Contribuciones a las Ciencias Sociales
Agosto 2013

A INSERÇÃO DO URBANO E AS TRANSFORMAÇÕES SÓCIOESPACIAIS EM COMUNIDADES RURAIS: UM ESTUDO NA COMUNIDADE DE BOM SOCORRO DO ZÉ AÇU, NO MUNICÍPIO DE PARINTINS – AM, BRASIL



Luís Fernando Belém da Costa (CV)
Charlene Maria Muniz da Silva (CV)
Francisco Alcicley Vasconcelos Andrade (CV)
falcicley@gmail.com
UEA/AM

RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo principal compreender as transformações socioespaciais ocorridas na Comunidade de Bom Socorro do lago do Zé Açu, localizada na área rural do Município de Parintins-AM, engendradas pela introdução de elementos urbanos na paisagem local. A Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu onde a pesquisa foi realizada localiza-se na margem direita do rio Amazonas e do Paraná do Ramos, em uma área de terra firme, localizada no município de Parintins-AM; distante a 14 km da sede municipal, e o meio de transporte para se chegar nessa comunidade é por via fluvial. A população local está em torno de 1200 habitantes, sendo que esta dividida em 230 famílias. Nesta pesquisa constatou-se que essa Comunidade vem passando por uma serie de mudanças de cunho socioespaciais nos últimos anos, a infraestrutura é bem desenvolvida no que tange ao asfaltamento das ruas, posto de saúde, colégio com sala de informática e água encanada. No que se refere às mudanças sociais, verificou-se que a maioria dos moradores, principalmente os mais novos apresentam em suas condutas valores que ora são urbano e ora são rurais, notou-se que os mais antigos ainda tentam manter os velhos valores do modo de vida rural, enquanto os moradores mais novos cada vez mais estão atrelados no contexto da mudança, da quebra das tradições comunitárias, ou seja, estão mais condicionados pela racionalidade urbana. Contudo, embora possua alguns serviços característicos das cidades, trata-se de uma Comunidade ribeirinha, porém, com particularidades próprias, pois está modificada socialmente por elementos urbanos, mas que na mesma ainda existem muitas atividades ligadas ao campo, ou seja, ao modo de vida rural; como na relação com a floresta e com o rio, nas relações de vizinhança que muitos ainda mantém, nas histórias contadas principalmente pelos moradores antigos, onde sempre abordam histórias de caça e pesca, ou historias abarcando elementos sobrenaturais envolvendo sempre o rio e a floresta, ou mesmo na forma de muitos falarem. Logo, esse trabalho acaba tendo como tarefa primordial fazer uma reflexão sob essas mudanças a partir das características do urbano na comunidade pesquisada, demonstrando de que forma ocorre a relação do rural com o urbano no modo de vida dos comunitários nesse local.

Palavras-Chave: Comunidade, Rural, Urbano, Transformações Socioespaciais.
Eixo: Relação Campo – Cidade

ABSTRACT

This research aimed to understand the socio-spatial transformations occurring in the Community of Bom Socorro do Lago do Zé Açu, located in the rural area of the Municipality of Parintins-AM, engendered by the introduction of elements in the urban landscape. The Community of Bom Socorro do Zé Açu where the research was conducted is located on the right bank of the Amazon River and the Paraná do Ramos, in an area of land located in the municipality of Parintins-AM, distant 14 km from the municipal seat and means of transport to reach this community is by boat. The local population is around 1200 inhabitants, and is divided into 230 families. In this research it was found that this community has undergone a series of changes in socio-spatial imprint in recent years, the infrastructure is well developed regarding the paving of roads, health centers, school with computer room and piped water With regard to social change, it was found that most of the residents, especially the younger ones have in their pipelines values that are sometimes urban and rural are now, it was noted that the oldest still try to maintain the old values of the mode of rural life, while younger residents are increasingly linked in the context of change, the breakdown of community traditions, ie, are more constrained by rationality urban. However, although it has some characteristic services of cities, it is a community riverside, but with special features, because it is modified by social urban elements, but at the same there are still many activities related to the field, ie, the mode rural life and the relationship with the forest and the river, in the neighborhood relations that many still holds the stories told mainly by older residents, which always report stories of hunting and fishing, or covering stories involving supernatural elements whenever the river and forest, or even as many speak. Therefore, this work ends up having as main task to reflect on these changes from the characteristics of the urban community studied, demonstrating how it is the ratio of rural to the urban way of life of the community there.

Keywords: Community, Rural, Urban, socio-spatial transformations.
Shaft: Relationship Field – City.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Belém da Costa, L., Muniz da Silva, C. y Vasconcelos Andrade, F.: "A inserção do urbano e as transformações sócioespaciais em comunidades rurais: um estudo na comunidade de Bom Socorro do Zé Açu, no município de Parintins – AM, Brasil", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Agosto 2013, www.eumed.net/rev/cccss/25/comunidade.html

