Contribuciones a las Ciencias Sociales
Julio 2014

DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL E RESPOSTA CORRETA: A TEORIA DA DECISÃO EM TEMPOS DE PÓS-POSITIVISMO



Danilo Pereira Lima (CV)
danilopldireito@gmail.com
PPGD da Unisinos



RESUMO

Diante das transformações filosóficas que superaram a tradição do pensamento metafísico, não faz mais sentido que os juristas continuem apoiando-se no paradigma do positivismo pós-exegético para compreender os complexos problemas enfrentados pela teoria do direito na contemporaneidade. Nesse sentido, para que o Poder Judiciário tenha uma atuação compatível com o paradigma do Estado Democrático de Direito, mostra-se necessário encarar aquilo que o positivismo normativista ocultou, ao deixar numa posição secundária questões jurídicas mais pragmáticas, como o caso da interpretação, da discricionariedade e da decisão judicial. Desse modo, o presente trabalho pretende criticar a discricionariedade interpretativa exercida no âmbito do Poder Judiciario, a partir da filosofia hermenêutica de Heidegger, da hermenêutica filosófica de Gadamer e do pensamento pós-positivista de Dworkin.

Palavras-chave: positivismo; discricionariedade; hermenêutica; teoria da decisão; resposta correta.

ABSTRACT

After the philosophical transformations that overcame the metaphysical tradition, there's no reason, at this time, for lawyers to comprehend the complex problems they encounter in jurisprudence based on the post-exegetical positivism. Based on this, for the Judicial Branch realise its duty in accordance to the Rule of Law, it's necessary to face what normative positivism hides, leaving on background questions such as interpretation, judicial discretion and the judicial decision. In this sense, the present paper intends to criticise the judicial discretion attributed to the organs of the Judicial Branch, based on Heidegger's hermeneutics, Gadamer's philosophical hermeneutics and Dworkin's post-positivist thinking.

Keywords: positivism, discretion, hermeneutics, a theory of the judicial decision, right answer.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Pereira Lima, D.: "Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em tempos de pós-positivismo", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Julio 2014, www.eumed.net/rev/cccss/29/positivismo.html

Introdução
           
Logo no início do livro Organización del Poder y Libertad, Nicola Matteucci propõe uma definição tipológica em torno do constitucionalismo, ao destacar a limitação do exercício do poder estatal e a proteção das liberdades políticas, sociais e civis, como questões centrais na história do constitucionalismo moderno. Para sustentar esta posição, Matteucci analisou a formação do constitucionalismo inglês, francês e estadunidense, como experiências institucionais fundamentais para o enfrentamento contra o poder arbitrário, levando em consideração as peculiaridades de cada uma das realidades históricas. 1 Dessa forma, com base na leitura deste livro, é possível afirmar que a história do constitucionalismo democrático está marcada profundamente pela luta contra qualquer tipo de manifestação autoritária do poder estatal, o que torna o ativismo judicial, a partir da chamada discricionariedade das decisões judiciais, um problema extremamente relevante para o Constitucionalismo Contemporâneo, 2 pois, em tempos de Estado Democrático de Direito, permitir que a decisão judicial seja transformada em um simples ato de escolha política, é, no mínimo, colocar o regime democrático em risco, principalmente em terrae brasilis, onde uma tradição política autoritária perdurou por tanto tempo. 3
Foi para romper com esta tradição autoritária que a Constituição de 1988 foi promulgada, tornando-se a carta política mais democrática que a sociedade brasileira construiu durante toda a República. Após diversos golpes de Estado, regimes políticos autoritários e a total ausência de liberdade política, a Constituição de 1988 foi capaz de resgatar as grandes promessas da modernidade, representadas principalmente pela igualdade, justiça social e garantia dos direitos humanos fundamentais. Desse modo, com o advento da nova Constituição, questões historicamente relegadas ao campo da política foram incorporadas pelo Direito, fazendo com que as crescentes demandas sociais passassem a buscar a sua realização no Poder Judiciário. Esta redefinição colocou os magistrados em uma posição proeminente para a concretização dos direitos sociais, o que, todavia, não deve(ria) levar ao decisionismo ou ao ativismo judicial, já que em nenhum momento o novo paradigma constitucional deu margem para posições discricionárias, mas, pelo contrário, passou a exigir do Poder Judiciário decisões mais bem fundamentadas, não com base em política, mas com base em toda principiologia constitucional.
Com efeito, essa noção de discricionariedade judicial é resultado do aparecimento da indeterminação do direito, tese sustentada pelo positivismo normativista. Assim, após a superação do positivismo primitivo (onde a discricionariedade se encontrava no nível da política), por meio do normativismo Kelseniano e do positivismo moderado de Hart, todas estas correntes do pensamento jurídico passaram a sustentar a vontade discricionária do intérprete frente à “impossibilidade” de qualquer tipo de controle das decisões judiciais. Desse modo, diante da ausência de um método para garantir a correção do processo interpretativo, as teorias positivistas delega(ra)m aos juízes um poder arbitrário para preencher a “zona de incerteza” presente nos casos difíceis. É preciso destacar, que o novo paradigma constitucional, do Estado Democrático de Direito, não deve(ria) ser reconhecido por transferir a discricionariedade do nível da política para o nível do direito. Imaginar que a discricionariedade judicial é uma característica do constitucionalismo hodierno é um grave equívoco. Seria um grande contra-senso, para a teoria direito, continuar apostando em posições arbitrárias no âmbito do Poder Judiciário, logo num momento em que o Constitucionalismo Contemporâneo ampliou a concretização de mais conquistas democráticas, o que significa uma clara superação de qualquer tipo de arbitrariedade no exercício do poder estatal. Se na época do Estado absolutista o grande desafio era acabar com a discricionariedade exercida pelo monarca e, após a revolução francesa, o dilema para o constitucionalismo era controlar a discricionariedade exercida no âmbito do Parlamento, nos tempos atuais, limitar a atuação dos juízes e afastar a discricionariedade das decisões judiciais se mostra fundamental para uma teoria do direito compatível com o Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, é necessário frisar que a discricionariedade judicial não pode ser confundida com aquilo que o direito administrativo apresentou como ato discricionário e ato vinculado, ambos totalmente diferentes de atos arbitrários. Foi para superar a arbitrariedade da administração pública, presente no antigo regime, que surgiu o ato discricionário do administrador, buscando dar maior legitimidade a nova estrutura burocrática que emergia do Estado Liberal de Direito.  Assim, este ato discricionário, presente no direito administrativo, é o ato autorizado pela lei e, por isso, deve ficar totalmente adstrito ao princípio da legalidade. 4 Por meio desta discricionariedade, o agente da administração pública está autorizado por lei, a partir de um juízo de conveniência e oportunidade, a escolher os meios necessários para alcançar os fins estabelecidos por ela. É preciso frisar que o administrador público possui legitimidade constitucional para realizar escolhas políticas, ao contrário do Poder Judiciário, que, além de não ser um órgão político, não tem seus membros escolhidos pelo eleitor. Assim, fica demonstrado que a discricionariedade, do direito administrativo, não pode(ria) ser vista como sinônimo de arbitrariedade, já que, além de estar adstrito ao princípio da legalidade, também sempre estará sujeito ao controle jurisdicional. 5  
Portanto, a partir do que foi exposto acima, o presente trabalho pretende analisar o problema da discricionariedade judicial como algo que compromete seriamente a realização do Estado Democrático de Direito. A atuação arbitrária, de qualquer órgão estatal, é inaceitável no Constitucionalismo Contemporâneo. Por isso, a insistência do pensamento dogmático, em continuar apoiando-se no positivismo jurídico pós-exegético, tem colaborado ainda mais no despreparo do Poder Judiciário para enfrentar as novas demandas constitucionais, já que todas as transformações ocorridas na filosofia, a partir do giro ontológico-lingüístico, não foram devidamente recepcionadas pela teoria do direito. A superação das teorias positivistas pós-exegéticas, a partir do giro ontológico-lingüístico, apresenta-se como condição de possibilidade para a realização do Estado Democrático de Direito, pois, diante da sobrevivência dessas velhas teorias, o jurista acaba por se manter numa condição completamente despreparada para enfrentar o problema da interpretação, da discricionariedade e da decisão judicial.
Assim, frente às transformações filosóficas que superaram a tradição do pensamento metafísico clássico e moderno, não faz mais sentido que os juristas continuem apoiando-se no positivismo pós-exegético como solução para os problemas complexos enfrentados pelo Direito. Para que o Poder Judiciário tenha uma atuação compatível com o paradigma do Constitucionalismo Contemporâneo é necessário encarar aquilo que o pensamento positivista pós-exegético ocultou, ao deixar numa posição secundária, questões jurídicas mais pragmáticas, como a interpretação, a discricionariedade e a decisão judicial. Nesse sentido, levar em consideração a filosofia hermenêutica de Heidegger e a hermenêutica filosófica de Gadamer, juntamente com o pensamento pós-positivista de Dworkin, é condição de possibilidade para enfrentar a discricionariedade e construir uma teoria da decisão sem qualquer tipo de protagonismo judicial.

