurso observa-se que a expressão “mas” busca encobrir uma possível manifestação preconceituosa por parte do empregador, uma vez que a análise de “porte” é, no discurso, tida como fator atenuante de uma avaliação de comportamento, na qual, eventualmente, posturas compreendidas como típicas de homossexuais seriam reprováveis. 
Nos três discursos percebe-se o desempoderamento do sujeito, que nada mais é que a perda da capacidade de autodeterminação enquanto pessoa humana. Em termos práticos, o desempoderamento dos empregados homossexuais é uma forma de justificar a ocultação de sua condição, retirando de si mesmos a possibilidade de, enquanto homossexual, vivenciar ou exteriorizar, ou ainda, demonstrar tal característica, maximizada em contexto empregatício.

4  DESENVOLVIMENTO EM ESCALA HUMANA: O INDIVÍDUO COMO PROTAGONISTA DE SI MESMO

O Desenvolvimento em Escala Humana é uma nova perspectiva de política desenvolvimentista que preconiza o ser humano no lugar de fatores político-econômicos, isto é, centraliza a pessoa humana no processo de desenvolvimento. Note-se então que a força propulsora do Desenvolvimento Local é o Desenvolvimento em Escala Humana, de modo que a participação dos agentes sociais é a peça-chave para dar início ao processo desenvolvimentista; é o motor que ativa e impulsiona todos os demais elementos envolvidos nesse processo. Em outras palavras, é o desenvolvimento que deve partir do homem para o homem, em conformidade com todos os direitos inerentes à pessoa humana.
Isso é feito por intermédio de ações que potencializam a qualidade de vida dos indivíduos que pode ser mensurada por critérios objetivos e/ou subjetivos. Os primeiros enxergam a qualidade de vida por meio de variáveis como renda, lazer, níveis de educação, etc., enquanto que os últimos procuram correlacionar a qualidade de vida com as liberdades humanas, direitos e participação sociais de forma simbiótica.
Nessa perspectiva a dimensão humana é imprescindível ao desenvolvimento local, razão pela qual, as políticas públicas devem priorizá-la e respeitá-la. A consciência da dignidade humana deve, portanto, estar presente em cada estratégia política de organização, seja ela social ou individual, de forma que se for verificada uma estrutura social contrária aos direitos humanos, esta será extinta (MAX-NEEF, 1993).
No que se refere aos critérios objetivos, sob a ótica do Desenvolvimento em Escala, tem-se que são insuficientes ou menos apropriados para mensurar a qualidade de vida, visto que, esta se relaciona à noção de “bem-estar” individual, que como o próprio nome diz deve ser compreendida a partir de critérios subjetivos. Sobre “bem-estar” Siqueira e Padovam (2008, p.202) salientam que é possível observar o adequado nível de bem-estar somente quando o indivíduo for capaz de reconhecer e se manter em um nível elevado de satisfação com a própria vida, com uma alta frequência de experiências emocionais positivas e uma baixa frequência de experiências emocionais negativas. Segundo os autores, o bem-estar, enquanto percepção subjetiva é um importante indicador de qualidade de vida e não pode ser confundido com as posses ou nível econômico do indivíduo.
Nesse sentido, Walsh (2010, p.29) entende que possibilidade de desenvolvimento não repousa na sociedade em si, mas sim nos indivíduos. Uma vez que, a partir do momento que os indivíduos detêm o controle de suas próprias vidas, atuando sobre suas condições de vida, tem-se o desenvolvimento. Segundo a autora, o indivíduo e a qualidade de vida formam um binômio principiológico, sustentado por quatro critérios-chave, a liberdade, a autonomia, a coexistência e a inclusão social, fomentando seu aspecto subjetivo.
Qualidade de vida é um conceito ligado à realização própria individual, estando albergada na possibilidade, mesmo que entremeada por dificuldades, de se conseguir “viver bem” e se auto-afirmar enquanto cidadão. Isto é, participante do processo de desenvolvimento, na modalidade de ator social, o que se traduz no empoderamento do indivíduo como requisito ao Desenvolvimento em Escala Humana. Esse empoderamento não pode ser “total”, mas sim comedido à dimensão dos direitos humanos, sociais e constitucionais da pessoa humana, não extrapolando os limites ou direitos alheios.
Diante de tais colocações é possível concluir que a qualidade de vida deve ser compreendida como fator relevante para o desenvolvimento em escala humana e projetada numa esfera individual, pois, representa as percepções do indivíduo enquanto ser humano e social e, consequentemente, membro participativo da sociedade em que está inserido, empoderado na medida de seus próprios direitos. Nesse viés, o critério para a obtenção de uma vida qualitativa é, justamente, a satisfação das necessidades humanas fundamentais que devem orbitar em torno da autodeterminação do ser (empoderamento) com o fim de proporcioná-lo o “protagonismo de si mesmo”, isto é, a capacidade de se compreender como ser social, dotado de direitos, deveres e possibilidades, inclusive de alcançar por meios próprios, seus anseios e objetivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme observado, a sociedade é composta por relações de poder, identificadas nos interdiscursos dos agentes sociais envolvidos no contexto empregatício, os quais, por meio da técnica da Análise Crítica do Discurso, evidenciam o conflito e o preconceito naquilo que se refira à orientação sexual do empregado homossexual.
Poder e discurso estão intimamente ligados. O Estado ocupa a posição de detentor do poder e exerce-o, externamente, por meio do Discurso do Poder, ao passo em que o empregado homossexual representa o sujeito subjugado ao poder, utilizando-se do Discurso do Desempoderado para ser inserido no meio empregatício e social.
Trata-se, portanto, de uma rede de poder, em que o Estado, representante da sociedade, estabelece os padrões e discursos sociais a serem seguidos tanto pelos empregadores e clientela, como pelo empregado homossexual. Esse fenômeno acaba por desencadear um processo de desempoderamento do sujeito, uma vez que o empregado vê-se obrigado a “amoldurar-se” a esses padrões, esquecendo-se de sua liberdade, autonomia e autodeterminação – protagonismo de si mesmo.
Cumpre observar que o empoderamento dos indivíduos é imprescindível ao desenvolvimento da sociedade. Quando as pessoas tomam a direção e controle de suas vidas (empoderamento), sentem-se encorajadas à ação individual e apresentam força de vontade e determinação. Dessa forma, exercer o controle sobre sua própria vida é crucial para o desenvolvimento humano.
Nos discursos analisados, referida constatação restou bastante evidenciada, principalmente quando se analisa o discurso dos empregados, que buscam conforme demonstrado, de forma obscura, disfarçada, mascarada introduzir-se no “mundo dos poderosos”, tendo em vista sua situação de vulnerabilidade e marginalidade.
Por fim, tem-se que as práticas preconceituosas ainda são recorrentes na sociedade, mesmo diante de leis que as desestimulem (Discurso Oficial). O empregado homossexual acaba por imitar o Discurso do Poder buscando sua inclusão social a longo prazo e, a curto prazo sua manutenção no posto de trabalho.

REFERÊNCIAS

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SIQUEIRA E PADOVAN

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