INTRODUÇÃO

A Amazônia é mais do que um cenário de riquezas naturais, pois sua fauna e flora são geralmente os elementos que mais chamam a atenção de quem a pretende conhecer. Porém, entende-se aqui que a Amazônia é um espaço de significados e riquezas diversas, principalmente quando se pretende analisar sua população, em especial suas Comunidades ribeirinhas; onde é possível conhecer povos de uma cultura com características bastante especificas, que tem na relação com o rio e a floresta uma forma especifica de viver.
Diante da necessidade de conhecer melhor as Comunidades ribeirinhas da Amazônia, em especial as localizadas no Município de Parintins, realizou-se esse estudo, no qual se optou em pesquisar a Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu (recorte geográfico da pesquisa), que pertence à região do Zé Açu, localizada no Município de Parintins, por entender-se que a mesma ao longo dos últimos anos veio se modificando de forma significativa, tanto espacialmente, como no âmbito social; pois antes era uma tradicional Comunidade ribeirinha do município de Parintins, porém, atualmente encontra-se bastante alterada por elementos típicos da cidade, ou seja, agora tem características próprias, e por isso mesmo se diferencia muito de uma Comunidade ribeirinha tradicional da Amazônia.
Essa Comunidade veio pouco a pouco adquirindo uma infraestrutura típica de uma pequena cidade; com ruas, travessas, comércios, posto de saúde, e uma escola com boa estrutura, além de água encanada e energia elétrica. As mudanças também estão ocorrendo no âmbito social e cultural; nas relações sociais, nos hábitus, costumes, crenças, e atividades econômicas, então houve mudanças significativas no espaço físico e social da Comunidade.
Para entender tais mudanças foi realizado o levantamento da infraestrutura e principais serviços existentes na Comunidade, identificando as principais mudanças ocorridas na mesma a partir da introdução de elementos da racionalidade urbana (asfaltamento de ruas, energia elétrica, água encanada). Utilizou-se uma pesquisa de cunho qualitativa explicativa, e como método fundante o indutivo. Esta pesquisa empregou a seguinte metodologia para a coleta de dados: observação direta, aplicação de formulários com questões abertas e fechadas sobre renda, educação, infraestrutura, assim como, entrevistas com os comunitários.
Esta pesquisa teve como objetivo geral compreender as transformações socioespaciais ocorridas na comunidade de Bom Socorro do Zé Açu engendradas pela introdução de elementos urbanos na localidade. E como objetivos específicos: fazer o levantamento da infraestrutura e principais serviços oferecidos na Comunidade de Bom socorro do Zé Açu (moradia, educação, renda e segurança). E entender as principais mudanças ocorridas na Comunidade a partir da introdução de elementos da racionalidade urbana (asfaltamento das ruas, energia elétrica, agua encanada).
Este artigo está assim dividido: o capitulo I, Comunidades Amazônicas: formação histórica e aspectos socioculturais; procurou situar a pesquisa no contexto dos estudos sobre a formação histórica das Comunidades, em que se analisa o surgimento das primeiras Comunidades rurais na Amazônia, e posteriormente no Município de Parintins. Também no Capítulo I, procura-se demonstrar as características socioculturais das Comunidades, em especial as ribeirinhas, analisando sua cultura, economia, religiosidade, trabalho, hábitos, costumes, etc. além de se fazer uma análise da relação rural e urbano (campo e cidade), mostrando suas diferenças e complementaridades.
E capitulo II, A Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu: Passado e Presente, discorreu-se sobre a formação da Comunidade pesquisada, analisando como a mesma era no passado, e como está na atualidade. Para entender tais mudanças, no capitulo foram analisados os aspectos socioeconômicos e ambientais na Comunidade, mostrou-se também as principais transformações socioespaciais incidas; mudanças na configuração espacial e na vida social dos moradores (mudanças de hábitos, comportamentos, etc.), e sempre fazendo uma reflexão da relação rural e urbano que se faz presente no local. Destacando a introdução do urbano como o elemento condicionador das principais mudanças socioespaciais ocorridas na Comunidade nos últimos anos.

Comunidades amazônicas: formação histórica e aspectos socioculturais

Não se pode desconsiderar que muitas Comunidades Rurais da Amazônia passaram por um processo histórico semelhante no seu processo de constituição. Então cabe analisar e entender como as Comunidades amazônicas se formaram no contexto geral da Amazônia, visto que seu aspecto histórico é fundamental para saber como as mesmas foram se delineando, se modificando até chegar ao período atual, para que então se possa compreender de que forma as comunidade estudada assemelha-se e se diferencia das demais Comunidades Amazônicas.
Fraxe (2011) ressalta que o processo de formação das Comunidades amazônicas foi se configurando principalmente com o envolvimento da igreja católica, e por isso mesmo não se pode desconsiderar o papel que a mesma tem e teve na formação social e cultural dessas Comunidades. Porém, é preciso deixar claro que mesmo antes da chegada da igreja católica, muitas populações rurais já mantinham relações de Comunidade, (festejos, relações de parentesco, ajuda mútua, organização social, etc.) então, a igreja em muitos casos apenas se introduziu na organização politica, social e cultural das mesmas, Silva (2009) deixa isso claro quando analisa a formação das Comunidades rurais de Parintins, porém, a questão é que a igreja deu para esses povos o sentido de ser Comunidade, quando, por exemplo, contribui para a escolha do nome e organização politica das mesmas.
Mas em muitos casos Silva (2009) expõe que o processo de formação das Comunidades amazônicas realmente implicou no envolvimento direto da igreja católica, pois através dos movimentos eclesiais de base as populações que antes viviam dispersas em determinadas localidades, como em volta de lagos, áreas de várzeas ou mesmo de colônias agrícolas, foram incentivadas a ocuparem um determinado local. Essa estratégia foi utilizada também como forma de as populações terem acesso aos serviços, que embora precários são oferecidos nesses aglomerados.
No que se refere aos aspectos socioculturais das Comunidades rurais amazônicas, é imprescindível destacar que, segundo Fraxe (2011) apesar das mesmas possuírem uma serie de peculiaridades por terem passado por um processo histórico semelhante nas suas constituições, ainda sim não se pode afirmar que as mesmas são homogêneas, pois toda Comunidade possui certas características próprias.
No entanto, Fraxe (2011) demonstra que o processo de formação dessas Comunidades ocorreu de forma semelhante, tanto no segmento social, religioso e político. E esse processo histórico fez com que fosse possível haver inúmeras características socioculturais entre as Comunidades rurais da Amazônia. Pois segundo esta mesma autora a centralidade das Comunidades amazônicas é comumente formada pela igreja, escola e a sede comunitária.
 Charles Wagley (1988) entende que o aspecto sociocultural das Comunidades amazônicas no que tange economia, religião e a política parecem interligados num único sistema cultural, e todas as comunidades recebem a herança cultural da região a qual pertence, pois não se pode desconsiderar, por exemplo, que o modo de vida seja referente ao trabalho, as superstições, como as lendas do boto e da cobra grande, assim como na forte religiosidade, e esses são elementos ainda muito presentes na vida dos moradores em uma Comunidade amazônica, principalmente aquelas localizadas as margens dos rios, lagos e igarapés.
E no que se refere a importância da igreja católica como instituição marcante no modo de vida comunitário, a autora Therezinha Fraxe (2011) argumenta que a igreja representa o núcleo social dos moradores, pois a maioria das atividades realizadas na Comunidade são instituídas na igreja, sendo que os cultos aos domingos constituem o momento de encontro e reunião, em que os comunitários obtêm informações sobre sua Comunidade e ao mesmo tempo discutem e tomam decisões a respeito dos assuntos que surgem.
Sendo que as festas em honra aos santos padroeiros é o momento em que os comunitários reafirmam suas tradições, mitos, crenças, e assim sua própria cultura. Representa também uma condição em que um grupo de pessoas busca manterem uma tradição diante das transformações socioculturais engendradas nas sociedades modernas. (FRAXE, 2011).
Outro ponto fundamental que não se pode deixar de enfatizar quando se estuda o modo de vida ribeirinho é a sua identidade territorial, pois segundo Fraxe (2011, p. 123) “a construção de um lugar revela-se com a construção de uma identidade”.  E o ribeirinho tem uma relação muito forte com seu local, e seus hábitos, crenças, e cultura enfim estão relacionados ao lugar.

