Contribuciones a las Ciencias Sociales
Abril 2014

ESTADO IMPERIAL BRASILEIRO E A COLONIZAÇÃO DAS TERRAS DE FRONTEIRA NA AMAZÔNIA, EM DEBATE



Francivaldo Alves Nunes (CV)
francivaldonunes@yahoo.com.br
Universidade Federal do Pará



RESUMO: Na Amazônia, a criação de colônias agrícolas e aldeamentos materializou discursos de autoridades políticas do Império que defendiam medidas que facilitassem a introdução de colonos estrangeiros, promovessem a agricultura mercantil e protegessem áreas de fronteiras. É sobre esta ultima questão que este texto procura analisar. Apoiados nos relatórios provinciais e nos anais do parlamento brasileiro demonstraremos as facetas discursivas que defendiam a implantação de colônias agrícolas nos limites territoriais ao Norte do Brasil. Apoiadas no entendimento de que as regiões de fronteira estavam desprovidas de atuação mais efetiva do governo brasileiro os núcleos coloniais aparecem como estratégia de assegurar a soberania do país, através da ocupação populacional, em um momento em que se busca instituir uma política de ocupação de terra e de aproveitamento da mão-de-obra nacional promovida pelo Império brasileiro.
Palavras-chaves: Estado, Colonização, Amazônia, Século XIX.

RESUMEN: En la Amazonía, la creación de colonias agrícolas y asentamientos materializó discursos de las autoridades políticas del imperio que propugnaban medidas que facilitarían la introducción de colonos extranjeros, promuevan la agricultura comercial y la protección de las zonas fronterizas. Es sobre esta última pregunta que este trabajo se pretende analizar. Soportados en los informes provinciales y en los anales del Parlamento brasileño demuestran las facetas discursivas que defendían la implantación de colonias agrícolas en el norte de Brasil límites territoriales. Apoyó la idea de que las regiones fronterizas se carece de un funcionamiento más eficaz de los núcleos coloniales del gobierno brasileño parece que se garantice la soberanía del país por la ocupación de la población, en un momento en que estamos tratando de establecer una política de la estrategia de ocupación del suelo y el uso de mano de obra promovida por el Imperio nacional brasileña.
Palabras clave: Estado, Colonización, Amazonía, siglo XIX.

ABSTRACT: In the Amazon creating agricultural colonies and settlements materialized discourses of political authorities Empire who advocated measures that would facilitate the introduction of foreign settlers, would promote commercial agriculture and protect border areas. It is on this last question that this paper seeks to analyze. Supported in provincial reports and in the annals of the Brazilian parliament demonstrate the discursive facets that defended the deployment of agricultural colonies in the North of Brazil territorial limits. Supported the view that the border regions were devoid of more effective performance of the Brazilian government colonial nuclei appear as to ensure the sovereignty of the country by population occupation, at a time when we are seeking to establish a policy of land occupation strategy and use of hand labor promoted by national brazilian Empire.
Keywords: State, Colonization, Amazon, Nineteenth Century.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Alves Nunes, F.: "Estado imperial brasileiro e a colonização das terras de fronteira na Amazônia, em debate", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Abril 2014, www.eumed.net/rev/cccss/28/fronteira-amazonia.html

Introdução
Nas províncias do Pará e Amazonas a ação colonizadora promovida pelo Estado imperial, principalmente nas décadas de 1850 à 1880 se refletiu na criação de medidas que facilitassem a introdução de colonos estrangeiros, promovesse a agricultura mercantil, protegessem áreas de fronteira e criassem colônias para recebimento de trabalhadores que migrassem para a região. Estas duas últimas questões é o meu objeto de reflexão ao longo deste texto, uma vez que entendo que a defesa da criação de colonias agrícolas nas áreas de fronteira da Amazônia se legitimava a partir dos discursos de agentes públicos quanto a necessidade de ocupação populacional e produtiva destes espaços como medida protetora de uma possível ocupação destas áreas por outras nações.
Para melhor compreender estas questões dividi o texto em dois momentos: quando diagnosticamos os problemas de ocupação e controle envolvendo as áreas de fronteira, principalmente do Perú e Guianas (inglesa e francesa) e os debates diplomático envolvendo estas nações. Em um momento posterior resolvemos ouvir as autoridades brasileiras quanto as prováveis soluções envolvendo os problemas de ocupação territorial nestas áreas e como os projetos de criação das colônias agrícolas estavam envolvidos nestas questões.

