Contribuciones a las Ciencias Sociales
Abril 2013

CONTRIBUIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DE RICHARD HARTSHORNE À GEOGRAFIA MODERNA



Wesley de Souza Arcassa (CV)
arcassa@gmail.com
Universidade Estadual de Londrina

RESUMO: A obra de Richard Hartshorne, em função da sua riqueza, ainda se encontra à espera de uma maior análise e difusão no país. Tendo como base esta ideia, o trabalho em questão tem como objetivo desenvolver uma apreciação de alguns aspectos da produção acadêmica hartshorniana, principalmente no que concerne à questão do método em Geografia, e sobre a Geografia Regional e Política estabelecida pelo autor. Além disso, buscou-se abordar no transcorrer do texto a influência do pensamento de Kant e Hettner perante os estudos realizados por Hartshorne e demonstrar os elementos inovadores do teórico ao ramo de estudo da Geografia. O impacto das ideias estabelecidas pelo autor à produção geográfica posterior, também representa um dos pontos a serem analisados.

Palavras-chave: Richard Hartshorne, História do Pensamento Geográfico, Método Geográfico, Geografia Política, Geografia Regional.

ABSTRACT: The work of Richard Hartshorne is still waiting for more analysis and dissemination. Based on this idea, this work has as objective to develop an appreciation of some aspects of Hartshorne’s academic production, mainly regarding the question of method in geography as well as on the Regional Geography and Political Geography established by the author. Furthermore, seek to approach in the course of the text the influence of thinking of Kant and Hettner before the studies by Hartshorne and demonstrate the innovative aspects of the theorist field of study of Geography. The impact of the ideas set out by the author to produce geographical later, also represents one of the points to be analyzed.
Keywords: Richard Hartshorne, History of Geographical Thought, Geographic Method, Political Geography, Regional Geography.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
de Souza Arcassa, W.: "Contribuições epistemológicas de Richard Hartshorne à geografia moderna ", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Abril 2013, www.eumed.net/rev/cccss/24/richard-hartshorne-geografia-moderna.html

INTRODUÇÃO

A moderna concepção de Geografia tem sua base em estudos desenvolvidos por Immanuel Kant no século XVIII, os quais foram posteriormente aprofundados pelos geógrafos seguintes. Entretanto, no final do século XIX e início do século XX há um resgate, além de uma melhor difusão das ideias de Kant, por meio de movimento que ficou conhecido como neokantismo, o qual teve em Alfred Hettner uma de suas figuras de maior destaque.
A partir da segunda metade da década de 1920, emergiu no meio acadêmico norte-americano o geógrafo Richard Hartshorne, responsável pela difusão e análise dos conceitos kantianos e hettnerianos em nível internacional. Sua obra teve grande impacto na Geografia, pois o autor foi capaz de realizar o que até então não havia sido produzido nessa ciência, estudos de cunho epistemológico e metodológico, além de desenvolver uma sistematização de significativa parcela das teorias produzidas pelos “teóricos clássicos” desse ramo do saber científico.
Dessa forma, o presente trabalho, fruto de pesquisas em nível de mestrado com ênfase na área de História do Pensamento em Geográfico, objetiva realizar uma análise crítica de alguns aspectos da obra de Hartshorne, buscando compreender sua influência perante a Geografia produzida durante a segunda metade do século XX e início do século XXI. Além disso, procura-se também enfocar a diversidade da produção literária hartshorniana, evidenciando os avanços prestados pelo teórico principalmente no campo de estudo do Método em Geografia, Geografia Regional e Geografia Política.

METODOLOGIA

Como princípio metodológico norteador para a elaboração deste trabalho utilizou-se principalmente o levantamento de bibliografia concernente à temática, oriunda de diferentes suportes e fontes. Isso porque, este trabalho realizou uma análise essencialmente teórica do assunto por ele abordado.
A leitura e análise da bibliografia utilizada serviram de embasamento teórico para a compreensão do pensamento desenvolvido por Richard Hartshorne, o qual ocupa um papel de destaque perante a matriz clássica da ciência geográfica.
Em contrapartida ao estudo dos aspectos metodológicos, regionais e políticos da obra hartshornia, fez-se necessário também compreender o período histórico no qual se inseriu o autor, o que denotou a utilização de um método biográfico de pesquisa. Assim, torna-se possível demonstrar quais os temas pesquisados pelo geógrafo em cada período de sua carreira acadêmica, bem como, identificar o espaço ocupado pelo mesmo perante o momento de transição da Geografia Tradicional para a Geografia Pragmática (New Geography).

ASPECTOS BIOGRÁFICOS

Richard Hartshorne (12 de dezembro de 1899 – Kittannig, Pennsylvania) emitente geógrafo norte-americano (Figura 01), realizou seus estudos de graduação na Universidade de Princeton entre os anos de 1917 e 1920. Realizou seu doutoramento no período de 1921 a 1924, tendo sido um aluno de elevado destaque na Universidade de Chicago, principalmente devido à importância e a variedade de temáticas abordadas em seus trabalhos, pois este recebeu o título de doutor com grande louvor devido a sua tese: The Port of Chicago: Its Commerce, Facilities and Requirement.