1. A teoria do Direito e a persistência dos velhos problemas impensados pelo positivismo pós-exegético: a interpretação, a discricionariedade e a decisão judicial

            No Constitucionalismo Contemporâneo o Direito tem uma função transformadora, no sentido de buscar a concretização das conquistas do Estado Democrático de Direito. Desse modo, faz-se necessário desvelar novos caminhos, superando aquilo que o sentido comum teórico ocultou ao provocar o esquecimento do ser do Direito e que, consequentemente, vem evitando o acontecer do novo Constitucionalismo. É possível perceber que grande parte da comunidade jurídica ainda se encontra inserida no pensamento metafísico, onde o mundo prático é completamente esquecido pela teoria apresentada pelo pensamento dogmático. 6 Nesse sentido, o ensino do Direito, na forma como foi estabelecido historicamente no Brasil, vem contribuindo para agravar esta situação, ao reproduzir um discurso jurídico imerso no senso comum teórico de manuais totalmente desprovidos de qualquer conteúdo científico; a hermenêutica, ainda praticada nesses cursos, continua insistindo em estudar os métodos tradicionais de interpretação, seguindo uma linha de pensamento que considera o Direito apenas como uma mera racionalidade instrumental. 7
            Por conseguinte, o Direito se apresenta como uma ciência lógico-formal, preocupada estritamente com a elaboração de uma epistemologia jurídica que se encontra completamente distante dos problemas sociais, políticos, econômicos e ideológicos, o que contribui para que o jurista permaneça completamente alienado da sua realidade histórica, colaborando para a inefetividade dos mandamentos presentes na Constituição Federal. Dessa forma, o paradigma positivista, em suas diversas modalidades, vai resistindo firmemente a viragem ontológico-linguistica, pois, no Direito, muitas das teorias que se autodenominam pós-positivistas, acabam por repristinar o que há de fundamental nas teorias do positivismo pós-exegético, que é a decisão como ato de vontade, reforçando, ainda mais, a discricionariedade como resposta para o problema do déficit de concretização constitucional no contexto brasileiro, situação em que, com toda certeza, acaba acarretando todo tipo de arbitrariedade praticado pelo Poder Judiciário.
            Para compreender o positivismo jurídico, que ainda continua a influenciar grande parte dos juristas, é necessário levar em consideração a formação histórica dessa corrente do pensamento que ganhou força principalmente no século XIX, 8 ao dominar grande parte da cultura européia com suas manifestações filosóficas, políticas, pedagógicas, historiográficas e literárias. Nesse contexto histórico, o continente europeu alcançou grandes transformações sociais, políticas e econômicas, fazendo com que as cidades fossem multiplicadas; importantes descobertas científicas transformassem o modo de produção capitalista e os avanços tecnológicos, alcançados pela Revolução Industrial, fossem consolidados.
            A ideia do progresso científico, como um processo irrefreável, constituiu-se como solução para todos os problemas da humanidade, substituindo a fé religiosa pela crença absoluta na Ciência. Entretanto, mesmo diante da substancial estabilidade política, do processo de industrialização e do rápido desenvolvimento da ciência e da tecnologia, os desequilíbrios sociais não tardaram em aparecer frente à condição de miséria do proletariado, fato que o positivismo imaginou poder superar paulatinamente, por meio do aumento do saber e da riqueza. Desse modo, o positivismo se apresentou como movimento de pensamento que se caracterizava por reivindicar o primado da ciência; por utilizar o método das ciências naturais para o estudo dos fenômenos sociais; por uma forte crença na ciência como único meio para resolver todos os problemas da humanidade; pela concepção laica da cultura; pela certeza de progresso, visto muitas vezes como necessário e automático. 9
            No âmbito do Direito, o positivismo exegético foi a primeira fase de aplicação do pensamento positivista para o entendimento dos problemas jurídicos apresentados após a codificação. Com o advento da revolução francesa e a ascensão política da burguesia, tornou-se necessária a elaboração de um corpo de normas sistematicamente organizadas e expressamente elaboradas, com capacidade para garantir uma maior segurança jurídica no desenvolvimento das relações capitalistas. Nessa época, a burguesia buscava superar a fragmentação jurídica ainda existente na França, partindo da convicção de que poderia haver um legislador universal, com capacidade para aprovar leis válidas para todos os tempos e lugares, já que a sociedade francesa, anterior à codificação, possuía uma multiplicidade de direitos, limitados territorialmente, fazendo com que ao norte vigorassem os costumes locais (droit coutumier), enquanto no sul prevalecesse o direito comum romano (droit écrit).
            Assim, a elaboração do Código Civil na França, em 1804, foi resultado de uma cultura racionalista fortemente influenciada pelo movimento iluminista, pois considerava a multiplicidade e a complicação do direito como fruto do arbítrio, devendo ser totalmente substituído por um direito simples e unitário. 10 Com a codificação, a lei apareceu como instrumento jurídico capaz de resolver e abarcar todos os fatos sociais, reduzindo o ato interpretativo do juiz a uma análise meramente sintática. Para o positivismo exegético a interpretação realizada pelos juízes deveria ficar reduzida a um ato passivo e mecânico. 11 Dessa forma, Luis Alberto Warat afirmava, “que a primeira etapa (do positivismo jurídico) compreende a época da conceitualização dos textos legais. Esta se baseia no pressuposto de que não há mais direito que o ordenamento jurídico estabelecido através das leis validamente ditadas e vigentes”. 12 Assim, no Estado Liberal, essa posição buscava uma verdadeira separação dos poderes, impedindo que os juízes criassem o direito e, ao mesmo tempo, viessem a invadir a esfera de competência do Poder Legislativo. Por tudo isso, para a escola do positivismo exegético, toda interpretação da lei deveria sempre estar baseada na vontade do legislador.
            Mais tarde os juristas perceberam que o Código não era capaz de cobrir toda a realidade. Dessa forma, para superar certas limitações existentes na escola do positivismo exegético, surgiu o positivismo normativista, preocupado principalmente com o problema da indeterminação do sentido do direito e com o esgotamento do método sintático-semântico de interpretação dos códigos. É nesse contexto que aparece a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, com o intuito de construir uma teoria do direito com maior rigor científico e reforçar o método analítico apresentado pelos conceitualistas, em contraposição a Jurisprudência dos Interesses e a Escola do Direito Livre. Para Kelsen, estas duas correntes do pensamento jurídico favoreciam a perda do rigor jurídico no momento da interpretação do direito, pois permitiam o surgimento de argumentos psicológicos, políticos e ideológicos. Desse modo, Kelsen buscou construir uma ciência do direito que não sofresse nenhum tipo de influência político-ideológica, numa relação muito próxima com o pensamento neopositivista desenvolvido pelo Círculo de Viena. 13 Ao mesmo tempo, Kelsen acabou reproduzindo a separação entre racionalidade teórica e racionalidade prática, elemento que perpassou por toda a tradição do pensamento metafísico. Assim, Kelsen afastou os problemas mais pragmáticos para se dedicar principalmente a construção de uma epistemologia do direito, capaz de anular qualquer elemento em condição de prejudicar a pureza e o rigor científico de sua teoria. Nesse sentido, Luis Alberto Warat afirmava que,
A Teoria Pura do Direito, ao ser reduzida a um conceitualismo presente tanto no idealismo crítico como no positivismo lógico, consegue eliminar de sua problemática a discussão sobre os fatores codeterminantes da realidade jurídica, como também sobre o papel social e político do Direito e as dimensões ideológicas dos diversos discursos jurídicos enquanto prática jurídica concreta. 14
           