Limites nacionais e os conflitos de fronteira
A definição dos limites territoriais do Brasil com os países de fronteira na Amazônia é apontada ao longo da década de 1840 como questão a ser enfrentada pelo governo brasileiro para assegurar a soberania nacional, principalmente ao Norte do Império, envolvendo as províncias do Pará e Amazonas. Embora os tratados e acordos entre as nações, como exemplo os tratados de 1841 e 1851 (assinados com o Peru) e o acordo de 1841 (assinado com a França) para a neutralização do território entre o Oiapoque e o Amapá fossem posicionados como medidas a serem priorizadas pelos países, essa composição de interesse devia ser acompanha de ações que assegurassem, de fato, o domínio sobre o território. É o que se evidencia com as áreas de limite com a Bolívia. Embora o tratado de 27 de março de 1867 demarcasse o limite territorial com o Brasil, a atribuição quanto ao caráter colonizador do Império brasileiro, e que colocava o Brasil como potencialmente interessado em se apropriar de parte do território boliviano, posicionava os dois países em condição de animosidade. Esta situação seria agravada com a Guerra do Paraguai, provocando na Bolívia e nas repúblicas do Pacífico (Peru, Colômbia, Equador e Chile), de franca hostilidade a política externa brasileira. 1
Estas regiões aparecem, portanto, como áreas marcadas por disputas econômicas, coloniais e geopolíticas. Isto exige do governo brasileiro a criação de planos específicos de colonização, que assegure a expansão do aparato estatal, redefina os limites territoriais e garanta a soberania do Brasil. Eram espaços quase sempre identificados como locais de abrigo para fugitivos e desertores, a exemplo dos que se envolveram com a Cabanagem (Revolta ocorrida entre 1835 a 1840 associada à irrelevância política a que a província do Pará foi relegada após a independência do Brasil). Segundo a historiadora Magda Ricci (2007) os cabanos (como ficaram conhecidos os homens e mulheres que se envolveram na Cabanagem) ao deixarem Belém, capital do Pará, passaram a ocupar diversas regiões da Amazônia. Alguns chegaram à fronteira do Brasil Central, migrando para Mato Grosso e Goiás, outros se deslocaram para o litoral Norte e Nordeste e América caribenha, dando-se conta de cabanos nos limites territoriais do Brasil com Venezuela e Peru. De fato, em agosto de 1837, autoridades provinciais do Grão-Pará ordenavam a destruição de um mocambo de rebeldes, não muito distante da vila de Macapá. 2 Em setembro de 1848, o governo do Pará informava ao ministério da Justiça que nas imediações de Macapá se tinha formado “perigosas reuniões de malfeitores e escravos fugidos, que põem em susto os habitantes desta região”.3
Nesta ocasião, 1848, a França havia decretado a abolição da escravatura em suas colônias, o que se supõe ter estimulado a fuga de escravos para a região de fronteira com a Guiana, tornando esse espaço ainda mais conflituoso. As próprias autoridades provinciais do Grão-Pará argumentavam que o governador da Guiana francesa tinha enviado uma correspondência esclarecendo que, em virtude do decreto da República francesa, que aboliu a escravidão nas suas colônias e possessões, este país não podia mais entregar escravos ao Brasil. Esta situação obrigava o governo brasileiro criar medidas de controlo sobre a região (QUEIROZ & GOMES, 2002).
Outra situação que preocupava as autoridades brasileiras na Amazônia dizia respeito à atuação do governo peruano nas áreas de fronteira com o Brasil. A reclamação das autoridades do Peru era quanto ao comércio estabelecido entre os indígenas e os comerciantes brasileiros. Quanto aos comerciantes estabelecidos nas áreas de fronteiras, estes eram vistos costumeiramente praticando a compra e venda de produtos nas terras do Peru. De acordo com Ascensión Martinez Riaza (1998, p. 11), em estudo sobre a política regional na Amazônia peruana, esta situação exigia a expansão do aparato estatal peruano como a criação de instituições públicas e de uma legislação que pudesse garantir a ocupação e apropriação dos recursos naturais disponíveis neste território. Esta situação exigia, do ponto de vista dos interesses brasileiros, maior presença na região, uma vez que, à medida que o aparato estatal do governo peruano se consolidava nesta área, como a criação de fortificações e postos policiais, a situação agora se invertia, pois o território do Brasil passava a ser constantemente visitado por comerciantes estrangeiros que se estabeleciam na cabeceira do rio Purus. 4
Não diferente se encontravam os limites do Império contestados pelos ingleses. No caso, uma região da serra Pucaraium, entre os rios Orenoco e Amazonas, local de constantes incursões. Chegava-se inclusive a registrar a presença de holandeses desde o período colonial que vinham, segundo o senador Bernardo Pereira de Vasconcellos, fazer depredações nas fazendas brasileiras e aldeias de índios, o que fizera com que o marquês de Pombal, em 1752, edificasse o forte de São Joaquim, no rio Branco.5 Apesar das incursões, esta região ainda não havia sido contestada, mantendo-se como território brasileiro. Nos últimos anos da década de 1830, a região, no entanto, estava sendo objeto da cobiça dos ingleses, o que podia ser identificado através das investidas deste país, que havia, por exemplo, em 1838, enviado missionários metodistas para pregar a religião cristã nas aldeias da região, “corrompendo o coração dos indígenas, e indispondo-os contra os brasileiros”. Outra investida dos ingleses se registrava ainda em 1846, quando o engenheiro Schomburgk, a serviço da Inglaterra, e o comissário de polícia de Demerara teriam avançado os limites do território brasileiro e demarcado a colônia de Demerara nas cabeceiras do rio Correntino, serra de Aracahy. Este evento havia possibilitado a Inglaterra a ampliar os limites territoriais da Guiana inglesa para 76.000 milhas quadradas, quando o seu território nunca teria compreendido mais que 12.300 milhas.6