Especialista em temas voltados a Epistemologia da Geografia, Metodologia Científica, além de Geografia Econômica, Regional e Política, Hartshorne passou a exercer papel de destaque na comunidade científica norte-americana. Entre os anos de 1924 e 1940 ministrou aulas na Universidade de Minnesota, tendo publicado no ano de 1939 o alentado trabalho, The Nature of Geography: A Critical Survey of Current Thought in the Light of the Past, o qual foi editado pelos Annals of the Association of American Geographers (volume XXIX, números 03 e 04), tendo o mesmo logo se transformado em livro, dado ao imenso impacto que provocou, gerando imensa polêmica na esfera acadêmica devido a inovação teórica implementada pela obra.
Durante o período da Segunda Guerra Mundial, Hartshorne atuou junto ao Escritório de Serviços Estratégicos do Estado Unidos, onde desenvolveu pesquisas e análises direcionadas ao campo da Geografia Política. Assim, o autor se tornou referência para os estudos posteriores produzidos nesta área, pois além de coordenar um seleto grupo de pesquisadores responsáveis por arquitetar um plano estratégico de defesa para os Estados Unidos, frente à Geopolitik produzida em território alemão e apropriada pelo III Reich, também foi capaz de teorizar em torno do aspecto metodológico deste ramo da ciência geográfica. Desse período destaque-se um significativo conjunto de artigo publicado principalmente no Annals of the Association of American Geographers, bem como, o livro produzido em parceira com Derwent Whittlesey e Charles Colby (1942), intitulado German Strategy of World Conquest.
Posteriormente, Richard transferiu para a Universidade de Wisconsin onde lecionou até aposentar-se em 1970 e dela se tornar professor emérito, tendo sido presidente da Associação Americana de Geógrafos no ano de 1949, da qual recebeu a honraria máxima em 1960. Tornou-se doutor honoris causa pela Clark University em 1971, além de ter recebido a Victoria Medal por parte da Royal Geographical Society (1984), a qual já havia sido concedida a Carl Troll, Carl Sauer, Jean Gottman, entre outros.
Em 1959, ao publicar a obra Perspective on the Nature of Geography, também pelo Annals of the Association of American Geographers, Hartshorne realiza uma nova discussão em relação à temática abordada no trabalho de 1939, o que faz com que o seu pensamento passe a ter ainda mais influência sobre a Geografia norte-americana, quanto fora dela. Neste livro o autor executa uma clara exposição das ideias advindas de Kant e Hettner, pensadores estes que possuem grande influência sobre a produção hartshorniana, além de buscar uma solução para os graves problemas por ele identificados em relação à teoria e método em Geografia.
Richard Hartshorne faleceu aos 92 anos (05 de novembro de 1992 – Madison, Wisconsin) tornando-se um “clássico” da ciência geográfica, tendo contribuído de maneira indispensável para o desenvolvimento da Geografia durante o século XX. Isso porque, esse autor aparece como uma espécie de consciência mundial dos caminhos espinhosos que a Geografia passou a percorrer a partir do período entre guerras (CLAVAL, 1981; MENDONZA, 2002; ANDRADE, 1987; e, MORAES, 2003).