A formação e aspectos sociopolíticos das Comunidades rurais do município de Parintins

Sem dúvida falar da formação das Comunidades rurais na Amazônia é ao mesmo tempo reconhecer o importante papel que desempenhou a igreja católica nesse processo. E no município de Parintins não foi diferente como expõe Cerqua (2009, p.154).

Um grande número dessas Comunidades, particularmente nos primeiros anos, nasceu como Congregações Marianas de homens, com capelas para cultos e reuniões formativas, não demoraram a surgir escola, campo de jogo, cantina comunitária, e etc. Tudo em terreno doado ou vendido à Prelazia.

Cerqua (2009) evidencia a importância das congregações marianas, pois graças a esse movimento muitas Comunidades obtiveram inúmeros benefícios, como escola, campo de futebol, cantina comunitária, etc. e no que se refere à organização política das Comunidades no Município de Parintins Cerqua (2009, p. 154) afirma que:

Para as Comunidades criadas pela Prelazia de Parintins, foi elaborado um estatuto, segundo o qual a comunidade em questão é orientada pela paróquia e é dirigida por diretoria composta de presidente, vice, secretário e tesoureiro, que se reúnem semanalmente e é eleita por dois anos.

E sobre o termo Comunidade no que tange ao município de Parintins, Silva (2009) ressalta que assim como em boa parte da Amazônia, no município de Parintins utiliza-se o termo “Comunidade”, para se referir as concentrações populacionais da área rural. Silva (2009, p. 32) ainda argumenta que:

O termo Comunidade é utilizado por todos na região e reconhecido pelo poder público local, como as prefeituras dos municípios. Esse termo abrange características que são comuns nesses agrupamentos: a) poucos moradores que no geral são aparentados; b) relativo isolamento entre as Comunidades (muitas vezes dentro da mesma localidade existe uma longa distância entre os domicílios); e c) a presença da Igreja Católica na fundação e na organização dessas comunidades.

Porém Silva (2009) ressalta que essas regras não podem ser aplicadas a todas as Comunidades em Parintins, pois nos últimos anos vem crescendo o número de Comunidades de base evangélica, sendo que essas igrejas têm suas próprias normas. Silva (2009, p. 69) ressalta ainda que:

Além disso, muitas Comunidades vêm sofrendo alterações em suas características socioculturais sendo que muitas não seguem as regras da igreja católica como antigamente e possuem outras formas de estabelecer o controle e a organização da Comunidade. No caso específico de Parintins muitas Comunidades nasceram como Congregação Mariana, rapidamente esse movimento foi se espalhando pela zona rural do município de Parintins, mobilizando as famílias que moravam nestes lugares.

No entanto, Silva (2009) alerta para o fato de que apesar de muitas das Comunidades terem surgido pelo processo acima mencionado, contudo, nem todas tiveram a mesma origem na sua formação, sendo que apresentam heterogeneidades em seu processo de criação.
Percebem-se as mudanças que vem ocorrendo na organização sociocultural das Comunidades do Município de Parintins. Um dado importante é que atualmente o município de Parintins possui em média 180 Comunidades, conforme informações da Prefeitura Municipal de Parintins.

A relação Rural e Urbano: diferenças e complementaridades.

