Contribuciones a las Ciencias Sociales
Octubre 2014

FRONTEIRAS E SUBJUGAÇÃO DO OUTRO, OS LIMITES DA REINVENÇÃO HUMANA



Francisco da Silva Queiroz (CV)
ticofqueiroz@hotmail.com



Resumo

O propósito deste texto é resgatar uma reflexão sobre as formas e processos que introduzem a (re) produção das cidades. Sendo a cidade protagonista e reflexa da materialização perversa, a serviço do capital, em desdém das reais necessidades humanas. Refletiremos sobre um conceito fundamental, porém complexo e pertinente da Geografia enquanto Ciência. Ao falarmos de fronteira, temos que ser minimamente comovidos com o acordo deste conceito com outros, tão importante quanto das ciências geográficas ou outras ciências afins. Fronteira, assim como região, por si só, são conceitos socialmente determinados, dependentes dos indicadores de interesses que lhes constroem e destroem, com bases nos referenciais culturais e ideológicos de dominação e pertencimento ou não pertencimento.

Palavras Chaves: Desigualdade – Cidade - Fronteira

Borders and Subjugation other, the limits of human reinvention.

Abstract

The purpose of this text is to rescue a reflection on the ways and processes that introduce the (re) production of cities. Being the city of protagonist and reflex perverse embodiment, the service of capital, in contempt of the real human needs. Reflect on a fundamental concept, but complex and pertinent Geography as Science. In speaking of the border, we have to be minimally touched by the agreement this concept with others, as important as geographical sciences or other related sciences. Border, as well as a region by itself, are socially determined concepts, dependent on indicators of interest that build and destroy them, with bases in the cultural and ideological references of domination and belonging or not belonging.

Key words: Inequality - City - Frontier

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da Silva Queiroz, F.: "Fronteiras e subjugação do Outro, os limites da reinvenção humana” ", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Octubre 2014, www.eumed.net/rev/cccss/30/desigualdade.html

Introdução
Neste texto refletiremos sobre um conceito fundamental, porém complexo e pertinente da Geografia enquanto Ciência. Ao falarmos de fronteira, temos que ser minimamente comovidos com o acordo deste conceito com outros, tão importante quanto das ciências geográficas ou outras ciências afins.
No entanto, fronteira não existe por si só, ou seja, ela mesma não se define como fronteira, assim como natureza, espaço, lugar, paisagem, território e assim por diante. Todavia, ela existe na ideia que nos aponta até onde é - mas então o que é fronteira? Se tudo, inclusive a própria ideia de fronteira é criação humana racionalizada.
 
A natureza física, assim definida pelos “olhos da cultura”, não estabelece guardiões de fronteiras e tampouco estabelece limites de forma deliberada. Na natureza, o limite é um elemento intruso, idealizado. Na natureza, o limite existe como vida. [...] parece abstração refletir sobre uma natureza que não seja humana. [...] A natureza, assim, adquire o significado que os olhos pretendem lhe fornecer. O conjunto geomorfológico adquire o significado de limite, indiferente à sua própria topografia e ao sentido tomado pelas águas. As cartografias, contudo, fornecendo-lhes o significado de divisor (HISSA, 2006, p.20-21; grifo nosso).

Com base nos pressupostos de RAFFESTIN (2005), nestes novos tempos nos quais o universalismo global reina a partir da intenção do contato com a modernidade, intensificando-se principalmente após a expansão dos meios técnicos científicos e informacionais, o mito 1 das fronteiras que separam Estados-Nações é substituído por outro mito, o da eliminação das mesmas fronteiras, onde, mesmo na intenção de sua inexistência estaremos sempre demarcando, separando ou territorializando lugares.
Todavia, a ideia pobre (eurocêntrica) que herdamos de fronteira pressupõe uma linearidade, ao exemplo de Estado-nação, quando na realidade devemos desmembrar fronteiras num sentido amplo que desobedeça a uma regra ou uma ordem – a descontinuidade das fronteiras ressurge na presença dos “outros”, porém, quando os outros se transformam em mesmos, as fronteiras se redefinem sobre novos pressupostos de apropriação, dominação, poder, causando a ideia de flexibilidade e de território como fator social móvel e instável.

As Fronteiras no caminho dos outros e a propriedade privada enquanto limite

  Fronteira, assim como região, por si só, são conceitos socialmente determinados, dependentes dos indicadores de interesses que lhes constroem e destroem, com bases nos referenciais culturais e ideológicos de dominação e pertencimento ou não pertencimento.
 