A MODERNA CONCEPÇÃO HARTSHORNIANA DE MÉTODO GEOGRÁFICO, GEOGRAFIA REGIONAL E GEOGRAFIA POLÍTICA

A Geografia moderna nasce como um projeto da revolução burguesa. E como um fenômeno alemão, em que a revolução burguesa mais se atrasa. Hartshorne informa que, no formato de base com que se conhece, nasce por meio dos estudos de Immanuel Kant (1724-1804). Este não era um geógrafo de formação, mas um filósofo do iluminismo. Preocupava-o como filósofo o estado de defasagem em que a Filosofia se encontrava em relação ao avanço da ciência no século XVIII (MOREIRA, 2008).
Para Santos (2002), Kant a rigor, não realiza grande transformação na Geografia que toma para si. Apenas confere à percepção geográfica do mundo físico o rigor da descrição e taxonomia que o seu conceito de espaço lhe permite, uma vez que para ele o espaço é um dado a priori da percepção, um plano de extensão geométrica preexistente ao olhar humano que já faz o fenômeno vir à percepção humana ordenado nos parâmetros de uma ordem espacial (o mesmo acontecendo com o tempo, mas na ordem da sucessão), cada fenômeno ocupando um lugar e uma distância pré-determinados em suas disposições recíprocas.
Conforme as concepções de Hartshorne (1978), Kant foi o primeiro a estabelecer o conceito de espaço, o qual não influenciou de maneira direta o pensamento geográfico moderno. Segundo o autor, pode ter havido uma influência indireta através de conexões parciais e incertas: por meio de Ritter em menor grau, mas possivelmente em maior grau através do efeito que teve no pensamento de Humboldt, sendo posteriormente melhor trabalhado por Richtofen e Hettner.
O período que se estende do início do século XIX ao começo do XX representa um dos momentos mais ricos e contraditórios do pensamento e da história humana, com grandes avanços no campo científico e filosófico. Para Moreira (2008), é durante este período que o mundo conhece a riqueza de teorias da chamada Geografia Clássica, representada principalmente pelas figuras de Alexander von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859), os quais aparecem cronologicamente na sequência de Kant, responsável pela fundamentação e sistematização da ciência geográfica.
Entretanto, entre os anos de 1880 e 1930, houve o desenvolvimento de uma corrente de pensamento que se tornou a forma de filosofia dominante na Alemanha, a qual buscou elaborar um retorno a Kant, sendo denominada de neokantismo. “O neokantismo significou a afirmação da filosofia como reflexão crítica dos valores universais, posição em confronto aberto com o positivismo do século XIX, que havia menosprezado a filosofia, considerando-a um saber inútil” (LENCIONI, 2003, p.121).
Entre os filósofos neokantistas deve-se destacar Wilhelm Windelband, o qual foi responsável pela elaboração de uma distinção entre as ciências. Distinguiu as ciências da natureza (buscam estabelecer leis gerais, e que foram denominadas ciências nomotéticas) das ciências da cultura, denominadas idiográficas (voltadas para a pesquisa de fatos particulares). Porém, observou que um determinado fato pode ser objeto tanto de investigação nomotética como idiográfica.
Segundo Lencioni (2003), as observações de Windelband se tornaram a problemática central na Geografia. Inspirado no questionamento de a ciência geográfica ser nomotética ou ideográfica, o geógrafo e filósofo alemão, Alfred Hettner (1859-1941), influenciado pelo neokantismo, procurou recuperar criticamente os estudos sistemáticos de Ratzel, Humboldt, Ritter, Marthe e Richtofen. Preocupado com a ameaça de dualidade na Geografia, claramente revelada pela questão posta por Windelband, Hettner argumentou que a Geografia não era uma ciência nomotética ou idiográfica. Era tanto uma como outra. Dizia que quando a Geografia se volta para o estudo das relações entre os fenômenos de um determinado território é uma Geografia idiográfica; porém, quando esses fenômenos podem ser classificados em categorias, possibilitando a dedução de leis gerais, ela é nomotética.

Hettner considerava que por ser a diferenciação da superfície terrestre o que mais caracterizava os estudos geográficos, nas mais diversas concepções de Geografia, considerou ser o estudo dessa diferenciação o ponto central da Geografia. Enunciou: “A Geografia tem por objeto proporcionar a descrição e a interpretação, de maneira precisa, ordenada e racional, do caráter variável da superfície da Terra”. Portanto, para Hettner, o objeto da Geografia não é o estudo da relação entre homem e meio, mas da diferenciação da superfície terrestre (LENCIONI, 2003, p.122-123).

Hettner, ao afirmar o caráter corológico da Geografia, também acabou por conferir significativa importância ao estudo regional. A influência do pensamento deste foi grande tanto em seu país, quanto perante a Geografia produzida na França e Estados Unidos. Entretanto, foi Richard Hartshorne quem desenvolveu e melhor divulgou as concepções hettnerianas. Isso porque, conforme destaca Lencioni (2003, p.123):

Nascido nos Estados Unidos, mas de origem alemã, Richard Hartshorne é um marco da Geografia americana por ter introduzido naquele país, de uma maneira nova e meticulosa, o debate teórico-metodológico na Geografia. Ele foi o grande responsável pela divulgação das ideias de Hettner na Inglaterra e nos Estados Unidos, tendo traduzido do alemão para o inglês várias passagens dos trabalhos de Hettner, que foram objeto de ampla discussão no seu livro de 1939, The Nature of Geography: A Critical Survey of Current Thought in the Light of the Past.

Para Hartshorne (1978), a Geografia é, ao mesmo tempo, uma ciência da natureza e da sociedade. Afirma que a Geografia deve procurar compreender como os fenômenos se combinam em uma área da superfície terrestre. Seguindo o pensamento de Hettner, Hartshorne considera que não há um grupo de fenômenos particulares à Geografia, pois interessam a esta ciência todos os fenômenos que apresentam uma dimensão espacial.
Desse modo, a Geografia consiste em

[…] uma ciência que interpreta as realidades da diferenciação de áreas do mundo, tais como elas são encontradas, não somente em termos das diferenças de certos elementos de lugar para lugar, mas também em termos da combinação total dos fenômenos em cada lugar, diferente daquelas que se verificam em cada um dos outros lugares (HARTSHORNE, 1939, p.462).