            Dessa forma, para o positivismo kelseniano, a interpretação feita pelo órgão aplicador do direito deveria ser completamente diferente da interpretação realizada pela ciência do direito, pois, no primeiro caso, a interpretação ocorreria como ato de vontade, permitindo ao órgão aplicador do direito uma escolha entre diversas possibilidades existentes; já no segundo caso, a interpretação efetuada pela epistemologia do direito deveria ser um ato de conhecimento, preocupado apenas com o estabelecimento das possíveis significações de uma norma jurídica e, portanto, devendo afastar qualquer tentativa de univocidade do significado da norma, já que Kelsen considerava como ficção política, a tentativa de formar uma resposta correta. Assim, para o positivismo normativista a ciência do direito não deveria se preocupar com o problema da decisão judicial, pois, diante da separação entre racionalidade teórica e racionalidade prática, estabelecida pelo pensamento metafísico, toda a complexidade do mundo prático seria colocada fora da ciência do direito, deixando para a política do direito a escolha entre as diversas possibilidades de aplicação da norma. Desse modo, Hans Kelsen afirmava que,
A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a ‘correta’, não é sequer – segundo o próprio pressuposto de que se parte – uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito.
Assim como da Constituição, através de interpretação, não podemos extrair as únicas leis corretas, tampouco podemos, a partir da lei, por interpretação, obter as únicas sentenças corretas. 15
 
            Nesse sentido, é possível afirmar que Kelsen acabou ampliando o problema semântico da interpretação, reforçando a discricionariedade do interprete na metáfora da “moldura da norma”. Ao perceber que esse problema não poderia ser corrigido no nível da pragmática, Kelsen resolveu fazer ciência apenas na ordem das proposições jurídicas, abandonando para um segundo plano o problema da realização concreta do direito. Dessa forma, para superar o positivismo normativista é necessário muito mais do que simplesmente afirmar que o juiz já não é mais a “boca da lei”. Aquele positivismo primitivo, chamado de exegético, há muito tempo já foi superado pelo positivismo nomativista de Kelsen.
            Atualmente, o problema do positivismo pós-exegético se encontra em outro ponto: no poder discricionário, delegado em favor do juiz para preencher os espaços da “zona de incerteza” presentes nos “casos difíceis”. E isso é um problema de democracia, pois ao conceder um grau de liberdade ao juiz, para que este atribua de maneira arbitrária o sentido de uma legislação, produzida democraticamente pelo legislador, o positivismo normativista acabou por garantir um salvo conduto para os juízes, para que estes venham a invadir constantemente a esfera de atuação do Poder Legislativo. A partir da discricionariedade os juízes insistem em confundir o ato da decisão judicial com escolhas políticas, numa posição inteiramente eivada pela subjetividade da filosofia da consciência. Em tempos de Constitucionalismo Democrático é extremamente arriscado continuar apostando em teses voluntaristas. Faz-se necessária a superação dessas posições, que, de alguma maneira, ainda permanecem inseridas no paradigma da filosofia da consciência. Nesse sentido, o Constitucionalismo Contemporâneo também necessita de um novo paradigma filosófico, que supere a filosofia da consciência e seja capaz de desvelar muitas questões que ainda permanecem em oculto entre os juristas. 