Outra questão incomodaria o governo brasileiro quanto ao domínio das terras ao Norte do Império e que faziam fronteira coma Guiana inglesa. A Inglaterra entendia que, por ser este território ocupado por tribos indígenas que teriam implorado a proteção da rainha Vitória, essas terras nem pertenceria à Grã-Bretanha, nem ao Brasil, constituindo, portanto, enquanto território neutro. Esta situação era completamente refutada pelo senador Bernardo Pereira de Vasconcellos (1978, p. 171), que conclamava os demais senadores e administradores do Império, para se indignarem diante do que chama de “sofismo inglês”, pois, se “forem admitidos como ponto do direito público brasileiro a possibilidade da Inglaterra intervir em defesa da proteção dos indígenas do Brasil, os territórios da Corte e da província do Rio de Janeiro estariam na mesma situação de serem contestados pelo governo inglês”, com o “mesmo direito com que contestam e usurpam os territórios nacionais no Norte”. Neste aspecto, Pereira de Vasconcelos evocava o princípio da não interferência nos negócios internos do Brasil e seu território, embora defendesse a abertura de estradas e navegação dos rios de forma a facilitar as relações de amizade e o transporte dos produtos da indústria envolvendo as nações que tinham possessões limítrofes com Brasil.7
A situação envolvendo as terras do Norte chega inclusive a ser ironizada pelo senador, quando fazia referência às justificativas inglesas para se apropriar do território brasileiro. Afirmava que, se fosse seguida as recomendações do governo inglês, “bastaria os índios da província do Rio de Janeiro implorar a proteção da rainha Vitória contra os brasileiros que lhes maltratariam e lhes reduziam a escravidão”, e “a rainha por impulso de sua benevolência e filantropia passava então a protegê-los”. Nos dizeres do senador, imediatamente, apareceria “um engenheiro Schomburgk e um comissário de polícia, que hasteariam bandeiras, fincariam marcos, ameaçariam os brasileiros”, acrescentando que, além do direito dos indígenas, que deveriam ser considerados como povos independentes, seriam indispensáveis a essas populações silvícolas que se mantivessem sobre a proteção da “generosa” nação inglesa. 8
Nos discursos do senador Pereira de Vasconcelos ficava, portanto, evidente a preocupação com a política expansionista inglesa, vista como nação que regurgitava de capitais e habitantes, que “não achando emprego a sua indústria e braços no próprio país, perturbariam incessantemente a sua tranqüilidade, e até ameaçariam, em futuro não remoto, a sua existência”.9 Desta situação se justificaria a urgente e imperiosa necessidade que tinha a Inglaterra de possuir colônias e de transportar, para elas, o excesso de sua população. Outro problema incomodaria ainda mais o governo inglês, tratava-se daquilo que o senador chamava de excesso de liberdade do povo britânico, fazendo com o que o governo perdesse a autoridade de encaminhar os seus colonos para qualquer área de colonização. Esta situação obrigava os administradores a usar como expediente para assegurar a emigração, tornar essas colônias atrativas, pois assim, a emigração se daria voluntariamente, uma vez que, ofereceria altos proveitos e altas remunerações. No entanto, os ingleses não possuíam colônias tão atrativas. Neste aspecto, a posição geográfica, clima saudável, espantosa fertilidade dos terrenos para cultivo, tornava a Amazônia superior a todas as colônias britânicas, sendo que estas condições posicionavam a região com objeto do interesse inglês.
Como se observa, em alguns importantes aspectos, o Estado brasileiro não estava consolidado e mostrava-se bastante vulnerável. As fronteiras externas do país na Amazônia não estavam definitivamente delimitadas. A Cabanagem, a mais sangrenta das rebeliões provinciais e ocorrida no Pará na segunda metade da década de 1830, atemorizava as autoridades. Os planos de colonizar a região por nações estrangeiras constituíam uma séria ameaça à manutenção do território. Por conseguinte, a necessidade de integração das atividades produtivas na região a economia nacional como forma de promover o controlo econômico, eram questões que desafiavam o governo naquele momento. Neste aspecto, restava-se à construção de medidas de superação dessas dificuldades, o que significava a construção de ações articuladas, que promovessem o exercício de controlo sobre a região reforçando as instituições do Império, principalmente nas áreas de fronteira, como a implantação de colônias militares e postos de policiamento, e não perdesse de vista a necessidade de assegurar o desenvolvimento da economia regional, como o incentivo a prática agrícola, articulada à promoção do povoamento.