Uma questão central para reflexão neste trabalho trata-se da analise dos conceitos rural e urbano (campo e cidade), pois o objetivo geral da pesquisa é compreender as transformações socioespaciais ocorridas na Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu, no município de Parintins engendradas pela introdução de elementos urbanos na paisagem local. Sendo assim, faz-se necessário fazer uma abordagem desses dois conceitos, demonstrando suas diferenças e principalmente as complementaridades. E tal analise se torna fundamental para compreender os processos engendrados por ambos na Comunidade pesquisada.
O urbano na concepção de Henri Lefebvre (2001) é diferente da cidade, para esse autor o urbano é a racionalidade da cidade, são os valores, os hábitos, as modas, as ideologias. Em suma, o urbano é o modo de vida da cidade, ou seja, a cidade é a forma concreta e o urbano é o seu processo, por isso mesmo algo abstrato.
Quanto às áreas rurais a autora Priscila Bagli (2006) diz que as transformações estão imbuídas por uma logica bastante atrelada a natureza, e por isso mesmo, acontecem em menor escala, mas que não deixam de acontecer. Hábitos e costumes seguem um ritmo diferenciado, no qual as transformações estão atreladas as possibilidades apresentadas pela natureza. Existem outros tempos, outros horários. As pessoas estão imbuídas por uma lógica: Temporalidades diferenciadas; Horários que seguem outras usualidades e estilos, portanto, que expressam outro modo de vida.
Priscila Bagli (2006) argumenta também que nos espaços rurais, as relações cotidianas são construídas tendo como base intensa a ligação com a terra. O sustento da família é assegurado pelo trabalho sobre ela produzido, seja por intermédio dos produtos cultivados (para venda e consumo), seja por intermédio da criação de animais (pastagens e outras fontes de alimento). A terra não é mero chão, mas a garantia de sobrevivência.
Priscila Bagli (2006) argumenta que diferentemente do espaço rural, em que o tempo é bastante ligado à lógica da natureza, e as transformações ocorrem em ritmo lento, o espaço urbano em seu processo de produção e reprodução, passa por constantes renovações e transformações. Sendo possível perceber esse processo nas casas e prédios construídos e destruídos, nas ruas e avenidas traçadas e alargadas, no fluxo das pessoas e dos automóveis, nas vitrines das lojas, nas mercadorias vendidas, enfim, na infinidade de coisas que surgem sucessivamente.
Portanto, para Priscila Bagli (2006) nos ambientes urbanos as pessoas encontram-se imbuídas por uma lógica em que a rapidez dos acontecimentos determina o ritmo de seu modo de vida. No trabalho e no descanso, as compras e o lazer são cadenciados pelo compasso da lógica do capital de maneira mais real. Nesse tempo, o relógio é o condutor: controla a hora de dormir, acordar, trabalhar, se alimentar e descansar. O tempo é acelerado e curto.
Outro ponto de reflexão a se tratar sobre a relação rural e urbano é analisar de que forma ambos se atingem e se transformam nas suas relações, pois se acredita que o urbano é um processo continuo, que pouco a pouco vai incorporando, se apropriando, impondo hábitos, costumes, ideologias, enfim, modos de vida diferentes em áreas rurais, principalmente diferentes do que antes eram, mas não significando o fim desse rural, e sim podendo criar um rural transformado, que se caracteriza numa relação mais intensa com o urbano.
Nessa linha de raciocínio concorda-se com as concepções de Saquet (2006, p. 160) quando o mesmo afirma o seguinte:

Um aspecto importante, é a não definição do rural somente pela agricultura e do urbano somente pela indústria. Ambos relacionam-se reciprocamente e contém uma miríade de aspectos específicos inerentes a formas de vida distintas. Há complexidade e heterogeneidade nos espaços rural e urbano. Elas são territoriais, com temporalidades e territorialidades. O que varia, são os arranjos, as intensidades, formas e conteúdos, as velocidades. Um só pode ser compreendido em suas relações com o outro, pois um está no outro, só vem a ser pelo outro, numa relação complementar, dialeticamente definida.

É importante notar que Saquet (2006) nos leva a entender essa relação não apenas como conceitos de realidades opostas, mas como conceitos que se articulam, que se interagem, que se transformam nas suas relações. Ou seja, assim como existe as diferenças entre rural e urbano, também há as complementaridades.

Priscila Blagi (2006, p. 96) também nesse contexto ressalta que:

As mercadorias transformadas e produzidas na cidade (eletrodomésticos, automóveis, vestimentas etc.) invadem o campo, assim como os produtos gerados no campo (alimentos em geral, matérias-primas) invadem a cidade. Essa relação entre campo e cidade se intensifica, porque a divisão territorial do trabalho, estabelecida pelo desenvolvimento do modo de produção, coloca funções especiais para cada espaço, de modo que eles se inter-relacionam e se complementem. Ambos se transformam, se adequando ás mudanças ou a elas resistindo.

Então nota-se que as analises sobre o campo e a cidade e os seus conteúdos rural e urbano (modo de vida) não podem ser analisados de forma separada, como se fossem coisas distintas e sem relação, mas sim, ao contrario, devem ser trabalhados num contexto de uma relação dialética, onde ambos se entrelaçam e se transformam nas suas relações. Por esse motivo também não podem ser lidos como conceitos rígidos, ou seja, como algo estático, parado no tempo, pois ambos acompanham o movimento dialético da sociedade, então estão passiveis sempre de mudanças em seus conteúdos.

A Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu: passado e presente

A Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu fica distante 14 km da sede municipal de Parintins, por via fluvial, e a forma mais comum de se chegar nessa Comunidade é pelo rio, geralmente barcos, pois existem pelo menos cinco (05) desses meios de transporte que fazem linha da Comunidade para a cidade de Parintins e vice-versa.

E ao se avistar a Comunidade do Zé Açu, percebe-se um espaço bastante modificado pelo homem, já não podendo mais ser descrita como uma Comunidade ribeirinha tradicional. A imagem percebida parece também com a descrita por Charlene Silva (2009, p. 88) na sua pesquisa do mestrado sobre as agrovilas Mocambo, Caburi e Vila Amazônia, quando a mesma descreve que:

Aos poucos as vilas vão se mostrando, parecem cidadezinhas escondidas na vastidão das matas da floresta Amazônica, não se parecem mais com uma comunidade rural ribeirinha tradicional, a paisagem já está modificada e assim se apresenta aos nossos olhos. Porém, sabemos que também não são cidades.

Apesar da Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu ainda não ter se transformado em uma agrovila, mesmo essa sendo a vontade de alguns moradores, não se pode negar que a mesma já tem uma infraestrutura tão desenvolvida quanto às agrovilas pesquisadas por Silva (2009).
Para a construção do histórico desta comunidade, foi utilizado o livro de João Lauro Simas intitulado “1ª história do Zé Açu”. Seu João Lauro e sua esposa dona Raimunda Simas, foram membros fundadores da comunidade de Bom Socorro do Zé Açu, nome esse dado por eles e pelos padres Danilo Cappelleto e Pedro Vignola.
Simas (2000) relata que um dos fatos mais importantes dessa história ocorreu em 1961, pois graças a ação do padre João Andena, com autorização do bispo Dom Arcângelo Cerqua, foi fundada a comunidade de Bom Socorro do Zé Açu.
Simas (2000) também argumenta que os trabalhos comunitários sempre foram realizados em mutirão, com participação alegre de homens, mulheres e crianças. Um fato fundamental no entendimento da vida social e política de uma Comunidade, visto que, as relações de ajuda mútua são características essenciais de uma Comunidade rural.
A Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu pela atividade política de seus representantes veio pouco a pouco conseguindo um desenvolvimento qualitativo, uma boa infraestrutura, água encanada, energia elétrica, posto de saúde que atende todas as comunidades da região do Zé Açu, colégio com sala de informática que também atende a região, comércios, etc., ou seja, o desenvolvimento alcançado possibilitou que essa Comunidade se tornasse uma centralidade na região do Zé Açu, tanto na área econômica, quanto na área da educação e da saúde.
Por todas essas conquistas pode-se dizer que se trata de uma Comunidade diferenciada, pois apresenta particularidades próprias, se diferenciando das outras comunidades rurais do município de Parintins, não só por ter uma paisagem típica de uma pequena cidade na sua composição, mas também pela própria apropriação de hábitos e costumes típicos da cidade, visto que, os modos de vida foram alterados, um fato ate mesmo visível pelo motivo de as atividades antes totalmente ligadas ao campo, na atualidade apresentar uma diversidade na forma de trabalho dos comunitários.