A reflexão e mais ainda a ausência de reflexão a respeito do significado de fronteira ratificam a falta do regramento nos diversos aspectos do pensamento e da ação. A vontade de eliminar as regras e por consequência, os ritos e códigos, é uma formidável manifestação de uma cultura inteira colocada em cheque. Utilizo o adjetivo “formidável” no seu sentido etimológico (“que inspira angústia”), pois há que se sentir medo diante da amnésia incrível que está nos fazendo perder os antecedentes de nossa cultura, como se refere George Steiner (RAFFESTIN, 2005, p.10).
 
As Reformas religiosas históricas trouxeram consigo a ideia de que trabalho é salvação e virtude, e o ócio passou a ser condenado em seu lugar. O Renascimento cultural promoveu o desenvolvimento das artes e das ciências reforçando a ideia do trabalho como libertação, como possibilidade de domínio do homem sobre a natureza.
 No entanto, o homem passou a ser a figura central (Antropocentrismo), protagonista das relações entre sociedade e natureza, adventos da dita modernidade, que proporcionou uma grande ruptura ou distanciamento, onde a natureza passou a ser pensada enquanto recurso, não mais enquanto parte/extensão do homem: “Os olhos, servindo-se dessa geometria, põem-se a inventar o limite das “coisas originais” provenientes da natureza. Por sua vez, os limites no território são incontestavelmente políticos e pressupõem a projeção do trabalho e da cultura” (HISSA, 2006, p. 37). 
 As grandes navegações, a expansão do mercantilismo, a ascensão da burguesia enquanto classe social junto aos movimentos históricos do Iluminismo/Individualismo propiciaram os avanços técnicos e científicos, contribuindo para a ideia de trabalho como valor positivo, que reforça o discurso de possibilidade de ascensão social do homem (ou sua “libertação”) através do exercício laboral.
Percebemos, nos processos integracionistas, a partir do surgimento de blocos de parcerias regionais como Mercosul / União Europeia, que fronteiras são delimitações, onde, ao mesmo tempo que impõem limites nas relações consensuais, simultaneamente são flexíveis, transgredindo as limitações quando os interesses, principalmente econômicos/comerciais, se voltam para fora – fronteira captação – redefinindo neste contexto novas fronteiras.
 
Já no âmbito dos diversos grupos étnicos que estão “do outro lado”, e no âmbito das respectivas concepções do espaço e do homem, a fronteira é, na verdade, ponto limite de territórios que se redefinem continuamente, disputados de diferentes modos por diferentes grupos humanos. Na fronteira, o chamado branco e civilizado é relativo e sua ênfase nos elementos materiais da vida e na luta pela terra também o é (MARTINS, 2009, p.10; grifo nosso).

Quando pensamos em um bloco de integração em rede como, por exemplo, Mercosul, temos que perceber a existência da heterogeneidade de sujeitos e interesses vivenciando um mesmo espaço, regado de historicidades desencontradas, considerando culturas, crenças, religiões e ideologias divergentes, que se combinam e (des)combinam, numa mesma produção de espaço dialético que se constrói justamente a partir desta lógica.

A representação que a cultura ocidental faz atualmente da fronteira é de uma pobreza tão absoluta, que precisa ser alertada, pois ela é negação de toda uma historia. E não somente da historia que se deu conta de mudanças através do tempo, que não passam de uma “projeção de preocupações internas, imediatas e precárias”, e sim de uma história mais enraizada nos antigos ritos e práticas (RAFFESTIN, 2005, p.10).
    
No entanto, a mesma fronteira que mede ou que impõe resistência entre os corpos, entre o sagrado e o profano, entre o eu e o outro, entre um país e outro, permite fluidez e interpenetrações temporais, coincidente à produção socioespacial momentânea. A noção/discussão sobre fronteiras se amplia nos momentos em que as margens ou os outros vão sendo constatados como parte de um contexto espacial, intrinsecamente a essa expansão, temos o contato com outras formas e comunicações, ou mesmo que, a partir de processos colonizadores.  
Assim, o que o homem ou o Ocidente decodifica como desordem, talvez seja somente, de fato, uma ordem fundada em ritos, critérios e crenças originais que mudam descontinuamente. Então o “mix” do espaço é o tempo? E as temporalidades desencontradas de histórias e estórias definem novos espaços.

Mas o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente, a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro. Não só o desencontro e o conflito decorrentes das diferentes concepções de vida e visões de mundo de cada um desses grupos humanos. O desencontro na fronteira é o desencontro de temporalidades históricas, pois cada um desses grupos está situado diversamente no tempo da história (MARTINS, 2009, p.133).