Segundo o autor (1978), a Geografia se constitui em uma disciplina que procura descrever e interpretar o caráter variável da terra, de lugar a lugar, como o mundo do homem. Esta descrição científica deve incluir tanto o que se sabe, quanto o que pode ser inferido, quer dos fenômenos, quer das relações de processos e associações de fenômenos.
De acordo com este ponto de vista, o principal objetivo do estudo geográfico é a síntese, uma integração de características relevantes, com vistas a fornecer uma descrição total de um lugar (uma região) que é identificável por sua combinação particular dessas características. Há, então, de acordo com Hartshorne (1939, p.460), uma íntima analogia entre a Geografia e a História; a última fornece uma síntese das “seções temporais da realidade”, enquanto a primeira realiza uma tarefa similar para “as seções espaciais da superfície terrestre”.
As explanações de Lencioni (2003) demonstram que para Hartshorne não há fenômenos particulares à Geografia, assim como também não há um objeto de estudo que lhe seja específico. Para ele, as ciências se definem, sobretudo, por seus métodos próprios de investigação, e menos segundo a determinação de objetos particulares de estudo. Assim, perseguindo as trilhas de Kant e Hettner, este geógrafo considera que para a compreensão do presente é necessária à perspectiva histórica, contudo observa que essa perspectiva não se confunde com a Geografia. Afirma que não cabe à Geografia investigar a gênese e desenvolvimento dos fenômenos. O olhar do geógrafo deve estar dirigido para a apreensão do caráter das áreas, não se confundindo com o olhar do historiador, interessado nos processos em si. Isso porque, cabe ao geógrafo entender a diferenciação das áreas da superfície terrestre.
Estas ideias são concebidas por Hartshorne em sua obra Perspectives on the Nature of Geography, onde o autor acaba revendo algumas das afirmações tecidas em The Nature of Geography, posicionando suas análises em direção ao conceito hettneriano de diferenciação de áreas em superação ao campo vidaliano da Geografia Regional. Na concepção de Hettner o conceito de região se amolda aos conceitos mais abstratos, porém mais basilares, de recorte e de área, todos entendidos como formas de manifestação do processo de diferenciação, ao contrário da identidade que informa o conceito de região.
Conforme análises de Moreira (2008, p.37):

Área e diferença são, pois, suas categorias de referência. Área como recorte de base do movimento de diferenciação […], que em seu processo de ocorrência aqui e ali se arruma na superfície terrestre nas formas empíricas da região, da zona, do lugar, fazendo do todo da superfície uma corologia com seu mosaico de paisagens. Diferença como realidade instituída pelo movimento de diferenciação dos fenômenos em seus deslocamentos e recortamentos na superfície terrestre. E mais a superfície terrestre, pois, como campo do interesse explicativo do geógrafo. Se a diferenciação de área — ou a diferenciação do movimento do fenômeno em diferentes áreas de paisagem — é o enfoque, a superfície terrestre é o campo que a perspectiva hettneriana de Hartshorne toma como objeto da Geografia.

Para Gomes (2003), o criticismo de Hartshorne, legado de Kant e Hettner, busca a generalização através do estabelecimento de conceitos claros e objetivos. O mais importante é, sem dúvida alguma, o de região. Este conceito está na base da concepção científica da diferenciação espacial e, a partir de sua definição, a Geografia pode desenvolver um método regional fundado na análise comparativa das estruturas espaciais.
O método corológico, segundo Hartshorne (1939; 1978), orienta a Geografia em direção à reunificação de seu campo de pesquisas físicas e humanas, pois a região é a síntese destas relações complexas. Os fatores humanos e naturais não têm que ser identificados separadamente — qualquer insistência anterior nessa direção ocorreu em função dos argumentos dos deterministas ambientais — e a divisão entre Geografia Humana e Geografia Física é infeliz, porque ela limita a esfera de integrações possíveis no estudo da realidade.
Para este teórico (1939), a região é, ao mesmo tempo, o campo empírico da observação e o campo das verificações de relações gerais. A partir de um método regional, a dicotomia sistemático/particular desaparece em uma espécie de complementaridade compreendida na noção de região. Finalmente, segundo o autor, uma geografia científica deve se definir a partir de um método, para assim, proceder à análise racional da realidade, organizando categorias gerais e tipologias funcionais explicativas.
A região enquanto instrumento de identificação territorial do geógrafo é, de acordo com Hartshorne (1939), um objeto individual; a realidade existente, não-conceitualizida, é sempre única, pois há uma dimensão incontornável de singularidade que não pode ser esquecida. Esta perspectiva do autor vai estar no centro da crítica feita pela Geografia Analítica que contesta o interesse da ciência por tudo o que é singular. Dessa forma, segundo Gomes (2003), Hartshorne reivindica a ideia de uma Geografia Geral e a necessidade de generalização e de objetivação da ciência moderna, mas ao mesmo tempo proclama a irredutível dimensão e importância do estatuto da singularidade, do único no objeto de estudo da Geografia.
Entretanto, as ideias estabelecidas por Gomes (2003, p.241), demonstram que para Hartshorne:

O estatuto científico da Geografia é dado também por sua relação com as outras disciplinas, e aí também o método tem um papel fundamental. Hartshorne toma para si a ideia de Hettner, segundo a qual diferentes disciplinas se apresentam como diversos pontos de vista sobre os fenômenos. Não há verdadeiramente diferenças de objetos científicos, e a ciência é definida por um campo único, em que cada disciplina projeta seu ponto de vista particular através de seu método específico. Hartshorne, inspirado pela classificação das ciências de Kant, sugere uma separação entre, de um lado, as ciências sistemáticas e, de outro, a Geografia e a História. A História se ocupa do caráter dos diferentes momentos na escala do tempo, e a Geografia do caráter dos diferentes espaços e dos lugares. De fato, ele conclui que esta separação é relativa, pois a Geografia, por seu método corológico e por seu ponto de vista (areal relationship), intercepta todos os outros domínios disciplinares. Ela é definida como sendo uma ciência de síntese em relação aos outros ramos sistemáticos, que se caracterizam pela análise particular de certos fenômenos.

