Contribuciones a las Ciencias Sociales
Abril 2013

MOTRICIDADE HUMANA: UMA POSSIBILIDADE PARA A RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA NO PROCESSO DE PREPARAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA



Alfredo Cesar Antunes (CV)
alfredo.cesar@hotmail.com

Resumo
O presente artigo analisa a Ciência da Motricidade Humana, como possibilidade para repensar a interação entre teoria e prática no processo de preparação profissional em Educação Física. Atualmente, é forte a tendência em valorizar a relação teoria e prática no processo de produção de conhecimento e preparação profissional. Contudo, os conceitos de teoria e prática ainda surgem e ressurgem de forma dicotômica e estanque. Assim, é realizada a análise da compreensão de Motricidade Humana e seus principais conceitos, como a complexidade e a “intencionalidade operante”, para compreender esta relação.

Palavras chave: motricidade – humana – teoria – prática – preparação profissional.

Resumen
En este artículo se analiza la Ciencia de la Motricidad Humana, como una posibilidad de repensar la interacción entre la teoría y la práctica en el proceso de preparación profesional en Educación Física. En la actualidad, existe una fuerte tendencia a valorar la relación entre la teoría y la práctica en el proceso de producción de conocimiento y preparación profesional. Sin embargo, los conceptos de la teoría y la práctica todavía surgen y resurgen de una manera dicotómica y estancada. Por lo tanto, el análisis se lleva a cabo el diseño del Motricidad Humana y de sus conceptos clave, tales como la complejidad y la “intencionalidad operativa” para entender esta relación.
Palabras clave: Motricidad – Humana – teoria – práctica – preparación profesional

Summary
This paper examines the science of Human Kinetics, as a possibility to rethink the interaction between theory and practice in the process of professional preparation in Physical Education. Currently, there is a strong tendency to value the relationship between theory and practice in the process of knowledge production and professional preparation. However, the concepts of theory and practice still emerge and reemerge in a dichotomous manner and stagnant. Thus, is analyzed the understanding of the Human Kinetics and its key concepts to understand this relationship, such as the complexity and “operating intentionality”.
Key words: human – kinectics – theory – practice – preparation - professional



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Antunes, A.: "Motricidade humana: uma possibilidade para a relação teoria e prática no processo de preparação profissional em educação física", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Aril 2013, www.eumed.net/rev/cccss/24/motricidade-humana.html

Introdução

Atualmente, na área da Educação Física, é forte a tendência a valorizar a relação teoria e prática no processo de produção de conhecimento e preparação profissional. O artigo 11 da Resolução CNE/CP n.01/2002 aponta que a organização, tempos e espaços curriculares se expressam em eixos, e entre estes está o “eixo articulador das dimensões teóricas e práticas”. O artigo 13, no parágrafo 1º da referida Resolução, também assinala que “A prática será desenvolvida com ênfase nos procedimentos de observação e reflexão, visando à atuação em situações contextualizadas, com o registro dessas observações realizadas e a resolução de situações-problema” (BRASIL, 2002).
Ainda, a Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004), afirma que as Instituições formadoras dos profissionais de Educação Física devem elaborar seus projetos pedagógicos pautados no princípio da “indissociabilidade teoria-prática”1 .
Contudo, os conceitos de teoria e prática ainda surgem e ressurgem de forma dicotômica e estanque. Entende-se, pois, que a Motricidade Humana apareça como possibilidade valiosa, quando se trata de repensar a interação entre esses conceitos.
         Os resultados de pesquisa permitem considerar a Motricidade Humana um referencial teórico especificamente eficiente para auxiliar a entender a relação teoria e prática, como fatores importantes no processo de preparação profissional em Educação Física. Apoio-me, para isso, basicamente, na proposta do filósofo português Manuel Sérgio Vieira e Cunha. E além de Manuel Sérgio (1987, 1989a, 1989b, 2005, 2010), recorro a Tojal (1994, 2004, 2005, 2006, 2010) e alguns outros autores (GONÇALVES, 1994; GONÇALVES JR, 2007; MERLEAU-PONTY, 1999) para apresentar e ponderar sobre a teoria da Motricidade Humana.