Agentes públicos, colonos nacionais e ocupação da fronteira
A necessidade de ocupação populacional e produtiva das áreas de fronteira coloca os colonos nacionais e indígenas como centro dos debates sobre a forma mais adequada de promover o controlo brasileiro sobre estas regiões. Quanto a questão, o presidente Henrique de Beaurepaire Rohan, que administrou a província do Pará na década de 1850, enquanto militar e ocupante de diversos cargos públicos é um dos primeiro a defender a presença dos colonos nacionais em projetos de colonização agrícola e na substituição da mão-de-obra escrava no Brasil. Sugeriu em 1856 a criação de colônias modelos, inclusive para as regiões de fronteira, que fossem ocupadas por colonos nacionais, uma vez que podia representar grandes vantagens em relação à imigração estrangeira, como os custos de transportes e melhor adaptação ao clima. 10
Esta proposta, de acordo com os estudos de Claudia do Santos e Márcia Motta (2010, p. 187-188) que alinhava a biografia de Henrique Rohan ao tema da democracia rural no contexto das discussões sobre o abolicionismo, parecia indicar um esforço de controlar o processo de libertação dos escravos, a partir de uma intervenção do governo, ao mesmo tempo em que revelava a preocupação de Henrique Rohan em utilizar a população nacional que “vivia amontoada nas cidades ou dispersas pelos campos”. Desse modo, a institucionalização das colônias modelos, com a utilização do trabalhador nacional, apresentava a vantagem de reunir grande parte da população que, “sem a mínima instrução, sem ideia alguma de bem estar”, recorriam “à colheita dos produtos silvestres, à caça, à pesca, como se não fizessem realmente parte de um povo civilizado”. 11
No caso dos aldeamentos, as preocupações remetiam a alguns anos antes. Em 1841 o ministro dos Negócios do Império, Candido de Araújo Vianna, destacava a necessidade do governo brasileiro investir na criação de aldeias coloniais que pudessem instruir aos índios nos serviços da lavoura e na ocupação perene de terra. No caso dos aldeamentos em espaços de limites com outras nações, “não se tratava apenas de tornar uteis braços improdutivos”, mas de “ter o proveito de terrenos que antes se achavam baldios ou submetidos às incursões de estrangeiros”. 12
Ao que tudo indica, as críticas de Candido de Araújo Vianna, que ocupava uma das principais pastas ministeriais, eram compartilhada por outros ministros. Em 1846 o ministro Joaquim Marcellino de Brito apontava as colônias agrícolas e os aldeamentos, principalmente se tratando de áreas de fronteira, como ações conjuntas capazes de promover o povoamento, a consequente ocupação da terra e a constituição de pequenas propriedades. 13
De acordo com Márcia Naxara (1991, p. 51), embora os debates sobre colonias agrícolas e aldeamentos, indios e colonos nacionais, tomem grande parte das considerações de políticos e intelectuais em seus discursos, suas interpretações refletiam sobre esses grupos como formados por uma população vadia, sem amor ao trabalho e indolente. Assim, os problemas vivenciados com a agricultura não se tratavam apenas de uma questão de falta de braços, pois estes existiam espalhados em todo o Império, no entanto se encontravam na condição de ociosidade que esta população se encontrava. A compreensão era de que, se estivessem disciplinados, ocupando os espaços de colônias agrícolas e aldeamentos devidamente organizadas pela força pública, não se faria sentir com tão gravidade a falta dos escravos e o governo manteria ocupada populacionalmente as terras de fronteira não necessitando de tanto aparato policial nestas áreas.