 2. A viragem ontológico-linguística como condição de possibilidade para a superação da filosofia da consciência

            Para compreender a discricionariedade, presente no positivismo pós-exegético, é necessário levar em consideração às transformações que ocorreram no pensamento metafísico, passando pelo período clássico, onde predominou uma postura mais objetivista, até a chegada da modernidade, com o surgimento da filosofia da consciência (tradição filosófica na qual está inserido o positivismo normativista). Nesse sentido, no período clássico, a metafísica afirmava que o sentido se encontrava nas próprias coisas, já que em todas elas havia uma essência. Em Crátilo, a primeira obra filosófica a tratar do problema da linguagem, Platão buscou, a partir da dialética, construir uma posição intermediária entre a tese defendida pelo naturalismo (onde cada coisa teria um nome por natureza) e o convencionalismo (onde a relação do nome com as coisas deveria se estabelecer de maneira arbitrária), sustentando um papel secundário para a linguagem, já que o conhecimento da realidade poderia ser realizado independentemente dela. 16 Foi a partir desse momento que Platão começou a esconder o ser, descoberto anteriormente pelos pré-socráticos, mormente em Heráclito.
            Mais tarde, em Aristóteles, a metafísica apareceu como ciência primeira, fornecendo o fundamento comum a todas as demais ciências, já que antes da filosofia kantiana e do cogito de Descartes, o sentido era dependente inteiramente dos objetos. Assim, mesmo não aceitando que a linguagem pudesse ter autonomia com relação aos objetos, Aristóteles acabou por colocar a linguagem em um plano secundário, fazendo com que o sentido das palavras fosse encontrado apenas na essência das coisas. 17 Por outro lado, é possível encontrar, ainda no medievo, uma posição crítica a esse essencialismo presente na metafísica aristotélica, principalmente a partir de Guilherme de Ockham, que ao defender a inexistência dos universais nas coisas, passou a trabalhar apenas com os nomes, sustentando a impossibilidade deles possuírem alguma relação direta com os objetos. Desse modo, a partir desse misto de conceitualismo e nominalismo presente na obra de Ockham, a linguagem recebeu um novo tratamento, abandonando a obscuridade para a qual foi relegada durante a metafísica clássica.
            Mas foi a partir da modernidade, com o surgimento do sujeito solipsista e com a superação do objetivismo, presente na metafísica clássica, que o homem deixou de se sujeitar as estruturas e passou a assujeitar às coisas, fazendo com que o mundo passasse a ser explicado por meio da razão. 18 Assim, é nesse ambiente da filosofia da consciência que o positivismo normativista deve ser analisado, onde todas as teorias discricionárias encontram-se devidamente inseridas no sujeito solipsista, uma construção da modernidade que ainda continua muito presente no direito, mesmo após todas as transformações ocorridas na filosofia por meio do giro ontológico-linguístico. Diante da crise desse paradigma metafísico (clássico e moderno), a filosofia hermenêutica, de Heidegger, e a hermenêutica filosófica, de Gadamer, oferecem uma nova possibilidade para a compreensão do direito, permitindo o ingresso do mundo prático na filosofia e o completo desaparecimento do sujeito como fundamento do conhecimento.
            O pensamento de Heidegger procurou desvelar aquilo que ficou impensado durante toda a tradição metafísica: o sentido do ser. Para superar esse ocultamento, a fenomenologia heideggeriana se apresentou como antípoda da subjetividade apresentada pela tradição metafísica. Nesse sentido, a filosofia heideggeriana buscou compreender o ser do ente na sua historicidade, no seu acontecer concreto, na sua faticidade, indo além das dissimulações da vida, para superar o grande equívoco cometido pelo pensamento metafísico, que chamou de ser, o que não era o ser, mas sim o ente. Portanto, foi necessário deslocar o olhar do ente em direção ao ser, de forma que o oculto pudesse se manifestar, conforme afirmou Gadamer:
(...) para que algo se mostre é necessário um desentranhamento do encoberto, a fim de que ele possa chegar a mostrar-se. Portanto, a palavra “fenomenologia” não significa apenas “descrição daquilo que é dado”, mas inclui a supressão do encobrimento que não precisa consistir apenas em falsas construções teóricas. 19

            Assim, Heidegger construiu uma teoria do ser que se desenvolveu mediante o método fenomenológico, não no mesmo sentido da fenomenologia aplicada por Husserl, 20 mas a partir da finitude da compreensão enquanto condição de acesso ao ser, fazendo com que todo o questionamento pelo sentido do ser estivesse sempre ligado ao tempo. Essa finitude da compreensão não se constituiu em uma limitação a tarefa do labor filosófico, de pensar o sentido do ser, mas apareceu como condição de possibilidade para o pensamento, diante da temporalidade da existência, fazendo com que a busca pela compreensão, do sentido do ser, levasse sempre em consideração a sua ambiguidade, a partir da idéia de verdade e não-verdade, de velamento e desvelamento, apontando para a incompletude da compreensão do ser, que sempre deve ocorrer na faticidade do ser-aí. Nesse sentido, o professor Stein afirma que:
A finitude da compreensão do ser em que se movimenta o ser-aí se revela precisamente no seu modo de acesso ao ser e no modo de acesso do ser a ele. Na compreensão do ser prevalece o velamento; o homem somente compreende o ser ligado ao velamento imposto pela finitude do próprio homem. 21

            Por meio de uma analítica existencial, Heidegger pretendeu chegar ao fenômeno da temporalidade e, a partir desse elemento, compreender a questão do sentido do ser. Desse modo, a ontologia fundamental heideggeriana foi a analítica existencial, o que fez com que o filósofo rejeitasse a ontologia da coisa como possibilidade de compreensão ontológica do homem e, consequentemente, acabasse superando o pensamento metafísico, já que, segundo o filósofo, essa tradição de pensamento fez uma análise insuficiente do homem e, portanto, não foi capaz de alcançar uma resposta satisfatória para a questão do ser.
            Assim, para superar esses equívocos cometidos pelo pensamento metafísico, a diferença ontológica e o círculo hermenêutico tiveram um papel fundamental e necessário para pensar aquilo que permaneceu impensado: o sentido do ser. Dessa forma, a hermenêutica deixou de ser simplesmente uma técnica para a interpretação de textos como aconteceu durante o contexto da Reforma Protestante e do Humanismo Renascentista e passou a ser filosófica.
            Mais tarde, esses pressupostos do pensamento heideggeriano foram fundamentais para dar consistência ao projeto hermenêutico de Gadamer, pois o filósofo colocou a linguagem no ponto mais elevado da filosofia, como condição de possibilidade para a compreensão de uma coisa que somente existe para o homem quando é simbolizada por meio da linguagem; logo, é impossível falar sobre algo que não é alcançado pelos símbolos da linguagem, pois se encontraria fora da realidade humana. A linguagem se transformou no centro da reflexão filosófica, não como posição meramente nominalista, que reduz a linguagem somente a uma questão de palavras, mas como mediador do significado e do sentido de algo, superando o entendimento de que há um sujeito cognoscente separado do objeto, capaz de apreendê-lo por meio de um instrumento chamado linguagem. Nesse sentido, de acordo com  Lenio Streck,
A linguagem, então, é totalidade; é abertura para o mundo; é, enfim, condição de possibilidade. Melhor dizendo, a linguagem, mais do que condição de possibilidade, é constituinte e constituidora do saber, e, portanto, do nosso modo-de-ser-no-mundo, que implica as condições de possibilidades que temos para compreender e agir. Isto porque é pela linguagem e somente por ela que podemos ter mundo e chegar a esse mundo. Sem linguagem não há mundo, enquanto mundo. Não há coisa alguma onde falta a palavra. Somente quando se encontra a palavra para a coisa é que a coisa é uma coisa.22

            Consequentemente, o desenvolvimento da hermenêutica, em Gadamer, deixou de ser um método normativo para tornar-se filosofia, rompendo com uma linha metafísica de interpretação meramente reprodutiva, onde o texto sempre possuía um sentido autônomo. O modelo gadameriano buscou uma interpretação do texto em sua faticidade e existência, ou seja, em sua concreta situação histórica, superando o dualismo metafísico que separava os fatos sociais da norma jurídica. Assim, todas essas transformações filosóficas levaram a interpretação para um contexto existencial, onde quem interpreta também se autocompreende simultaneamente, em um movimento circular que sempre deve levar em conta a faticidade e a historicidade do intérprete, pois é aí que se encontra a pré-compreensão, como condição de possibilidade para toda interpretação.
            O giro hermenêutico não deve ser reduzido a um conjunto de métodos capazes de encontrar certezas jurídicas absolutas; a hermenêutica filosófica, apresentada por Gadamer, sempre vai partir de uma situação hermenêutica, a partir de uma tradição, pois é impossível que o intérprete coloque-se fora dela. Dessa forma, a viragem ontológico-linguistica foi capaz de abrir novas possibilidades para a compreensão do Direito e, portanto, em tempos de superação do sujeito solipsista pela filosofia hermenêutica, de Heidegger, e pela hermenêutica filosófica, de Gadamer, é impossível continuar insistindo com o positivismo jurídico ou com qualquer outra posição que permaneça apostando em uma tese voluntarista (discricionariedade) para a elaboração de uma teoria da decisão.