Demarcação e contorno
A Ciência da Motricidade Humana foi proposta pelo filósofo português Manuel Sérgio. Com ele, por suas ideias, estamos bem acompanhados, em se tratando de análises essenciais sobre a Motricidade Humana. Confirmam-no, de antemão, umas palavras de Medina, o prefaciador de um livro de Manuel Sérgio (1989, p.12): 

[...] as propostas de Manuel Sérgio justificam plenamente um repensar (pelo menos) [...] e merecem uma avaliação de todos aqueles que já perceberam que a Educação Física não é tão somente um “conjunto de exercícios a se repetir indefinidamente” (mesmo que com alguns critérios) [...] Conhecê-la é condição básica àqueles que pensam seriamente a sua prática [...]

         Destaco, também, no mesmo sentido de uma apresentação, umas palavras de Tojal (2010); este afirma guardar a “[...] convicção de que a Motricidade Humana é hoje para alguns autores, a mais atualizada teoria em que a Educação Física e o desporto podem encontrar uma rigorosa fundamentação” (p. 36).
         Assim, inicio a análise sobre a Motricidade Humana. Sérgio (1987, 1989) defende a Motricidade Humana como verdadeiro objeto de estudo da Educação Física. Para ele, a Educação Física deve tornar-se a Ciência da Motricidade Humana, ser definida como a ciência da compreensão e da explicação das condutas motoras, visando ao estudo das constantes tendenciais de motricidade humana, em ordem ao desenvolvimento global de indivíduo e de sociedade, e tendo como base, simultaneamente, o físico, o biológico e o antropossociológico.
         Neste momento é importante abrir um parêntese para esclarecer que a Motricidade Humana não é a precursora da ideia da visão de ser humano integral. Por exemplo, a tendência pedagogicista da Educação Física, muito influenciada pelas teorias escolanovistas e apresentada por Ghiraldelli (1988, p.19) “[...] vai advogar a ‘educação do movimento’ como a única forma capaz de promover a chamada ‘educação integral’”. Anderáos (2005, p. 26), também lembra a influência do pensamento escolanovista para a ideia de educação integral, a partir de Fernando de Azevedo com a interação entre a “educação intellectual, moral e physica”.
         Assim, após esta explicação fica mais claro o entendimento de que apesar de não ser a única a Motricidade Humana apresenta como fundamental uma visão integral do ser humano e mostra uma irrestrita necessidade em integrar o Homem com a natureza, a cultura, o corpo e a mente.
         Deste modo, acatando esta visão, o autor afirma que a Motricidade Humana abrange o treino, a dança, a motricidade infantil, a ginástica, o jogo desportivo, o desporto, o circo, a educação especial, a reabilitação e a ergonomia, entre outras atividades que “[...] na complexidade, lhe permite a unidade e realização” (SÉRGIO, 1989, p.82).
         Na perspectiva da Motricidade Humana o ser humano é [...] um ser aberto à transcendência e, como tal, um ser práxico que, na totalidade sócio-política e pela motricidade, a persegue (SÉRGIO, 1989, p.44).
         No que concerne a compreensão da Motricidade Humana, Tojal (1994, 2005) afirma que esta é o radical científico onde se fundamenta o desporto, a dança, a ginástica, entre outras atividades, e que, no seu desenvolvimento, além do físico há o social, o político e tudo o que compõe a complexidade humana.
         É importante abrir um espaço, aqui, para tratar da complexidade abordada por Sérgio. O autor explica que “[...] não se pode falar em conduta motora sem a situarmos na complexidade totalizante, organizada, auto-organizada e auto-eco-organizada que é a ‘realidade humana’ [...], e que o ser humano goza de uma complexidade dentro da qual os conceitos de liberdade e cultura reabilitam uma ideia de racionalidade (SÉRGIO, 1989, p.36).
         Tratando da mesma complexidade, Tojal (1994, p. 137) reforça a ideia do ser humano como um ser complexo.
[...] nossa teoria do conhecimento há de ter em conta a complexidade humana, visível também na motricidade. Não nos é mais possível continuar a sublinhar o físico ou o motor mecanicista, em detrimento da complexidade que emerge da motricidade humana. Não mais estudar tão só o movimento do homem, mas principalmente o homem em movimento.