Os aspectos socioeconômicos na Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu

A população da Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu atualmente está em torno de 1200 habitantes, sendo que esta dividida em 230 famílias, além de possuir uma área de aproximadamente 600 metros de frente e 1000 metros de fundo. Bom Socorro possui certa infraestrutura semelhante com a de uma pequena cidade, possuindo 07 ruas e duas travessas, as mesmas são “asfaltadas”1 (calçadão) e todas já possuem nomes, essa Comunidade possui sistema público de abastecimento de água encanada e energia elétrica.

Nesta Comunidade existe o posto de saúde Maria do Carmo (figura 03) com atendimento diário, programas básicos de saúde, atendimento odontológico, onde o médico atende três vezes por semana (segunda, quarta e sexta), conta com três agentes de saúde Comunitários, possui ainda uma enfermeira e uma fisioterapeuta, além de possuir todos os programas de saúde da cidade de Parintins. Na pesquisa constatou-se que no caso do tratamento de doenças ou outra situação que exige o serviço de saúde, 61,90% dos entrevistados declaram que usam os serviços do posto de saúde da Comunidade, e apenas 23,82% disseram usar os hospitais da cidade de Parintins, sendo que as doenças mais frequentes na Comunidade são principalmente a gripe, diarreias e casos de vômitos.

Na área da educação está presente a escola Municipal Prof. João Lauro (figura 04), que tem como gestor na atualidade o Sr. Valdemir Gonzaga da Silva. Essa escola possui 08 salas; atende do maternal ao 9º ano e possui o ensino tecnológico a noite, atendendo cerca de 622 alunos e possui 20 professores (a maioria possui ensino superior). O ensino maternal possui 21 alunos pela manha e 24 à tarde. A escola se destaca também por ter uma sala de informática com dez computadores, além de desenvolver um projeto de educação inclusiva, pois conta com uma sala AEE- Atendimento Educacional Especial- atendendo 12 alunos com necessidades especiais.
Essa escola atende principalmente os alunos das Comunidades adjacentes, tanto por via fluvial (barcos) como por via terrestre (ônibus), o que nos leva novamente a questão da comunidade de Bom Socorro do Zé Açu ser a centralidade da região do Zé Açu, não só na área econômica, e da saúde, mas também na educação. Apesar de a escola ser tida como boa por muitos moradores (71%), na pesquisa executada pelo grupo de pesquisa, o gestor da escola argumenta que poderia ser melhorado o transporte escolar, e poderia ainda ter mais projetos voltados para a escola.
Os comércios e mercearias estão presentes na Comunidade (figura 05), geralmente são de moradores, que transformam um cômodo de sua casa em comércio, existe uma significativa variedade no numero de mercearias, açougues, pequenos comércios, lanche, e bar como se pode observar no Quadro abaixo. Segundo informações de alguns comunitários os comércios da Comunidade de Bom Socorro abastecem não apenas o consumo local, mas também das demais Comunidades adjacentes, o que torna visível mais uma vez a importância dessa Comunidade como centralidade econômica da região.

Estabelecimentos
comerciais presentes na comunidade

 

Quantidade

Açougue

2

Mercearias

3

Pequenos comércios

6

Lanches

1

Bar

2

Quadro 1: Quantidade e Tipo de Estabelecimentos Comerciais na comunidade.
Fonte: trabalho de campo, 2011.

Durante os dias em que vivenciamos observação participante na Comunidade foi possível constatar que os barcos sempre chegam com muitas mercadorias para abastecer os comércios locais, trata-se principalmente de alimentos em gerais.
O rádio e a televisão também estão presentes na vida dos moradores, sendo a que Comunidade possui “voz comunitária”, que transmite diariamente as notícias locais para a população. No caso da televisão, os moradores só têm acesso por meio de antenas parabólicas.