Porém, fronteiras se redefinem a partir de novos olhares (expectativas), assim toda fronteira que se preza, permite a transgressão, pois o próprio ato de pensar a fronteira se inicia no pensar à transgressão. “A fronteira e suas metamorfoses podem ser a consequência de modificações não visíveis no sistema de valores. Quando a delimitação não é mais possível no interior de um conjunto cultural, fica à disposição somente a malha dos territórios” (RAFFESTIN, 2005, p.15). Assim, no interior das malhas territoriais, ressurgem novos valores culturais, pois o contato não é finito, e esses novos valores definem novas fronteiras. No entanto, a própria noção de fronteira se reforça na:

[...] alteridade e à particular visibilidade do outro,daquele que ainda não se confunde conosco nem é reconhecido pelos diferentes grupos sociais como constitutivo do nós. Refiro-me, também, à liminaridade própria dessa situação, a um modo de viver no limite, na fronteira, às ambiguidades que dela decorrem (MARTINS, 2009, p.10).

Porventura, mediante variadas noções de fronteiras, essas que separam ao mesmo tempo em que misturam as materializadas e as imaterializadas, relevamos uma, a fronteira dos humanos, no interior desta observamos todas as outras fronteiras enraizadas, separando pessoas que se querem distantes mesmo que próximas, e que por violência constrói e marginaliza o outro. “Neste sentido, a fronteira tem um caráter litúrgico e sacrificial, porque nela o outro é degradado para, desse modo, viabilizar a existência de quem o domina, subjuga e explora” (MARTINS, 2009, p.11).
O choque entre culturas de sociedades ou civilizações opostas redefine novas culturas, inerentes ao hibridismo causado pelo encontro, pois mesmo que culturas resistam, são nas fronteiras que o humano encontra seu limite histórico, já pré-motivado pelo desejo de transgressão da norma.

Nossa identidade nacional se constrói sobre o canibalismo simbólico que devora no outro o que queremos ser, na constituição problemática de um nós edificado sobre a alteridade intolerante de uma visão missionária do mundo e do homem. É na fronteira que nasce o brasileiro, mas é aí também que ele se devora nos impasses de uma historia sem rumo. [...] A fronteira não é um momento folclórico da grande aventura em que se constitui a historia do Brasil. É um pilar na estrutura da sociedade brasileira, uma cruz a ser carregada, o débito de uma vitória histórica que nos instiga a aceitar que chegou o tempo de orientar para perto o olhar viciado no longe dos confins da sociedade liminar que temos sido. Perdidos na alteridade da captura do outro, ainda não decidimos nem aprendemos a capturar o nós das nossas esperanças históricas. Enigmas do vazio no caminhar sem rumo (MARTINS, 2009. p.21; Grifo nosso)
 
 Martins, na sua pesquisa sobre a frente de expansão do norte do Brasil, relata a disputa de terras entre indígenas, camponeses, grileiros e fazendeiros, da ambição e desejo de povos em se efetivar em um território em que se sintam donos ou pertencentes.
 Não distante desta análise, destacamos o papel da propriedade privada da terra, direito garantido constitucionalmente, seja ela urbana ou rural. Todavia, a própria capacidade cumulativa de compra, da troca de dinheiro capital por propriedade de terra possibilita fronteiras entre valores de uso versus valores de troca, onde a posse no sentido acumulativo de captação e exploração subjuga a necessidade de função social da terra, seja ela do habitar ou pertencer dos sujeitos ao lugar, referenciais que legitimam a existência da identidade humana.

O habitar envolve a produção de formas espaciais, materiais, bem como um modo de habitá-las e percebê-las. É um termo poético, porque envolve um tempo de criação nos modos de apropriação, que organiza e determina o uso. Produz limitações, ao mesmo tempo em que abre possibilidades. O habitar – que guarda a dimensão do uso – envolve o corpo no sentido de que o usador tem uma presença real e concreta, restituindo desse modo a presença e o vivido. Envolve um lugar determinado no espaço, portanto uma localização uma distancia que se relacionam com outros lugares da cidade e que, por isso, ganham qualidades específicas. Nessa direção, o espaço do habitar tem o sentido dado pela reprodução da vida, tratando-se do espaço concreto dos gestos, do corpo, que constrói a memória, porque cria identidades, com bases nos reconhecimentos (CARLOS, 2001 p.219).