Para Johnston (1986), Hartshorne ao proclamar que “o objetivo último da Geografia, ou seja, o estudo da diferenciação de áreas do mundo, expressa-se mais claramente na Geografia Regional” promove, consequentemente, a aceitação geral de procedimentos necessários para a identificação regionaI. Dessa maneira, ao analisar o pensamento hartshorniano, o autor destaca que:

Às regiões são caracterizadas por sua homogeneidade quanto a características preestabelecidas, selecionadas em função de sua relevância no esclarecimento das diferenças de áreas. Dois tipos de região eram identificados: a região formal (ou região uniforme), na qual toda a área é homogênea quanto ao fenômeno ou fenômenos considerados; e, a região funcional ou nodal, na qual a unidade é conferida pela organização em torno de um nó comum, que pode ser a área-núcleo de um Estado, ou uma cidade no centro de uma área de relações comerciais (JOHNSTON, 1986, p.64).

Nesse sentido, segundo Hartshorne (1978), a análise regional, enquanto parte do fenômeno de diferenciação de áreas, deve sempre objetivar a identificação das inter-relações existentes entre os fenômenos, pois é em decorrência dessas combinações que se produz a integração. A partir das inter-relações dos fenômenos é que se produz a diversidade na superfície terrestre.
Segundo Lencioni (2003), na discussão da análise desses fenômenos, diferentemente de Hettner, Hartshorne não enfatiza a questão da gênese dos fenômenos e das relações causais entre eles, centrando-se mais na discussão dos processos e das funções. Para este teórico, não só é importante a apreensão das combinações diversas dos fenômenos (fortemente integrados ou não), mas também é fundamental perceber se os fenômenos que ocorrem em um determinado lugar podem, ou não, se relacionar a outros fenômenos presentes em outros lugares.
Outro aspecto de relevante importância no pensamento hartshorniano, consiste no fato de que este autor propõe novas formas de estudos à ciência geográfica, representadas pela Geografia Idiográfica e Geografia Nomotética, resgatando e ampliando as concepções neokantianas. A primeira representa uma análise singular (de um só lugar) e unitária (que tenta apreender vários elementos), o que leva a um reconhecimento bastante profundo de determinado local. Já a segunda, expressa uma análise que deve ser generalizadora, apesar de parcial. Neste tipo de estudo, o pesquisador deve parar na primeira integração e reproduzi-la em outros lugares, objetivando elaborar um “padrão de variação” dos fenômenos tratados, abrindo a possibilidade de um conhecimento genérico. Dessa forma, Hartshorne articulou a Geografia Geral e a Regional, diferenciando-as pelo nível de profundidade de suas colocações. Quanto maior a simplicidade de fenômenos e relações tratados, maior possibilidade de generalização. Quanto mais profunda a análise efetuada, maior conhecimento da singularidade local. Esta proposta foi amplamente discutida na Geografia, pois abriu novas perspectivas ao estudo geográfico (MORAES, 2003).
Cabe ainda ressaltar, que além de suas duas célebres obras (The Nature of Geography e Perspectives on the Nature of Geography), Richard Hartshorne produziu uma significativa quantidade de artigos com elevado impacto sobre a história do pensamento geográfico. Estes artigos científicos foram publicados principalmente em periódicos norte-americanos, dentre os quais estão: Annals of the Association of American Geographers, Geographical Review, Economic Geography, The Geographical Journal, entre outros. Além de artigos com um enfoque voltado às questões epistemológicas e metodológicas da Geografia, diversos outros temas figuram nesses escritos, como Geografia Regional, Geografia Política, Geografia Econômica, Geografia da População e Geografia Agrícola.
O impacto do pensamento hartshorniano perante a Geografia Política data desde o período da II Guerra Mundial, quando ao lado de teóricos como Whittlesey, Gottman, Sprout e Jones, Hartshorne foi capaz de atribuir um conteúdo mais sistemático e rigoroso a esse campo do conhecimento geográfico. Estes autores tiveram o mérito de alterar o curso da Geografia Política em direção a nações mais científicas e assim retirá-la dos caminhos do determinismo e das ambiguidades empreendidos pela Geopolitik alemã.
Para Hartshorne apud Glassner e Fahrer (2004, p.03), a Geografia Política representa “o estudo dos fenômenos políticos a partir de sua variação de lugar para lugar em interligação com as variações de outras características da Terra, enquanto morada do homem”.
De acordo com a abordagem de Costa (2008, p.141):

A evolução da geografia política desde Ratzel, até meados da década de 1950, demonstra que o período entre as guerras mundiais e os primeiros anos pós-Segunda Guerra foi um dos mais interessantes do ponto de vista do debate teórico no interior desse campo de estudo. Isso porque os conflitos envolveram países que dispunham de tradição em pesquisa geográfica em geral e mesmo em geografia política — casos da Alemanha, França e Estados Unidos. Neles, o aumento da produção nessa área, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, resultou certamente das emulações causadas por esses conflitos. Na Alemanha, com o engajamento explícito de parte de seus geógrafos e da totalidade dos que atuavam em geografia política. Nos Estados Unidos, de menor tradição no setor, geógrafos proeminentes em vários campos dessa ciência envolveram-se com vigor em estudos dos mais variados tipos e qualidades, em sua grande maioria com o estímulo direto ou indireto do governo.