Sobre esta questão, o ministro dos Negócios do Império Nicolau de Campos Vergueiros destacava, ainda em 1832, que essa mão-de-obra formada por índios e colonos nacionais, disponibilizada nas províncias devia ser utilizada no “arroteamento das nossas matas”. Defendia a instituição de colônias nacionais e aldeamentos em lugares ermos, afastados dos núcleos urbanos. No caso dos núcleos agrícolas estes podiam ser compostas de indigentes, réus condenados a trabalho ou degredo. Assim, ele destacava a necessidade de conhecimento, por parte do governo, dos possíveis trabalhadores nacionais e a criação de programas específicos de aproveitamento dessa mão-de-obra. No entanto advertia que para o caso das terras fronteiras, esta população não era recomendada, pois podia aproveitar possíveis disputas territoriais entre países para garantir impunidade de crimes que pudessem cometer em seu país de origem14
Ao suceder Nicolau de Campos Vergueiros no ministério dos Negócios do Império, Joaquim Vieira da Silva e Souza se mostra também favorável ao estabelecimento de colônias nacionais formadas por famílias de indigentes e desocupados dos centros urbanos, ou ainda populações que vagueavam pelo interior das matas e florestas do país, vivendo exclusivamente da extração. No entanto, adverte sobre a necessidade de que esses espaços sejam implantados nas margens de rios navegáveis e em locais cortados por estradas de rodagem, a começar da proximidade das povoações para os lugares mais remotos. Isto por que entende que esta população não deve ser isolada dos centros de povoamento onde circularia os hábitos civilizados, de onde deveriam herdar os costumes. Se isolados, eles estariam assim condenados a buscar os costumes silvícolas caracterizados por uma agricultura não utilitária para o comércio e para o país.15
Para a província do Amazonas, a proposta mais polêmica para resolver o problema do escasso povoamento era apresentada pelo deputado pela província do Rio Grande do Norte Joaquim Manoel Carneiro da Cunha. Propunha que se encaminhasse, como em tempo de outrora, certos criminosos das grandes cidades, como por exemplo, do Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, para esta região. Não se tratava de mandar “qualquer facínora”, advertia o deputado, “porque estes devem estar sempre presos para que não mais [perturbem] a sociedade”, mas “vadios e outros de culpa leve podiam ir povoar o Rio Negro”. 16 Assim, entendia que ao mesmo tempo em que se fazia a “limpeza dos grandes centros populacionais do país”, o governo criava as condições de forçar essa população ao trabalho regular, principalmente quanto à atividade agrícola, pois, estes locados nos núcleos de colonização seriam obrigados a produzir seu alimento e assegurar uma produção que fosse necessária para o comércio.
De acordo com o deputado Manuel Antonio Galvão, em sessão do parlamento brasileiro de 21 de julho de 1843, havia a necessidade do governo brasileiro, como forma de desenvolver a atividade agrícola entre os nacionais, conceder gratuitamente terras. No entanto, destacava que esses terrenos deviam ser doados em locais de pouca atração. Ele entendia que os nacionais acostumados com uma agricultura rotineira e pouco produtiva, aproveitariam minimamente as potencialidades dessas terras, não estando preocupados em acumular bens, nem tão pouco em comercializar seus produtos. Assim, não se importariam em ocupar terrenos em “paragens quase isoladas, sem estrutura de estradas ou próximas a povoados”, pois prefeririam ficar isolados e de certa forma, não influenciariam no andamento civilizatório do país, a partir do desenvolvimento da imigração estrangeira. Quanto aos indígenas, se posicionava favorável a criação de aldeamentos nas áreas de fronteira, principalmente para evitar o comércio de índios com estrangeiros. 17
Ainda sobre a utilização do colono nacional ou seu melhor aproveitamento, o deputado Manuel Antonio Galvão destacava que a ocupação de terras situadas nos limites do Império com as nações estrangeiras era o espaço mais adequado para a presença de colonos brasileiros. Entendia que, se estas terras fossem ocupadas e possuídas por imigrantes de outras nacionalidades, seria bastante cômodo que uma companhia estrangeira posteriormente a doação de terras a esses lavradores, em acordo com os esses colonos, ocupasse essas terras, isto por que esses colonos não despertariam qualquer sentimento de nacionalidade ou apego pelo Império brasileiro, ou as terras do Brasil, fazendo acordo com qualquer companhia estrangeira, principalmente se tratasse de empresas oriundas de seu país de nascimento.18