No entanto, a propriedade privada e sua especulação impõem limites ao homem moderno incapaz financeiramente de comprar seu acesso ao uso, até porque, o valor de uso da terra está relegado a segundo plano, quando a terra ganha status de mercadoria, o que determina economicamente o não pertencer do outro, quando o subjuga ou expulsa, sobre legitimação dominante de propriedade, revelando tamanha dimensão das contradições nas relações sociedade/natureza, ascendendo-se o papel dos sujeitos donos em detrimento dos sujeitos pertencentes ao lugar.
 Assim, a força da propriedade privada se coloca acima das necessidades básicas de sobrevivência, daqueles que necessitam de um pedaço de “chão” para se reproduzir, inclusive, enquanto indivíduo. Todavia, o direito à terra ou à cidade se restringe aos privilégios de retenção e acumulação.
 
Isso significa dizer que o espaço torna-se mercadoria, entra no circulo da troca, e com isso espaços antes desocupados se transformam em mercadoria, entrando na esfera da comercialização. Na realidade, o processo de reprodução do espaço, no mundo moderno, se submete cada vez mais ao jogo do mercado imobiliário ­­­­­–– na medida em que a novas estratégias para a acumulação que se realiza por meio dos empreendedores imobiliários ­­–– e das políticas estratégicas do Estado –– que tende a criar o espaço da dominação e do controle. Com isso, transforma-se substancialmente o uso do espaço e, consequentemente, o acesso da sociedade a ele. Nesse contexto o valor de troca –– impresso no espaço-mercadoria –– se impõe ao uso do espaço na medida em que os modos de apropriação passam a ser determinados, cada vez mais, pelo mercado. O consumo do espaço se analisa no movimento da transformação do uso em troca –– de sua mutação em mercadoria ––, que impõe o fato de que seu acesso se realiza pela mediação do mercado, acentuando o papel e a força da propriedade do solo. Tal fato implica profundas mudanças nos modos de uso (CARLOS, 1999, p.175; Grifo nosso).

Todavia, percebemos que os anseios de se apropriar do espaço, sobre a lógica contemporânea de acumulação capitalista, sacrificam sonhos de pertencimento, onde o próprio pertencimento ou uso do espaço enquanto lugar se restringe (muitas vezes) à lógica de domínio, controle e poder privado sobre a terra.
 No entanto, historicidades desencontradas estão a todo momento se encontrando, apesar da lógica de “desenvolvimento” influenciar novas culturas, o encontro possibilita que os eles nunca mais sejam os mesmos de antes, porém, deparamo-nos com civilizados encontrando bárbaros, colonizadores encontrando índios, fazendeiros encontrando ribeirinhos, ricos encontrando pobres, todos numa relação margeada por fronteiras.

Muitos imigrantes brasileiros no Paraguai utilizam bastante o discurso classificatório de que são os “pioneiros” e os “trabalhadores”, enquanto veem os paraguaios como ociosos e que não sabem trabalhar. É provável que a força desse discurso sirva para legitimar a presença brasileira naquele país e rebater os discursos críticos que acusam esses brasileiros de “invasores” da nação e “destruidores” do meio ambiente. Os imigrantes, principalmente aqueles que vieram do sul do Brasil e que conseguiram ascender socialmente no Paraguai, assumem o discurso do progresso e de que, portanto, são os únicos capazes de desenvolver um projeto de modernização no país (ALBUQUERQUE, 2010, p.163; Grifo nosso).

Albuquerque (2010) faz um estudo de caso do choque de culturas e interesses numa região de fronteira, entre brasileiros e paraguaios, onde as ideologias do trabalho dos imigrantes europeus, representadas pela figura do gaúcho, cruzam com outra lógica de trabalho pejorativamente chamados de atrasados, representantes de outras historicidades, na figura de índios paraguaios e mestiços.

As referências comuns são que os paraguaios vivem outro tempo histórico, “pararam no tempo” ou “estão há um século no passado”, pois continuam plantando os mesmos produtos por meio do trabalho manual. Nessa perspectiva, haveria uma fronteira do tempo entre os fazendeiros brasileiros e os camponeses paraguaios (ALBUQUERQUE, 2010, p.178; Grifo nosso).

  Portanto, a resistência a não utilização de técnicas renovadas e produtivistas, ou mesmo de uma adaptação desacelerada, enriquece discursos de subjugação do outro, ora brasileiros (ou europeus) vistos como “invasores e destruidores” do meio ambiente, ora paraguaios (ameríndios), vistos como “preguiçosos e atrasados”. Por fim, no entorno de todo esses conflitos, há uma grande disputa por recursos e terras, herdados do determinismo das relações de identidade com o solo, legitimadores de propriedade e poder.

Nesse cenário, os conceitos de raça, nação, civilização, trabalho e desenvolvimento se combinam e impulsionam diversas formas de discriminação [...] os europeus brancos são os portadores da civilização e do progresso, pois têm uma maior capacidade de trabalho, enquanto os negros, índios e mestiços americanos simbolizam o atraso, a barbárie e a preguiça (ALBUQUERQUE, 2010, p.164).
 