3. O Poder Judiciário e a resposta correta: uma teoria da decisão judicial a partir do pensamento pós-positivista

            O Estado Democrático de Direito deve funcionar como fiador do bem-estar social, pautando sua atuação no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária, por meio da incorporação, em seu ordenamento constitucional, de toda a temática de inclusão social. Ao estabelecer esse novo paradigma estatal, a Constituição brasileira consagrou o princípio da democracia econômica, social e cultural, impondo uma obrigação constitucional aos órgãos de direção político-administrativa, aos legisladores e aos tribunais, de pautarem suas respectivas atividades de acordo com este princípio. 23 Desse modo, com um ordenamento jurídico constituído nesses parâmetros, impõe-se a atividade estatal um conteúdo de profunda transformação social, pois, de um modelo de Constituição formal, onde o Direito recebia apenas o papel de ordenação do Estado, passou-se ao Direito transformador da sociedade, no sentido de buscar a concretização da Democracia.
            Para alcançar a realização desse novo paradigma constitucional, é preciso enfrentar alguns problemas de teoria do Direito, que, de certo modo, impedem a formação de um autêntico Estado Democrático de Direito no contexto brasileiro. Dessa forma, para impedir que os alicerces da democracia representativa sejam abalados, faz-se necessária a construção de uma teoria da decisão judicial preocupada em impedir que o poder dos juízes se sobreponha ao próprio Direito, pois a nova reconfiguração ocorrida nas esferas de tensão dos Poderes, decorrente do novo papel assumido pelo Estado e pelo constitucionalismo, fez com que o caráter hermenêutico do Direito aumentasse significativamente, fazendo com que a decisão judicial se transformasse no grande dilema da contemporaneidade.
            Uma teoria da decisão judicial, necessária em um Estado Democrático de Direito, não é o mesmo que diminuir o papel da atividade jurisdicional, mas, ao contrário, deve ser construído no sentido de fazer com que os juízes atribuam o melhor sentido possível para o Direito, fugindo do velho problema engendrado pela filosofia da consciência: a discricionariedade. 24 É possível afirmar que no contexto brasileiro essa discricionariedade tem assumido contornos dramáticos, principalmente diante das várias mixagens de posturas objetivistas e subjetivistas, ao fazer com que um mesmo tribunal ora assuma uma posição objetivista, onde a lei vale tudo, ora assuma uma posição subjetivista, onde a lei não vale absolutamente nada. Por isso, frente às crescentes demandas sociais, que buscam no Poder Judiciário a concretização de direitos, a posição substancialista, adotada neste trabalho, entende que o Poder Judiciário deve colocar em evidência todas as conquistas democráticas positivadas na Constituição, contra qualquer maioria eventual que coloque em risco a aplicabilidade desses direitos. Para tanto, esse intervencionismo substancialista, não deve ocorrer no sentido de um ativismo político-ideológico, sustentado pela discricionariedade, mas, ao contrário, deve ser determinado pela busca de uma maior efetividade dos preceitos e princípios ínsitos aos Direitos fundamentais sociais, previstos na Constituição de 1988. 25
            Assim, esse aumento da dimensão hermenêutica não condenou o direito ao solipsismo da metafísica moderna. 26 Essa arbitrariedade, muitas vezes presente na decisão judicial, compromete ainda mais a realização do Estado Democrático de Direito, transformando o regime democrático em uma República de Magistrados. É necessário frisar, que a partir do giro ontológico-linguístico, o sujeito solipsista deve desparecer e, portanto, é inadmissível que os juízes continuem a decidir conforme a consciência, 27 blindando o direito contra todas as transformações ocorridas na filosofia. É preciso compreender que essa (re)definição constitucional, do papel a ser exercido pelo Poder Judiciário, não elevou a sua posição institucional a uma atuação totalmente arbitrária, livre de qualquer controle democrático.
            Diante de todas as mudanças paradigmáticas, é necessário construir as condições imprescindíveis para que o poder dos juízes não se sobreponha ao direito, o que exige, com toda a certeza, a superação do positivismo normativista. Em pleno paradigma intersubjetivo, como foi exposto no capítulo acima, não é mais possível continuar apostando no protagonismo do sujeito-intérprete, sustentado no esquema que ainda separa o sujeito do objeto. 28 Com isso, a hermenêutica não excluiu o sujeito presente em qualquer ato de compreensão, mas passou a sustentar a necessidade de condições de verificação sobre a veracidade da decisão tomada pelo juiz, estabelecendo amplas possibilidades de controle da decisão, compatíveis com o regime democrático. Por isso, de acordo com o Lenio Streck, “mais do que possibilidade, a busca de respostas corretas é uma necessidade”. 29
            Assim, é no pensamento pós-positivista de Ronald Dworkin que essa questão passou a ser tratada com maior afinco, ao levar em consideração a interpenetração entre direito e política e o vínculo existente entre direito e moral, numa reflexão completamente oposta as posições assumidas pelo positivismo normativista. A contribuição de Dworkin para a superação do problema da interpretação das normas jurídicas foi de fundamental importância, pois, ao defender, por meio da integridade do Direito, a possibilidade da existência de uma resposta correta para os problemas jurídicos, ele superou a discricionariedade judicial 30 e passou a fornecer mecanismos mais adequados para a concretização dos princípios que orientam a formação do Estado Democrático de Direito.
            Nesse sentido, Dworkin enfrentou um problema que não havia recebido a devida atenção do positivismo normativista, como a interpretação e os limites da decisão judicial, já que nesta corrente de pensamento predominava uma posição conceitualista da regra, permitindo que os juristas aceitassem múltiplas respostas, em uma postura completamente desvinculada do mundo prático. 31 Com Dworkin a hermenêutica não negou a existência de múltiplos significados para um texto, mas apenas rejeitou algumas posturas analíticas que tenta(ra)m estabelecer o sentido antes mesmo da aplicação da norma. Para buscar a resposta correta é necessário um esforço de reconstrução institucional do direito, a partir da coerência e da integridade, pois:
As proposições dependem do contexto em que são situadas, do seu contexto histórico, cultural e até do contexto subjetivo. O que significa isso? Que é preciso interpretar a linguagem, interpretar as proposições e talvez descobrir que há uma verdade que é o lugar da proposição. 32
 