De acordo com Euzébio de Queiroz, na época também deputado geral, era pensamento do governo não fazer venda ou doação de terras nas áreas de fronteiras com outras nações, a imigrantes estrangeiros. Tanto que solicitava aos deputados da Assembléia Geral que produzisse uma legislação em que fosse estabelecido que os terrenos devolutos em áreas de fronteira fossem vendidos a quem desejasse comprar, no entanto, que se marcassem duas limitações ou exceções: “que pudessem ser dados gratuitamente e que só dessem ou vendessem a nacionais”. Destacava ainda que fosse conveniente que esta exclusão dos estrangeiros para possuir terrenos vizinhos a outras nações não fosse limitada ao primeiro título de domínio, mas também, se estendesse a todas as outras transferências posteriores.19
De fato, o entendimento do ministro da Marinha Joaquim José Rodrigues Torres, visconde de Itaboraí, é de que, se essas zonas fossem povoadas por estrangeiros, esses de certo não teriam os mesmos sentimentos de patriotismo, e por consequência o mesmo zelo, a mesma energia em se oporem às invasões estrangeiras como se fossem brasileiros. No entanto, não se mostrava favorável à criação de colônias agrícolas ocupadas por nacionais identificados como “de má índole ou criminosos deslocados dos centros urbanos do país”, como propunha o deputado Manuel Antonio Galvão, pois estes aproveitariam as regiões de fronteira como estratégia para burlar as leis brasileiras.20
A compreensão do governo brasileiro era de que essas regiões de fronteira se constituíam como um território costumeiramente ocupado por povos de diferentes nacionalidades e grupos marginais, o que justificaria a criação de medidas em defesa da soberania nacional nesses espaços.21 Essas ações estavam associadas à garantia do povoamento e a necessidade de afirmação da nacional brasileira, sendo essa nacionalidade capaz de ser assegurada com a presença de colonos nacionais nesta região. Em outras palavras, estamos dizendo que estas questões, povoamento e afirmação da nacionalidade brasileira nas regiões de fronteira, devem ser entidades numa relação dinâmica e não dissociada, o que pressupõe compreender a criação de colônias agrícolas e aldeamentos tendo como propósito principal a garantia da ocupação populacional, em que essas populações, que ocupem esses espaços, compartilhem os valores nacionais, ou como dizia o deputado Euzébio de Queiroz, se “identifiquem como brasileiro e defenda os interesses do país, em regiões tão conflituosas”. 22
Em relatório apresentado ao parlamento provincial, o presidente do Pará Pedro Vicente de Azevedo, defendia a ocupação de regiões de fronteira com aquilo que chamou de “homens laboriosos e capazes de auxiliar na defesa do território nacional”, ou seja, entendia que era necessário que estas regiões fossem ocupadas por populações capazes não apenas de povoar, mas também de explorar as terras através do cultivo e obediente às leis do Estado.23 Conforme apontava as autoridades provinciais, para estes homens ficaria o desafio de desenvolver a economia desses locais, e disponíveis para proteger estas terras da ocupação estrangeira, quando convocados pelas forças militares. Assim se privilegiava a construção de colônias e aldeamentos que fossem constantemente fiscalizadas pelas autoridades militares, mantendo controlo sobre esses espaços.
Aldeamentos e colônias em espaços de fronteira parecem apontar um mesmo significado frente aos discursos das autoridades: povoar e assegurar a soberania nacional. Constituía, portanto, um exercício de manter o território não apenas com o aparato militar, mas buscando novas ações que firmassem a construção de uma identidade brasileira.