No entanto, o conflito entre identidades, culturas e formas de trabalho divergentes, possibilita fronteiras entre imigrantes e nativos, entre colonizados e colonizadores, fronteiras essas que se materializam em discursos de subjugação do outro, onde brasileiros e paraguaios reafirmam a existência de estórias desencontradas, prevalecendo o pragmatismo dominante dos considerados mais “desenvolvidos” 2, seguido da lógica de acumulação capitalista.

Considerações Finais

O que idealizamos como fronteira, o que dizemos das coisas e da natureza, é só o que acreditamos que elas sejam, as coisas por si só não existem sem a percepção humana, parece óbvio, mas a grande complexidade se encontra presente nas variedades de percepções, onde simplesmente reinventamos espaços, paisagens, territórios e regiões sob olhares diferenciados das coisas.

O limite, a fronteira, a regra, o rito, o cerimonial, para citar apenas estes elementos que pertencem a uma mesma constelação, constituem metaforicamente antes e depois, sistemas de “saliência – espírito com sentido implícito” e por qualquer ângulo que se queira analisá-los, funcionam sempre como mecanismos de regulação. [...] Quando até mesmo o limite materializado é revestido de importância, na medida em que ele assume além de um traço sobre o solo a presença da ordem, sua manifestação, de alguma forma, para o outro, é muito marcante, já que resulta de um rito, de um costume (RAFFESTIN, 2005, p.11,12).

Com base nestes pressupostos, existem profundas diferenças entre cartografar caminhos e cartografar processos, entre a identificação do objeto e a identificação do sujeito, mas podemos afirmar que essas diferenças se encontram nas formas do ato de cartografar, ou ainda, na observação metodológica direcionada.
Os apontamentos dão conta de que estamos em tempo de superação, de ressurgimento, nas fendas das fronteiras ou, se preferir, na mescla das fronteiras, de novos territórios epistêmicos, ou seja, a afirmação de novas – velhas epistemes territoriais. Surgem então, Geo-grafias: no cruzamento de novas e velhas grafias do mundo. Trata-se de uma multiplicidade de olhares, de formas de grafar o mundo, de grafar o espaço.
Assim, para a compreensão do que é moderno, não podemos desconsiderar as variadas possibilidades, de interpretação das coisas, ou do que é fronteira. Contudo, ciência não pode se reduzir a uma percepção exclusiva, sobrepondo-se a variadas alternativas, pois o ato da criação /ou criatividade se fundamenta na combinação, na mistura.
Por fim, a própria ordem das coisas são processos a partir de formas (de que forma se quer ordenar) e a representação de alguns caminhos, não significa o mundo, nem o todo. Os índios não são brasileiros, eles estão no mapa do Brasil. E as fronteiras de delimitação territorial entre índios e nós, são temas desse espaço que estamos reinventando ou reconstruindo, onde o traçado das fronteiras é o traçado das diferenças que idealizamos.

Referencias Bibliográficas

ALBUQUERQUE, José L. C. A dinâmica das fronteiras: os brasiguaios na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. São Paulo: Annablume, 2010. 
CARLOS, Ana Fani, A. O consumo do espaço. In: Carlos, Ana Fani A. (org.). Novos caminhos da Geografia. São Paulo: Contexto, 1999, p. 173-186.
HISSA, Cássio E. V. A mobilidade das fronteiras: inserção da Geografia na crise da modernidade. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2006.
MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997, p.09-77 e 145-203.
QUEIROZ, Francisco da Silva. As fronteiras do caminho: ocupação de áreas urbanas e desigualdade socioespacial em Dourados-MS. Dourados, 2010. Monografia (Bacharelado em Geografia) – FCH/UFGD.
RAFFESTIN, Claude. A ordem e a desordem ou os paradoxos da fronteira. In: Oliveira, Tito C. M. de (org.). Territórios sem limites – estudos sobre fronteiras. Campo Grande: Ed. UFMS, 2005, p. 9-15. 
SANTOS, Douglas. A reinvenção do espaço: diálogos em torno da construção do significado de uma categoria. São Paulo: Ed. da UNESP, 2002.  


1  Mito, pois entendemos que fronteiras não existem por si só – historicamente as sociedades e Estados materializam fronteiras com bases ideológicas - para indicar até onde vão seus territórios de pertencimento ou domínios. 

2 Desenvolvimento do que, para que, para quem, neste sentido, o próprio discurso de “desenvolvimento”, esse imposto verticalmente, tem que ser repensado.