            Para falar em respostas corretas não é preciso congelar o sentido das normas, numa tentativa de interpretar a partir de uma posição estabelecida fora da história, como se fosse possível um deslocamento para fora de uma determinada cultura e de um determinado contexto. No paradigma do positivismo normativista, o mundo prático está obnubilado pelas conceitualizações metafísicas e, por isso, a tentativa de abarcar todas as futuras hipóteses de aplicação e interpretação, como acontece com as súmulas vinculantes, no formato adotado pelos tribunais, acaba transformando a linguagem em um simples veículo de conceitos abstratos, com a pretensão de alcançar a totalidade dos casos concretos. É preciso compreender que não existem mais modelos fixos, onde os juristas estariam previamente constrangidos a fazer suas interpretações. A partir da hermenêutica ocorre uma libertação de conteúdos rígidos, pois a linguagem, enquanto condição de possibilidade para a compreensão do direito, sempre será condicionada por processos históricos e culturais.
            Quando Dworkin demonstrou a possibilidade de respostas corretas no direito, não o fez no sentido de reproduzir o velho conceitualismo presente no pensamento positivista, mas, pelo contrário, o fez no sentido de enfrentar a indeterminação do direito, rejeitando completamente a ideia de delegação ao juiz para preenchimento das chamadas lacunas. Desse modo, para enfrentar a discricionariedade, toda interpretação jurídica deve ser perpassada por argumentos de princípio, numa construção coerente que sempre leve em conta uma teoria da constituição, uma teoria da legislação e uma teoria dos precedentes, pensados segundo os postulados da equidade e da integridade, para fundamentar e justificar a decisão judicial. Assim, Dworkin não resgatou uma espécie de completude metafísica do Direito, mas, pelo contrário,
Dworkin reconhece uma insuficiência do modelo estritamente teórico de fundamentação, mas debela qualquer possibilidade de lacuna visto que, para ele, a argumentação jurídica está vinculada a critérios práticos de justificação que remetem para padrões prévios de conduta chamados princípios33 .      
                       
            Portanto, no “método” do juiz Hércules, preconizado por Dworkin, todas as decisões judiciais estão obrigadas a justificar e fundamentar suas posições, com argumentos de princípio, sempre buscados a partir de uma reconstrução institucional do direito. Dworkin apresentou uma teoria pragmática, onde o direito passou a aparecer como uma prática interpretativa preocupada com o resultado da decisão, o que, hodiernamente, obriga a teoria do direito a abandonar as velhas posições discricionárias em favor de uma postura coerente com todos os princípios que compõem a integridade moral de uma comunidade.    

4. Considerações Finais

            Diante do que foi exposto acima, para construir uma teoria da decisão judicial, compatível com a nova realidade constitucional, faz-se necessário superar o pensamento positivista (normativista), enfrentando alguns problemas ocultados por esta corrente: como a interpretação e a discricionariedade judicial. De fato, com as transformações ocorridas a partir do Constitucionalismo Contemporâneo, as condições do Poder Judiciário, para garantir a materialização dos direitos recentemente constitucionalizados, foram favorecidas e, consequentemente, acabaram transformando este espaço institucional em um importante lugar para a concretização da plena cidadania no contexto brasileiro. Desse modo, diante do deslocamento da esfera de tensão, até então apoiada nos procedimentos políticos, para os procedimentos judiciais, o Constitucionalismo Contemporâneo passou a exigir uma postura mais intervencionista do Poder Judiciário, como condição de possibilidade para superar a postura absenteísta do juiz como “boca inanimada da lei”, predominante no modelo liberal-individualista do positivismo exegético. No entanto, esse deslocamento do centro de decisões do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário, não deve(ria) ser encarado como a solução para todas as deficiências institucionais do Estado brasileiro.
            Assim, o presente trabalho analisou o papel do Poder Judiciário na contemporaneidade e apresentou a possibilidade de construir uma teoria da decisão judicial sem discricionariedade. Para isso, foram criticadas todas as posturas que apostam no protagonismo judicial como resposta para o problema da inefetividade da Constituição, já que, a insistência do pensamento dogmático, em continuar apoiando-se no positivismo normativista, tem colaborado ainda mais para o despreparo do Poder Judiciário, já que todas as transformações ocorridas na filosofia, a partir do giro ontológico-linguístico, não foram devidamente recepcionadas pelo Direito. Dessa forma, a superação do paradigma positivista foi apresentada como condição de possibilidade para a realização do Estado Democrático de Direito, pois, com a sobrevivência do positivismo jurídico, os juristas acabam se mantendo numa condição completamente despreparada para enfrentar o problema da interpretação, da discricionariedade e da decisão judicial.
            Por conseguinte, a forte resistência do pensamento positivista diante das transformações implementadas pela viragem ontológico-linguistica, no campo da filosofia, vem evitando o acontecer do novo Constitucionalismo. Nesse sentido, é no pensamento pós-positivista, com Ronald Dworkin, que essa questão foi tratada com maior afinco, levando em consideração a interpenetração entre direito e política e o vínculo existente entre direito e moral, numa reflexão completamente oposta as posições assumidas pelo positivismo. O trabalho demonstrou que a contribuição de Dworkin para a superação da discricionariedade, na interpretação das normas jurídicas, é de fundamental importância, pois, ao defender, por meio da integridade do Direito, a possibilidade da existência de uma resposta correta para os problemas jurídicos, Dworkin superou a discricionariedade judicial e passou a fornecer mecanismos mais adequados para a concretização dos princípios que orientam a formação do Estado Democrático de Direito. Assim, Dworkin enfrentou um problema que não havia recebido a devida atenção pelo pensamento positivista, como a interpretação e os limites da decisão judicial, já que, nesta corrente de pensamento, os juristas aceitam antecipadamente múltiplas respostas possíveis sem nenhum vínculo direto com o mundo prático. Com Dworkin a hermenêutica não nega a existência de múltiplos significados para um texto, mas rejeita as posturas analíticas que tentam estabelecer significados in abstracto.
            Portanto, diante das transformações filosóficas que superaram a tradição do pensamento metafísico, o presente trabalho demonstrou que não faz mais sentido continuar apoiando-se no paradigma positivista, como resposta para os problemas complexos enfrentados pelo Direito. Para que o Poder Judiciário tenha uma atuação em consonância com o paradigma do Estado Democrático de Direito, é necessário encarar aquilo que o pensamento positivista ocultou, deixando numa posição secundária questões jurídicas mais pragmáticas, como a interpretação, a discricionariedade e a decisão judicial. Assim, levar em consideração a filosofia hermenêutica de Heidegger e a hermenêutica filosófica de Gadamer, juntamente com o pensamento pós-positivista de Dworkin, é condição de possibilidade para superar o positivismo e elaborar uma teoria da decisão livre de qualquer tipo de protagonismo judicial.