A maioria dos Comunitários possui antenas parabólicas, o que se torna extremamente relevante para a pesquisa, pois se trata de uma forma para perceber o quanto a vida nessa comunidade tem mudado a partir desses elementos do urbano, o que demonstra mais uma vez como se dá essa forte relação rural e urbano na Comunidade. Nesse contexto concorda-se também com Endlich (2006, p.25), quando a mesma afirma que “os efeitos da mídia urbana atingiram em poucas décadas aqueles valores longamente estabelecidos nas Comunidades rurais, substituídos por valores bastante diferentes”.
Sem duvida o processo de compreensão mais ampla dessa pesquisa se deu principalmente com a aplicação dos formulários com as perguntas abertas e fechadas a respeito de temas socioeconômicos e ambientais; na qual foi estabelecida uma amostragem sendo que o método de escolha foi o da amostra aleatória simples, onde foi estabelecida a porcentagem de 10% do total do universo dos moradores, e foram aplicados 23 formulários, sendo que os entrevistados sempre foram os membros com mais idade presente no momento da pesquisa. Além disso, fez-se também entrevistas com os moradores, utilizando gravador para registrar os depoimentos, além da observação participante, que foi imprescindível para conhecer melhor o cotidiano dos moradores da Comunidade.
Quanto ao local de nascimento dos entrevistados muitos nasceram na própria Comunidade (38%), destaque também para aqueles que são provenientes de outros municípios (28%) e foram migrando para a comunidade conforme esta recebia melhoramentos em sua infraestrutura. Contudo, há um número significativo de pessoas que moravam na sede municipal (19%) e depois vieram morar na Comunidade do Zé Açu, talvez por motivo de trabalho, no caso dos funcionários públicos ou simplesmente por moradia.
Grande parte da composição das famílias dos entrevistados é unifamiliar (90%), e estas estão morando ha bastante tempo no local, a maioria dos comunitários (38,10%) já mora a mais de vinte anos na Comunidade. Até por que muitas famílias que moravam nas Comunidades adjacentes, assim como na própria sede municipal e mesmo de outros municípios foram migrando para Bom Socorro na proporção que esta foi recebendo infraestrutura. Importante destacar que todos os entrevistados afirmaram possuir água encanada e energia elétrica em suas residências, um fator positivo, posto que demonstra o quanto essa Comunidade é diferenciada, pois se destaca pela boa infraestrutura alcançada ao longo dos anos.
Na educação constatou-se um equilíbrio no grau de escolaridade dos entrevistados. Destaque maior para aqueles que possuem o ensino fundamental incompleto, ensino fundamental completo e ensino médio (19,05%). Importante destacar que, como foi escolhido na metodologia, o prestador das informações sobre os temas abordados nos formulários foram os chefes de família ou o membro mais velho presente no momento da pesquisa. Isso explica o elevado numero de pessoas não alfabetizadas, que não tiveram chance de dar prosseguimentos aos seus estudos pelo fato de ainda não existir, na época, escolas de nível secundário na comunidade ou mesmo nos locais de onde os mesmos eram provenientes, e também pela necessidade de trabalharem ou na roça ou na pesca para sustentar suas famílias; ou seja, antes não havia a facilidade para se estudar como nos dias de hoje.
Na atualidade a Comunidade conta com a boa escola prof. João Lauro, que tem do ensino básico e até o tecnológico, ministrado pelo sistema de ensino a distância.  E existe tanto o transporte via fluvial (barcos) como via terrestre (ônibus) para fazer o transporte dos alunos até a mesma.

Nota-se que são variadas as maneiras que os comunitários obtêm sua renda familiar, apesar da agricultura ser a principal atividade (45%) com uma pequena vantagem sobre outros meios, ainda sim é possível perceber que a economia local é bem diversificada.

Importante destacar que a renda em comunidades do interior, na Amazônia pode ser analisada de diversas formas, principalmente quando se agrega aos valores da renda às diferentes estratégias econômicas adotadas pelas populações tanto de várzea, como de terra firme. (SILVA, 2009, p.104).

E esse fato se encaixa na economia da comunidade de Bom Socorro do Zé Açu como exposto no gráfico 01 acima. E sendo a agricultura a atividade mais utilizado pelos comunitários como forma de renda, isso nos leva a questão de como ainda as atividades estão ligadas ao campo apesar da influência urbana.

Verifica-se no gráfico 02 acima que 52,94% dos entrevistados possui uma renda familiar de até 1 mínimo, ou seja, há predominância de famílias que vivem com 1 salário apenas; essa renda muitas vezes é complementada pelo programa Bolsa Família e outros benefícios que algumas famílias recebem do Governo Federal como a aposentadoria e a pensão.
 Como observado no gráfico 03 acima o sistema de transferência de renda pelo Governo Federal é um importante fator que ajuda na economia da Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu, pois a maioria das famílias recebem algum tipo de benefício, destacando que o Programa Bolsa Família é a mais nítida forma de ajuda na renda dessas famílias, pois 81,25% dos entrevistados recebem esse tipo de beneficio social, sendo que este beneficio pode estar funcionando como desprendimento das atividades do campo, mas ainda sim não deixa de ser uma importante ajuda na economia dessas famílias. Na pesquisa verificou-se ainda que todas as crianças em idade escolar segundo os entrevistados estão frequentando a escola, até mesmo por esse ser um requisito obrigatório para que as famílias possam receber o beneficio do Bolsa Família.
Sem dúvida uma informação preocupante é o aumento de casos de violência relatados pelos moradores. Segundo eles antes era mais tranquilo, quase não havia casos de violência, era bem raro, porém na atualidade esses problemas tem se tornado frequente, sendo que os principais estão relacionados às brigas e roubos, e já houve até casos de assalto recentemente, segundo relatos. Muitas dessas ocorrências acontecem devido ao consumo de bebida alcoólica, principalmente, nos fins de semana. É importante afirmar que não existe um posto policial presente na Comunidade, e talvez por isso tenha crescido a violência nos últimos anos, pois os mesmos dizem que quando a policia está presente na Comunidade dificilmente ocorre casos de brigas ou outro tipo de situação, mas por outro lado quando a mesma não se encontra vem à tona esses problemas.
Essa situação demonstra o quanto a vida mudou nessa Comunidade, pois se antes era tranquilo, poucos eram os casos de violência que ocorriam, porém, na atualidade os problemas de violência são bastante frequentes, e isso denota o quanto esses problemas são típicos das cidades. O urbano está sem duvida presente dessa forma na Comunidade.
Quanto a questão do lazer, o futebol é a principal forma de lazer praticado pelos moradores (57%), é comum a pratica do futebol nas Comunidades amazônicas, geralmente ocorrem torneios, principalmente quando ocorrem as festas tradicionais dos santos das Comunidades, destaque também para os banhos, posto que o lago do Zé Açu é bastante usado pelos moradores locais como forma de banho, e inclusive muitas pessoas vem da cidade de Parintins geralmente nos fins de semana para essa forma de lazer na Comunidade de Bom Socorro como demonstra a figura a seguir.
Outra forma de lazer mais apreciada na Comunidade são as festas; há destaque para as festas de santos, no caso a festa de Nossa Senhora do Perpetuo Socorro (figura 08) que ocorre no final do mês de junho, que é festejada com o círio, novenas, procissão, torneios de futebol masculino e feminino, arraial, bingos, quadrilhas, leilão, desfile das bonecas vivas, festa dançante, a derrubada do mastro, enfim, todos os requisitos básicos que geralmente fazem parte das tradicionais festas de santos nas Comunidades rurais da Amazônia. Essa festa ocorre durante três dias, constitui-se em importante forma de perceber o quanto o rural ainda está presente nessa Comunidade. Além de ser um meio de unir os comunitários em prol de uma causa. Essa questão mostra também a influencia que exerce a religião católica na vida dos moradores, inclusive 95% dos entrevistados disseram serem católicos.
Por meio da identificação das características socioeconômicas e ambientais procurou-se demonstrar que essa Comunidade possui uma configuração diferente das outras áreas rurais do município de Parintins, visto que contém formas e estruturas típicas de áreas urbanas na composição de sua paisagem; pois o espaço modificou-se bastante a medida que a população cresceu, e assim como a configuração espacial, os hábitos e comportamentos mudaram ao longo dos anos a medida que a mesma foi recebendo uma influencia mais intensa da racionalidade urbana.