Pode-se dizer que, sobretudo após 1945, surgiram verdadeiramente a conceitualização e a metodologia em Geografia Política, cuja trajetória, até então, como disciplina acadêmica, havia sido essencialmente dominada por grandiosas visões do mundo. Este tipo de abordagem absorveu, durante um grande espaço de tempo, a atenção dos geógrafos, enquanto que as bases sistemáticas essenciais de ramo do saber geográfico permaneciam ignoradas.
Através de seus trabalhos, Hartshorne transparece a determinação de firmar a Geografia Política como disciplina científica, dando-lhe um caráter sistemático. Em inúmeros artigos, publicados antes e durante a Segunda Guerra Mundial, o teórico trará para o debate as suas contribuições de caráter metodológico.
Cabe destacar, que ao discutir o problema das fronteiras, Hartshorne (1933; 1950) chama a atenção para o fato de que, apesar de muitos geógrafos discutirem academicamente ou como especialistas o tema das fronteiras, “poucos têm tentado apresentar um estudo teórico sistemático do problema como um todo”, ocasionando a multiplicação de equívocos na abordagem da temática. Porém, o autor é capaz de propor um método próprio para a solução teórica do problema, baseado na definição e estudo das “associações de todo tipo das diferentes partes da border área com cada um dos bordering states”.
Segundo Martin (1994), nos Estados Unidos a equipe de geógrafos formada por Richard Hartshorne, Dervent Whittlesey e Stephen B. Jones, seguindo “uma classificação genética das fronteiras” propôs uma subdivisão em quatro tipos, a saber: a) fronteiras antecedentes (quando antecederam o povoamento, ou melhor, ligam-se a projetos exteriores aos povos autóctones); b) fronteiras subsequentes (posteriores ou consequências de um desenvolvimento econômico prévio); c) fronteiras superímpostas (quando cortam áreas em que há unidade cultural); e, d) fronteiras consequentes (estabelecidas em regiões escassamente povoadas, ou até desabitadas, ou ainda onde barreiras físicas provoquem um “efeito de barreira” às comunicações, mantendo as populações isoladas).
Sanguin (1977) demonstra a importância de Hartshorne a este movimento de renovação da Geografia Política, afirmando que

[…] a partir de ideias sobre os conceitos e métodos da geografia política esboçados em 1935, Hartshorne elabora em 1950 a abordagem funcional em geografia política, cujo tema central é o funcionalismo do Estado. Cada Estado tem diferenças e similitudes regionais; as diferenças tendem a fragmentar o Estado, enquanto que as semelhanças tendem a fortalecê-lo. Há, portanto, dentro de um Estado, uma contínua oposição entre as forças centrífugas e as forças centrípetas. Se o Estado pode sobreviver a esta oposição é porque ele possui uma razão de ser (“state idea”), um sentido nacional e um núcleo central (“core area”) suficientemente fortes para superar esta posição estrutural e manter sua coesão. Assim, a abordagem funcional permite avaliar a viabilidade do Estado (SANGUIN, 1977, p.10-11).

Assim, a Geografia Política que ressurge com vigor nos anos de 1950 é quase toda ela anglo-saxônica e praticamente restrita aos Estados Unidos. Liderados por Hartshorne, Bowman e Whittlesey, os norte-americanos fundaram sua própria “escola” nessa área, praticamente dominando o setor até o final dos anos de 1970. A influência hartshorniana é notória em praticamente todos os autores desse período, como se estivessem respondendo aos apelos do mais prestigiado dos geógrafos do país, para que se firmasse ali uma Geografia Política verdadeiramente científica e independente da política dos Estados (COSTA, 2008).
Por fim, deve-se destacar que Richard Hartshorne teve seguidores. Seu trabalho foi digno de discussões e controvérsias, contribuindo para o desenvolvimento teórico da Geografia. Dessa maneira, pode-se colocar em destaque a influência que teve no pensamento de Derwent Whittlesey (1890-1956) e as severas críticas advindas de Fred Schaefer (1904-1953).
Em seu polêmico artigo, Exceptionalism in Geography: A Metodological Examination, originalmente publicado em 1953, Schaefer demonstra que a recuperação do pensamento kantiano realizada por Hettner e, defendida por Hartshorne, se deu de maneira equivocada. Ao discutir os enfoques historicistas na Geografia, o autor assevera que se torna difícil vislumbrar o tipo de compreensão que se pode ganhar simplesmente por meio da contemplação das fases sucessivas de um processo em desenvolvimento. Afirma também que as leis estritamente geográficas não contêm referências ao tempo e às mudanças (CAPEL, 1983). 
Segundo Schaefer (1953), descrever e classificar os fenômenos representa um procedimento muito distante de uma explicação de como esses fenômenos se distribuem no mundo. Assim, a Geografia deve se colocar como a ciência que se refere à formulação de leis que regem a distribuição espacial de certas características na superfície da Terra, além de ser capaz de formular leis válidas universalmente.
Para Lencioni (2003), a preocupação com a formulação de leis gerais na Geografia resultou no desenvolvimento de um aporte teórico-metodológico totalmente novo, ocasionando o desenvolvimento de uma corrente de pensamento geográfico denominada de Nova Geografia (New Geography), também conhecida como Geografia Teorética ou Pragmática, a qual abriu novos horizontes às pesquisas geográficas.