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1 Cf. MATTEUCCI, Nicola. Organización del poder y liberdad. Historia del constitucionalismo moderno. Madrid: Trotta, 1998, p. 27 e 28. Para ressaltar a aproximação destas três experiências constitucionais na defesa das liberdades e no enfrentamento contra o exercício arbitrário do poder político, Matteucci afirma que, “(...) la historia constitucional de cada nación diverge de las otras y tiene características proprias, aunque sobre el terreno de los grandes principios el constitucionalismo se presenta bastante unitario y fácilmente identificable, ya que los principios conquistados en esas crisis o en esas revoluciones se difunden y se convierten en patrimonio común. La historia del constitucionalismo moderno podría escribirse tomando la ‘difusión’ de estos principios legales de Francia a Inglaterra, de Inglaterra a América, de Inglaterra y América a Francia”.        

2 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 4º ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 37. Constitucionalismo Contemporâneo é a nova expressão cunhada por Lenio, para se referir ao constitucionalismo do segundo pós-guerra. Com efeito, a expressão neoconstitucionalismo chegou a um ponto de degradação semântica e desgaste significativo, que foi preciso estabelecer um sentido específico para esse novo modelo de constitucionalismo, que se afirma no contexto da "era de ouro" da democracia européia.

3 Cf. O’DONNELL, Guillermo. Democracia delegativa? In: Novos Estudos Cebrap, n. 31, out/1991, p. 33. De acordo com O’Donell, nem mesmo a transição de um regime militar, fortemente autoritário, para governos eleitos democraticamente, tornou possível a consolidação do regime democrático no Brasil. A escassez de instituições políticas estáveis e democráticas, acompanhado do estilo personalista de alguns governantes, têm dificultado grandemente o estabelecimento de um autêntico Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, ele afirma ser necessária uma segunda transição, muito mais complexa, para a consolidação do regime democrático, pois, predomina em países de modernidade tardia, uma modalidade peculiar de democracia, profundamente individualista e personalista, denominada pelo autor de democracia delegativa. Segundo O’Donell, “mesmo que a democracia delegativa pertença ao gênero democrático, seria difícil encontrar algo que seja mais estranho, quando não hostil, à construção e ao fortalecimento de instituições políticas democráticas”. Assim, para atender as demandas sociais e econômicas acumuladas ao longo da história, é necessário que o Estado tenha uma maior eficiência em suas ações políticas e jurídicas, o que faz necessário um Estado constitucionalmente forte e eficiente, não no sentido do nível de coerção imposto sobre os indivíduos, mas com instituições consolidadas democraticamente, capazes de concretizar as promessas constitucionais do Estado Democrático de Direito.

4 Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 957. A respeito da discricionariedade administrativa, Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que, “(...) percebe-se que se trata necessária e inexoravelmente de um poder demarcado, limitado, contido em fronteiras requeridas até por imposição racional, posto que, à falta delas, perderia o cunho de poder jurídico. Com efeito, se lhe faltassem diques não se lhe poderia inculcar o caráter de comportamento ‘infralegal’”. Dessa forma, diferentemente da discricionariedade (arbitrariedade) presente nas decisões judiciais, a discricionariedade administrativa só existe na extensão, medida ou modalidade prevista em lei. 

5 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 4º ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 39 a 41.

6 Cf. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 59. De acordo com Lenio Streck, a separação entre teoria e prática apareceu na filosofia grega, com a metafísica clássica e, mais tarde, foi retomada pela metafísica moderna. Segundo o professor, “(...) a razão prática nos vem desde a filosofia grega, quando Aristóteles delimitou uma filosofia teórica (que pergunta pela verdade ou pela falsidade) e uma filosofia prática (que pergunta pelo certo e pelo errado). Na primeira, está em jogo uma observação de uma determinada realidade, ao passo que, na segunda, tem-se o questionamento de uma ação concreta”. Com relação à modernidade, “a problematização entre razão teórica e razão prática foi retomada por Kant em sua Crítica da Razão Pura e na Crítica da Razão Prática. O que há em comum entre Kant e Aristóteles é que em ambos há uma barreira que separa a filosofia teórica da prática e nenhum deles conseguiu explicar como a filosofia teórica pode determinar a filosofia prática ou vice-versa”. Este dualismo estabelecido pelo pensamento metafísico ainda permanece presente no pensamento dogmático.

7 Cf. FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1987, p. 49. Em concordância com Tercio Sampaio, “é preciso reconhecer que, nos dias atuais, quando se fala em Ciência do Direito, no sentido do estudo que se processa nas Faculdades de Direito, há uma tendência em identificá-la com um tipo de produção técnica, destinada apenas a atender às necessidades do profissional (o juiz, o promotor, o advogado) no desempenho imediato de suas funções. Na verdade, nos últimos cem anos, o jurista teórico, pela sua formação universitária, foi sendo conduzido a esse tipo de especialização, fechada e formalista”.

8 Cf. REALE, Giovane; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. III: Do Romantismo até nossos dias. São Paulo: Paulus, 1991, p. 296. É preciso levar em consideração que o positivismo se situa em diversas tradições culturais em épocas diferentes. De acordo com Giovane Reale e Dario Antiseri, “na França, (o positivismo) inseriu-se no racionalismo, que vai de Descartes ao iluminismo; na Inglaterra, se desenvolveu inserindo-se na tradição empirista e utilitarista e, em seguida, entrelaçando-se com a teoria darwiniana da evolução; na Alemanha, assume a forma de cientificismo e de monismo materialista; na Itália, com Ardigò, aprofunda suas raízes no naturalismo renascentista, embora dê seus maiores frutos, dada a situação social da nação recém-unificada, no campo da pedagogia e também na antropologia criminal”. 

9 Reale, Giovane e Antiseri, Dario. História da Filosofia. III: Do Romantismo até nossos dias. São Paulo: Paulus, 1991, p. 297.

10 Cf. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: ed. Ícone, 2006, p. 64 a 67.

11 Cf. VIANNA, Luiz Werneck. Corpo e Alma da Magistratura Brasileira, 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Revan, 1997, p. 36. De acordo com Vianna, no início da formação do Estado Liberal de Direito, logo nos primeiros momentos da Revolução Francesa, o Poder Judiciário recebeu a tarefa de apenas funcionar como a “boca inanimada da lei”, já que lhe cabia a simples função de apenas aplicar as leis aprovadas pelos representantes do povo. Mais tarde, com a institucionalização da Revolução, a magistratura foi constituída como cargo burocrático do Estado, “concebendo-se o Judiciário como personagem sem rosto da ordem racional-legal do Estado de Direito, capaz de garantir previsibilidade à reprodução do mundo mercantil e certeza jurídica na administração do direito”.     

12 Cf. WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito II. Porto Alegre: Editor Sergio Antonio Fabris, 1995, p. 17. 

13 Cf. REALE, Giovane e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. III: Do Romantismo até nossos dias. São Paulo: Paulus, 1991, p. 990. De acordo com Giovane Reale e Dario Antiseri, “o pensamento desse grupo adquiriu a denominação de neopositivismo ou positivismo lógico e se caracterizou pela firme atitude antimetafísica e por toda uma série de aprofundadas análises de grande relevância sobre a linguagem, a estrutura e os métodos das ciências naturais e sobre os fundamentos da matemática”. Assim, a partir da influência do Círculo de Viena, é possível compreender a preocupação de Kelsen com a construção de uma epistemologia Direito, livre das influências político-ideológicas.     