Conclusão
Ao colono do Pará e Amazonas, do ponto de vista do governo local, como se observa, restava a preocupação de como controlar e submeter a um trabalho árduo, contínuo e disciplinado, uma vez que estavam habituados a prática extractivista e a uma agricultura irregular, itinerante e de pequena produção. Embora, vez por outra, se observe uma defesa desses trabalhadores como conhecedores das “coisas da terra”, importante para definir os espaços de implantação das colônias agrícolas, os tipos de cultivo e as condições do solo da região, ainda assim, os colonos e índios não apareciam como objetivo central a ser alcançado pelos programas de colonização agrícola. A necessidade de ocupação das áreas de fronteiras colocavam, no entanto estes indivíduos em outra condição nos debates entre as autoridades brasileiras chegando em alguns posicionamentos a serem posicionados como possíveis protagonistas destas empreitadas colonizadoras. Não se trata, no entanto, de apenas um registro das contribuições que estes poderiam oferecer às medidas públicas de fomento a agricultura, promoção ao aumento de braços para lavoura e controle dos territórios de fronteiras. Também não se pode dizer que estes ocuparam nos discursos da administração uma função permanente como protagonista, mesmo considerando os debates sobre a ocupação das terras de fronteira. Adverte-se, entretanto, a visibilidade que os colonos nacionais e indígenas adquirem neste debate, mesmo considerando que estes eram registrados apenas sob o ponto de vista do aproveitamento.