AS INOVAÇÕES EMPREENDIDAS PELA OBRA DE HARTSHORNE NA GEOGRAFIA

A produção teórica de Ricahd Hartshorne em partes ainda demanda um maior estudo e interpretação, principalmente no que concerne ao impacto causado à epistemologia da Geografia. Este pensamento pode ser evidenciado pela máxima exposta por Capel (1983, p.327), de que “a obra de Hartshorne constitui um das mais amplas e natas exposições da concepção historicista da geografia”.
Através do resgate do pensamento de Alfred Hettner e consequentemente das ideias de Immanuel Kant, Hartshorne foi capaz de evidenciar a problemática do uso do método na ciência geográfica, propiciando um avanço teórico a este ramo do saber científico. Para Claval (1981), a exploração histórica empreendida por este geógrafo demonstrou que, para a maioria da comunidade científica geográfica até então determinista, e também para as gerações posteriores de geógrafos, que a Geografia se diferencia da maioria das demais disciplinas pelo fato de que consistia, sobretudo, em uma ciência-método.
Segundo Gomes (2003), é preciso notar que Hartshorne pretende buscar as justificativas de uma Geografia Moderna nas origens desta disciplina. Isto quer dizer que o melhor caminho para a Geografia Atual é ditado pelo reconhecimento crítico de sua evolução. Desta forma, a natureza da Geografia se exprime, sobretudo, a partir de sua história. O ponto de partida da análise hartshorniana é a valorização das tradições que formam a Geografia Clássica. Ao mesmo tempo, trata-se de uma análise crítica, à luz de um método moderno, capaz, segundo ele, de afastar as preocupações secundárias do objeto fundamental da pesquisa geográfica: a diferenciação regional. Por esta via, Hartshorne queria produzir a transição entre um saber clássico e uma Geografia Moderna.
Nesse sentido, faz-se necessário destacar as concepções de Moraes (2003), sobre a importância de Hartshorne perante o movimento de transição da Geografia. Isso porque, Hettner e Hartshorne encontram-se em uma corrente denominada de Geografia Racionalista, a qual apresenta menor carga empirista, em relação às anteriores. Esta perspectiva, a terceira grande orientação dentro da Geografia Tradicional (Determinismo e Possibilismo), privilegiou mais o raciocínio dedutivo, antecipando um dos móveis da renovação geográfica nos anos sessenta. Este fato decorre da diferenciada fundamentação filosófica desses teóricos, já que ambos fundamentam-se no neokantismo.
Entretanto, a produção acadêmica hartshorniana não se limitou apenas a realizar análises em torno dos problemas epistemológicos e metodológicos da Geografia. Esta também abarcou diversas outras áreas do conhecimento geográfico, principalmente através das publicações em periódicos científicos norte-americanos, onde o autor teve a oportunidade de desenvolver estudos voltados à Geografia Regional, Geografia Política, Geografia Econômica, Geografia da População, Geografia Agrícola, entre outras.
No campo da Geografia Regional, Hartshorne baseando-se em Hettner afirmou que a Geografia pode ser considerada como uma ciência da diferenciação regional da superfície terrestre. Através da proposição de uma Geografia Idiográfica e Geografia Nomotética, este teórico foi capaz articular a Geografia Regional à Geografia Geral, bem como, superar alguns aspectos dicotômicos desse ramo do conhecimento humano.

A Geografia procura, (1) com base na observação empírica, tão independente quanto possível da parte do observador, descrever os fenômenos com o máximo de exatidão e de certeza; (2) fundamentada nisso, classificar os fenômenos, o quanto seja permitido pela realidade, em termos de conceitos genéricos, ou “universais”; (3) através da consideração racional dos fatos, assim assegurada, e pelos processos lógicos de análise e de síntese, incluindo- se aí a construção e uso, onde possível, dos princípios gerais ou leis de relações genéricas, para atingir a compreensão máxima das inter-relações científicas dos fenômenos; e (4) organizar esses resultados em sistemas ordenados de modo que o que é conhecido conduza diretamente às margens do desconhecido (HARTSHORNE, 1978, p.169-70).