14 Cf. WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito II. Porto Alegre: Editor Sergio Antonio Fabris, 1995, p. 132.

15 Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 393.

16 Cf. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 2006, p. 17 a 23.

17 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica E(m) Crise. 10° ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 156 a 162.

18 Cf. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 13.

19 Cf. GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica em retrospectiva. A virada hermenêutica. Vol. II. Tradução de Marco Antonio Casanova. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 16.

20 Cf. STEIN, Ernildo. A questão do método na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. Porto Alegre: ed. Movimento, 1983, p. 51. Ernildo Stein ressalta esta diferença entre os dois filósofos ao afirmar que: “(...) ainda que tenha sido decisiva a presença de Husserl na elaboração das intuições heideggerianas, nos momentos decisivos os caminhos se separam. A fenomenologia que Heidegger elaborou, premido por grandes interrogações que trazia de sua juventude, se constituiria no instrumento que aprofundaria sempre mais as diferenças entre os dois filósofos”.

21 Cf. STEIN, Ernildo. A questão do método na filosofia: um estudo do modelo heideggeriano. Porto Alegre: ed. Movimento, 1983, p. 49 e 50.

22 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica E(m) Crise. 10° ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 254 e 255.

23 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica E(m) Crise. 10° ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 27 e 28. Segundo Lenio Streck, os benefícios de um Estado intervencionista-desenvolvimentista-regulador foram sentidos apenas pela elite brasileira. Ele afirma que, “o Estado interventor-desenvolvimentista-regulador, que deveria fazer esta função social, foi – especialmente no Brasil – pródigo (somente) para com as elites, enfim, para as camadas médio-superiores da sociedade, que se apropriaram / aproveitaram de tudo desse Estado, privatizando-o, dividindo / loteando com o capital internacional os monopólios e os oligopólios da economia e, entre outras coisas, construindo empreendimentos imobiliários com o dinheiro do fundo de garantia (FGTS) dos trabalhadores, fundo esse que, em 1966, custou a estabilidade no emprego para os milhões de brasileiros!”

24 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, 14º ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 361. As teses instrumentalistas defendem a discricionariedade judicial, mostrando-se totalmente comprometida com a filosofia da consciência. De acordo com Dinamarco, “ser sujeito a lei não significa ser preso ao rigor das palavras que os textos contêm, mas ao espírito do direito de seu tempo. Se o texto aparenta apontar para uma solução que não satisfaça ao seu sentimento de justiça, isso significa que provavelmente as palavras do texto ou foram mal empregadas pelo legislador, ou o próprio texto, segundo a mens legislatoris, discrepa dos valores aceitos pela nação no tempo presente. Na medida em que o próprio ordenamento jurídico lhe ofereça meios para uma interpretação sistemática satisfatória perante o seu senso de justiça, ao afastar-se das aparências verbais do texto e atender aos valores subjacentes à lei, ele estará fazendo cumprir o direito”.     

25 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p.145. Diferentemente da posição adotada neste trabalho, o procedimentalismo habermasiano não considera auto-evidente a existência de Tribunais Constitucionais com a devida predominância para buscarem a concretização constitucional no Estado Democrático de Direito. Segundo este mesmo autor, a juridificação, própria do Constitucionalismo do segundo pós-guerra, é responsável pelo que ele chama de colonização do mundo da vida, e, por isso, a atividade desses Tribunais deveria ficar restrita a tarefa de compreensão procedimental da Constituição, limitando-se apenas a garantir um processo de criação democrática do Direito. Segundo Lenio Streck, o equívoco em Habermas começa com o não reconhecimento da superação do Estado Social pelo Estado Democrático de Direito, ignorando todo um processo de revitalização do Direito com relação à razão política. Dessa forma, se no Estado Social o Direito tinha uma função meramente promovedora, no Estado Democrático de Direito o Direito passa a ter uma função transformadora, numa circunstância em que o pólo de tensão para a concretização dos direitos humanos fundamentais é transferido para o Poder Judiciário. Portanto, a partir dessa transformação constitucional, Lenio afirma que, “a liberdade de conformação do legislador, pródiga em discricionariedade no Estao-Liberal, passa a ser contestada por dois lados: de um lado, os textos constitucionais dirigentes, apontando para um dever de legislar em prol dos direitos fundamentais e sociais; de outro, o controle por parte dos tribunais, que passaram não somente a decidir acerca da forma procedimental da feitura das leis, mas acerca de seu conteúdo material, incorporando os valores previstos na Constituição”.               

26 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Editor Sergio Antonio Fabris, 1993, p. 42. Em sentido oposto a posição sustentada neste trabalho, Mauro Cappelletti afirma que, “é manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária e de atuação da legislação e dos direitos sociais. Deve reiterar-se, é certo, que a diferença em relação ao papel mais tradicional dos juízes é apenas de grau e não de conteúdo: mais uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida, toda interpretação é criativa, e que sempre se mostra inevitável um mínimo de discricionariedade na atividade jurisdicional. Mas, obviamente, nessas novas áreas abertas à atividade dos juízes haverá, em regra, espaço para mais elevado grau de discricionariedade e, assim, de criatividade, pela simples razão de que quanto mais vaga a lei e mais imprecisos os elementos do direito, mais amplo se torna também o espaço deixado à discricionariedade nas decisões judiciárias”.

27 Cf. ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: Bricolagem de Significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 265. De acordo com Alexandre Morais da Rosa, “a proposta está baseada nas modificações do Estado liberal rumo ao Estado Social, mas vinculada a uma posição especial do juiz no contexto democrático, dando-lhe poderes sobre-humanos, na linha de realização dos escopos processuais, com forte influência da filosofia da consciência”.  

28 Cf. STEIN, Ernildo. Aproximações sobre Hermenêutica, 2º ed., Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010, p. 45. Segundo Ernildo Stein, “já sempre compreendemos enquanto compreendemos o todo. O contrário também vale: enquanto compreendemos o todo, já sempre nos compreendemos”, portanto, “há uma impossibilidade de separação entre sujeito e objeto. É impossível separar o sujeito do objeto porque, no fato histórico, já sempre estamos de certo modo, mergulhados, não podemos ter uma distância total, como na observação de um fenômeno físico”.       

29 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica E(m) Crise,10° ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 390.

30 Cf. OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão Judicial e o Conceito de Princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do Direito, 1º ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 216. Segundo Rafael Tomaz de Oliveira, “(...) fica claro porque Dworkin não aceita nenhum tipo de discricionariedade judicial: permitir que o juiz decida de modo a inovar na seara jurídica pode representar um exercício arbitrário (não justificado em princípios da comunidade moral) da coerção estatal colocando-se no tênue liame que sustenta o exercício legítimo da força e a exceção”. 

31 Cf. OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão Judicial e o Conceito de Princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do Direito, 1º ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 179 e 180.

32 Cf. STEIN, Ernildo. Aproximações sobre Hermenêutica, 2º ed., Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010, p. 20.   

33 Cf. OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão Judicial e o Conceito de Princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do Direito, 1º ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 177.