As transformações socioespaciais na Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu

Pelos dados obtidos constatou-se que a Comunidade de bom socorro do Zé Açu está passando por inúmeras mudanças de cunho socioespaciais, desde o processo de infraestrutura, com a criação das ruas, do posto de saúde, do colégio municipal, da expansão da área comunitária, posto que o crescimento espacial se deve principalmente pelo aumento da população local, ate mesmo pelo fato de essa Comunidade estar atraindo pessoas das outras Comunidades adjacentes em função dos serviços de saúde e educação principalmente que a mesma oferece. As mudanças também ocorreram no âmbito social, nas relações sociais, nos hábitos, costumes, e atividades econômicas, então houve mudanças significativas no espaço físico da Comunidade, assim como no âmbito social da mesma.
As mudanças na estrutura espacial da comunidade ocorreram pouco a pouco, fruto primeiramente do trabalho daqueles que foram os primeiros habitantes da Comunidade, como em entrevista nos relatou o Senhor B. B. M 79 anos, um dos primeiros comunitários a se estabelecer na Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu.

No inicio da Comunidade, essa frente ai hoje em dia, isso ai meu irmão era um jauarisal, um tucumansal muito perigoso, com a ajuda nossa e mais outras pessoas que vinham no começo logo, o presidente fazia o convite pro pessoal fazer os trabalhos aqui na comunidade né, e a gente fazia aquele mutirão, fazia roçado, mas isso não foi só em um dia não, isso demoro bem, mas a gente conseguiu graças a Deus, e agora já tem ruas né, isso ai que vocês tão vendo. (pesquisa de campo, 2012).

Nota-se na fala do entrevistado a forma como o espaço físico da Comunidade foi sendo modificado, fruto do trabalho, pois o trabalho humano sendo criador de formas, a forma espacial que hoje tem a Comunidade se deve a esse processo.
E a configuração espacial que a mesma possui na atualidade se deve ao processo de trabalho humano, pois não se pode negar que o espaço é constantemente construído e reconstruído. (SANTOS, 2006). Sobre a compreensão do espaço as concepções de Milton Santos (2006, P. 39) se tornam extremamente significativas novamente a partir do momento que o mesmo afirma o seguinte:

[...] No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. Através da presença desses objetos técnicos  [...] O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e os seus habitantes.

A figura a seguir mostra a parte da frente da comunidade, na qual se observa a estrutura das ruas, das casas ao redor, do formato espacial enfim, um formato bem diferente de antigamente, como relatado pelo entrevistado, posto que pelo processo produtivo (trabalho) a primeira natureza foi sendo destituída e humanizada pelo homem, sendo essa analise baseada na concepção de Santos (2006), na qual chama atenção para o modo como o espaço geográfico vai sendo organizado pela sociedade.

Sem duvida a Comunidade evoluiu no sentido qualitativo, muitas foram às conquistas que proporcionaram o desenvolvimento da mesma, porém, algumas relações também com esse processo de mudança vieram se perdendo, principalmente no âmbito da união comunitária. Há uma preocupação dos comunitários, principalmente dos mais antigos nas consequências do progresso comunitário, porém, os mesmos sempre se mostram conscientes desse processo, e expõem que o progresso tem seus lados positivos e negativos. E a Comunidade vem enfrentando essa situação, na cadencia dos impactos entre o novo e o antigo, entre os antigos valores do rural e a nova mentalidade urbana, a vida ganha novo significado, ao mesmo tempo em que os conflitos são impostos pela “modernidade” num processo impactante como fica claro nas palavras de A. S. B, 45 anos.

Por exemplo, nos últimos 10 anos, a gente observou, que chegou o progresso, começou com a energia né, então quando você tem energia de qualidade, você já compra televisão, aparelho de som, já tem um outro entretenimento [...] então quando chega o progresso, as pessoas já tem uma certa opção, tem um programa de televisão, reúne a família, então a minha preocupação particularmente e que vem sendo discutido, é que veio o progresso, mas nós que sempre estamos na liderança da comunidade, não nos preparamos para essa concorrência. Porque é uma concorrência também né, essa escassez, essa falta de participação na comunidade está relacionada a isso. (pesquisa de campo, 2012).

O progresso na visão do comunitário trouxe alternativas de entretenimento, por outro lado impôs a falta de participação dos moradores na Comunidade; existe uma preocupação com a falta de participação dos fieis com a Comunidade à medida que a mesma cresce e ganha mais infraestrutura.
O salto qualitativo no desenvolvimento é um fator que coloca a Comunidade ainda mais imbricada numa relação rural e urbano. As mudanças como se percebe são notórias, e esse processo vem alterando a vida nessa Comunidade, pois cada vez mais a vida nesse local se parece com a vida na cidade, principalmente nos problemas sociais como é exposto novamente no depoimento do Sr A. S. B, 45 anos.