De acordo com Moreira (2008), Hartshorne vem da tradição geográfica norte-americana, uma tradição em que aqui e ali se entrecruzam a tradição francesa e a tradição alemã de Geografia. Em um país onde a Escola de Berkeley (Califórnia), inspirada nas ideias de Carl Sauer (1889-1975), e a Escola do Meio-Oeste (Chicago) influenciam desde o começo essa tradição, Hartshorne como que corre em raia própria, e por isso provavelmente melhor pode entender a necessidade de clarificar os rumos da Geografia nos Estados Unidos, onde a percepção dos rumos da história transparecia mais que em outro lugar, indo buscar a resposta na Geografia alemã dos séculos XVIII e XIX, centrado principalmente nas figuras de Kant e Hettner.
Ainda segundo Moreira (2008), a matriz hartshorniana consiste na expressão da sua concepção do movimento espaço-temporal como processo de constituição da diferença. E nesse mister faz sua e atualiza a matriz hettneriana em seu afã de reafirmá-la como teoria geográfica própria e atual para a compreensão do período contemporâneo. Nessa busca de resgate, o projeto é reafirmar a proposta hettneriana de retorno à superfície terrestre como o âmbito plural e morada do homem. Isso porque, resgatar a diferenciação espacial como enfoque e o recorte espacial como foco é também resgatar a superfície terrestre como âmbito das reflexões do geógrafo, o que lhe traz novas possibilidades metodológicas.

Esse resgate se desdobra em outros planos, como a ultrapassagem da fase das dicotomias e o restabelecimento do sentido integrado do real que a prática das divisões tem tido o papel de desfazer, propiciando a recuperação de uma pletora de conceitos e categorias que a história da Geografia foi vendo ser abandonada na estrada (MOREIRA, 2008, p.175).

Com sua proposta explicitamente teórico-metodológica, Hartshorne também renova consideravelmente o pensamento em Geografia Política que se desenvolvera até então. Ao defender a necessidade de um método que pretende é recuperar, bem como, introduzir parâmetros de investigação científica, universalmente aceitos, o que poderia livrar esse ramo da saber geográfico das muitas “armadilhas” do passado. Através dessa postura, este teórico consegue atingir a superação desse passado de forma inequívoca, incorporando somente o que de mais científico havia sido produzido nessa área da Geografia. Além da contribuição no plano do método, há também outro grande mérito nos estudos hartshornianos, o de reconhecer a natureza social e política do Estado.
Assim, conforme as explanações de Costa (2008), Hartshorne

[…] ao identificar corretamente a complexidade geográfica, social e política do objeto da geografia política, ele nos induz à aproximação indispensável com as demais ciências sociais, abrindo novas perspectivas de estudos, o que, não resta dúvida, constitui por si só um grande passo na conturbada evolução desse campo de estudos geográficos (COSTA, 2008, p.158).

Por conseguinte, ao se alvitrar o presente trabalho busca-se uma maior análise e difusão das concepções preconizadas por Hartshorne, o qual representa o mais importante geógrafo norte-americano do século XX. Sua contribuição à Geografia não ficou restrita a seu período histórico, pois foi capaz de influenciar as correntes posteriores da ciência geográfica. Nesse sentido, até mesmo o que foi produzido em Geografia no Brasil também sofreu reflexos do pensamento hartshorniano, sendo o mesmo ainda muito digno de discussões e debates.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos assuntos abordados no transcorrer do texto torna-se possível inferir que Richard Hartshorne ocupa um papel de destaque no hall de teóricos responsáveis por significativas mudanças teórico-metodológicas na ciência geográfica. Isso porque, este foi capaz de realizar algo inédito até então, ou seja, desenvolver uma sistematização de significativa parcela das teorias produzidas pelos “autores clássicos” desse ramo do saber científico.
Sob a influência direta do pensamento de Immanuel Kant e Alfred Hettner, Hartshorne desenvolve seus estudos, os quais tiveram grande impacto sobre a Geografia produzida em âmbito internacional durante grande parte do século XX. Além, de realizar a difusão do neokantismo às correntes posteriores da história do pensamento geográfico.
Ao desenvolver suas reflexões sobre a natureza da Geografia com ciência, Hartshorne torna-se o teorizador mais importante da Escola Clássica Norte-Americana de Geografia. Este teórico foi responsável por realizar uma modernização no arcabouço teórico da Geografia Tradicional, sendo capaz de manter a essência da busca de um conhecimento unitário. Isso irá, posteriormente, refletir no movimento de renovação da Geografia, que terá na proposta de Hartshorne uma das vias de sua objetivação.
Outro aspecto a ser ressaltado, consiste na inovação epistemológica empreendida por Hartshorne em relação à abordagem da questão do método nas pesquisas de cunho geográfico. Isso porque, através da utilização do método hipotético-dedutivo em seus estudos, o autor rejeita e supera os métodos até então empregados na Geografia, além de também demonstrar sua constante preocupação em relação à estruturação de uma metodologia própria a este ramo do saber científico.
Por fim, pose-se elucidar os principais avanços implementados pela obra hartshorniana, sendo que dentre estes se destacam o esforço empreendido pelo autor para sistematizar uma parcela das ideias até então produzidas pelos “teóricos clássicos” da ciência geográfica; a superação do estudo dicotômico do objeto da Geografia; a valorização do uso do método nas pesquisas geográficas, bem como, a identificação de um método de análise próprio a esta ciência; e, a inovação em relação à Geografia Regional e Política até então produzidas.

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1 Pesquisa subsidiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).