Bibliografia
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1 Nos registros do Tratado de Limites Brasil-Perú (2009, p. 88), ao desencadear a guerra entre Brasil e Paraguai, agravou-se ainda mais a situação política externa do Império perante as repúblicas do Pacífico. Neste aspecto, as atitudes de hostilidade do Peru, da Colômbia, do Equador e mesmo do Chile, ameaçavam juntar-se as crescentes desconfianças da Bolívia.

2 Arquivo Público do Pará (APEP). Códice 493 (1831-1837), oficio de 31 de agosto de 1837.

3 APEP. Caixa 67 (1840-1849), ofício de 6 de setembro de 1848.

4 A presença de peruanos em terras brasileiras, de acordo com Charles Walker (1987, p. 67) se devia a criação de áreas de produção de alimentos na região de Loreto, o que teria favorecido a ocupação das terras de fronteira com o Brasil.

5 Sobre a questão, o senador Bernardo Pereira de Vasconcellos faz um longo pronunciamento no Senado do Império, com o propósito de estabelecer à discussão da resposta a Fala do Trono sobre os limites do Império brasileiro e a sua soberania. Este discurso foi reproduzido em completo sob título Usurpação do nosso território pelos ingleses, no jornal O Paraense, de 17 de agosto de 1843. Este periódico de publicação semanal era até então redigido pelo político liberal Joaquim Mariano de Lemos. Importante destacar que Bernardo Pereira de Vasconcellos, desde 1825 iniciava o trabalho jornalisticos como principal redator do jornal O Universal, publicado em Ouro Preto. Na carreira politica Foi deputado na primeira Câmara Legislativa do Império. Instalada em sessão solene, em 6 de maio de 1826, com a presença do imperador, que lhe recomenda a votação de leis complementares, a primeira legislatura da Câmara dos Deputados delibera sobre a difusão da vacina contra a varíola, a regulamentação das relações entre Igreja e Estado; o processo de desapropriação à fixação das Forças Armadas; a dotação da família imperial; a reforma do Judiciário; a instrução pública; a criação dos cursos jurídicos em São Paulo e Olinda; a separação entre os poderes e definição de competências; a responsabilidade dos ministros de Estado por crimes políticos; a administração municipal e o Código Criminal de 1830, com origem em projetos de Bernardo de Vasconcellos. De sua autoria, em 7 de agosto de 1826, foi o projeto que criava o Supremo Tribunal de Justiça, convertido em lei apenas em 1828 que aboliu o Desembargo do Paço, em uma reforma considerada descentralizadora (VASCONCELLOS, 1978, p. 11-17).

6 O PARAENSE. Usurpação do nosso território pelos ingleses, 17/08/1843, p. 3-4.

7 Este preceito sobre a soberania nacional fez parte da exposição de princípios do ministério da Regência apresentada a Assembleia Geral pelo na época senador Bernardo Pereira de Vasconcellos (1978, p. 167-172), que ocupava o cargo de ministro da Justiça em 23 de julho de 1831.

8 O PARAENSE. Usurpação do nosso território pelos ingleses, 17/08/1843, p. 04

9 Ibidem.

10 Relatório da presidência de província do Pará, 15/08/1856, p. 13.

11 Idem, p. 33.

12 Relatório do ministério dos Negócios do Império. Ano de 1841, 1ª Sessão da 5ª Legislatura, p. 29.

13 Relatório do ministério dos Negócios do Império. Ano de 1846, 4ª Sessão da 6ª Legislatura, pp. 31-32.

14 Relatório do Ministério dos Negócios do Império. Ano de 1832, Sessão Ordinária de 1833, p. 240.

15 Idem, p. 25.

16 Anais do Parlamento Brasileiro. Sessão de 18 de maio de 1843, p. 240.

17 Anais do Parlamento Brasileiro. Sessão de 21 de julho de 1843, p. 350.

18 Anais do Parlamento Brasileiro. Sessão de 21 de julho de 1843, p. 350.

19 Idem, p. 351.

20 Anais do Parlamento Brasileiro. Sessão de 24 de julho de 1843, p. 382.

21 Para uma leitura pontual sobre a atuação do Estado brasileiro nas regiões de fronteira da Amazônia, no caso do Peru e Guiana, e os debates em torno da criação de programas de colonização agrícola, destacam-se: NUNES, 2008; QUEIROZ & GOMES, 2002; RIAZA, 1998; e ROMANI, 2003.

22 Idem, p. 351.

23 Relatório da presidência de província do Pará, 15/02/1875, p. 62.