 Então esse avanço do progresso que chegou influencia num comportamento brusco assim que a gente não consegue entender, então o desafio é muito grande pra noís, alguém pode até dizer que é uma comunidade ainda pequena, mas nos temos os mesmos problemas que tem na cidade, droga, prostituição, problemas familiares. É um caso muito serio isso daqui. (pesquisa de campo, 2012).

Nitidamente se percebe que o comunitário reconhece que os problemas sociais enfrentados na comunidade são típicos da cidade. O urbano cada vez mais presente, impondo novos comportamentos que são característicos das cidades, é o que acontece na Comunidade pesquisada, por outro lado como já mencionamos o rural ainda se faz muito presente na vida dos comunitários; pois como afirma Priscila Bagli (2006, p. 98) se referindo a resistência do rural na relação com o urbano.

O cotidiano está sempre permeado por uma lógica que cria e recria hábitos. Embora existam hábitos comuns, como assistir televisão, ouvir rádio, acessar a internet, usar aparelhos elétricos na realização de alguma atividade domestica, peculiaridades se  mantém.

O progresso que os moradores se referem engloba a criação das ruas, do posto de saúde, colégio, comércios, a chegada da energia elétrica e da água encanada, e etc. melhorias positivas na qualidade de vida dos mesmos. Com a energia elétrica, por exemplo, os comunitários puderam comprar a televisão, o aparelho de som, maquina de lavar roupa, o celular, a geladeira, etc. elementos fundamentais na mudança de comportamento, dos hábitos, costumes, lazer, para quem mora numa área rural. E com as mudanças engendradas pelo urbano a vida nesse lugar mudou de forma significativa, porém, não de forma completa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa trouxe inúmeros desafios e aprendizados, pois pesquisar sobre Comunidades ribeirinhas na Amazônia para quem mora na cidade e dispõe de pouca ajuda financeira se torna um desafio, porém, por outro lado, conhecer melhor a vida dos povos que habitam as margens dos rios, lagos e igarapés se torna algo fascinante, além de ser uma lição de aprendizagem, pois é possível conhecer pessoas de uma identidade cultural única, que estabelecem na relação com a natureza um modo de vida cheio de significados e encantos.
A Comunidade pesquisada apesar de estar bastante modificada por elementos do urbano ainda sim é possível encontrar pessoas acolhedoras, simples, que gostam de contar historias, e isso mostra que o modo de vida rural ainda encontra-se bastante presente na conduta de muitos moradores.
Porém, pelos dados obtidos notou-se que ocorreram mudanças socioespaciais significativas na Comunidade de Bom Socorro do Zé Açu, seja pelo novo formato espacial, pois antes era uma Comunidade rural tradicional do município, mas que agora, trata-se de um lugar bastante modificado, que veio pouco a pouco adquirindo uma infraestrutura típica de uma pequena cidade; com ruas, travessas, comércios, posto de saúde, uma escola bastante estruturada, água encanada e energia elétrica, entre outros serviços de qualidade.
Apesar do modo de vida ainda ser bastante ligado ao mundo rural, como por exemplo, na predominância da agricultura como meio de renda das famílias, ou mesmo nas historias do sobrenatural, na ligação com o rio e a floresta, nas relações de vizinhança, ou ainda no modo de falar; ainda sim não se pode desconsiderar que o urbano encontra-se presente nesta Comunidade, seja através dos elementos urbanos mencionados acima, como também na racionalidade dos comunitários, pois as pessoas que moram nesse lugar utilizam telefones celulares, vestem-se de acordo com os padrões urbanos, assistem aos programas de televisão que expressam o modo de viver urbano, etc., ou seja, acabam tendo também comportamentos de quem mora numa cidade.
Constatou-se que o urbano se apropria e pressiona o rural a se modificar, o rural com isso perde algumas especificidades, porém, resiste significativamente por outro lado, mantendo particularidades; então nota-se que ocorre um processo de apropriação, resistência e manutenção. Na Comunidade, rural e urbano estão presentes numa relação dialética, transformando-se, complementando-se, mas cabe dizer não são realidades semelhantes.
Com este trabalho procurou-se demonstrar os processos que envolvem a relação rural e urbano na Comunidade pesquisada. Percebeu-se que a mesma tem particularidades próprias, e que por isso mesma não pode mais ser caracterizada como uma Comunidade ribeirinha tradicional; para tal afirmação procurou-se entender os processos físicos de infraestrutura, assim como os aspectos sociais; a cultura, as ideologias, valores, comportamentos, enfim, questões abstratas que pudessem dar as respostas aos objetivos deste trabalho.

REFERÊNCIAS

BAGLI, Priscila. Rural e urbano: harmonia e conflito na cadência da contradição. In: SPOSITO, M. E. B; WHITACKER, A. M. (orgs). Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 81-108.

BERNADELLI, M. L. F. H. Contribuição ao debate sobre o urbano e o rural. In: SPOSITO, M. E. B; WHITACKER, A. M.(orgs). Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 33-52.

CERQUA, D. A. Clarões de fé do médio Amazonas. 2. ed. Manaus: ProGraf-Gráfica e Editora, 2009.

ENDLICH, A. M. Perspectivas sobre o urbano e o rural. In: SPOSITO, M. E. B; WHITACKER, A. M. (orgs). Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 11-31.

FRAXE, T. J. P. Comunidades Ribeirinhas Amazônicas: Memória, Ethos e Identidade. Manaus: Reggo edições, 2011.

SANTOS, Milton, A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. Ed. 2.    São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

SAQUET, M. A. Por uma abordagem territorial das relações urbano-rurais no Sudoeste paranaense. In: SPOSITO, M. E. B; WHITACKER, A. M.(orgs). Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 157-186.

SIMAS, J. L. 1º história do Zé Açu. Gráfica Parintins, 2000.

SILVA, C. M. M. Mocambo, Caburi e Vila Amazônia no município de Parintins: múltiplas dimensões do rural e do urbano na Amazônia / Charlene Maria Muniz da Silva. - Manaus: UFAM, 2009.

WAGLEY, Charles. Uma comunidade amazônica: estudo do homem nos trópicos. 3. ed. São Paulo: Edusp, 1988.

1 As ruas são cimentadas