         Entretanto, para a compreensão da Motricidade Humana e sua contribuição para a relação teoria e prática de forma reflexiva considero como fundamental apresentar, de maneira destacada, o sentido dos seguintes termos: intencionalidade operante e transcendência.
         No que se refere à intencionalidade operante Sérgio (1989) apresenta as ideias de Merleau-Ponty, que faz da motricidade uma característica do “corpo-próprio”.

O corpo–próprio é um envolvimento indiscernível do interior e do exterior, sempre aberto ao mundo por uma intencionalidade operante, por um saber que se define pela situação do corpo frente a uma tarefa e não pela sua posição objetivamente determinada em relação a outras posições ou coordenadas exteriores [...] Trata-se de uma intencionalidade motora, não sinônima de adaptação mecânica ao espetáculo do mundo. (MERLEAU-PONTY apud SÉRGIO, 1989, p. 41-42).

         Estas ideias permitem relacionar a intencionalidade com o processo de reflexão. Merleau-Ponty (1999) explica que

Husserl distingue entre a intencionalidade de ato, que é aquela de nossos juízos e de nossas tomadas de posição voluntárias, a única da qual a Crítica da Razão Pura falou, e a intencionalidade operante (fungierende Intentionalitât), aquela que forma a unidade natural e antepredicativa do mundo e de nossa vida, que aparece em nossos desejos, nossas avaliações, nossa paisagem, mais claramente do que no conhecimento objetivo, e fornece o texto do qual nossos conhecimentos procuram ser a tradução em linguagem exata. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 16).

         Dartigues (apud Betti et.al., 2007) explica que pelo fato da intencionalidade operante buscar a intencionalidade temática (intencionalidade de ato), que a antecede, sem nunca conseguir, é que surge a reflexão (o saber consciente).
         Segundo Gonçalves (1994), com Merleau-Ponty o próprio conceito de reflexão é modificado, pois, para ele, a reflexão enraíza-se na experiência sensível. Essa afirmação pode ser bem compreendida com as palavras do próprio autor.

A aquisição mais importante da fenomenologia foi sem dúvida ter unido o extremo subjetivismo ao extremo objetivismo em sua noção do mundo ou da racionalidade. A racionalidade é exatamente proporcional às experiências nas quais ela se revela. Existe racionalidade, quer dizer: as perspectivas se confrontam, as percepções se confirmam, um sentido aparece. Mas ele não deve ser posto à parte, transformado em Espírito absoluto ou em mundo no sentido realista. O mundo fenomenológico é não o ser puro, mas o sentido que transparece na intersecção de minhas experiências, e na intersecção de minhas experiências com aquelas do outro, pela engrenagem de umas nas outras; ele é portanto inseparável da subjetividade e da intersubjetividade que formam sua unidade pela retomada de minhas experiências passadas em minhas experiências presentes, da experiência do outro na minha. (MERLEAU PONTY, 1999, p. 18).

         O autor ainda refere que

A partir do momento em que a experiência — quer dizer, a abertura ao nosso mundo de fato — é reconhecida como o começo do conhecimento, não há mais nenhum meio, de distinguir um plano das verdades a priori e um plano das verdades de fato, aquilo que o mundo deve ser e aquilo que efetivamente ele é. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 298).

         Portanto, não há motricidade humana sem sentido e o movimento intencional não pode ser compreendido unicamente pelas características biomecânicas ou físicas, mas pelas variadas ações e estímulos (SÉRGIO, 1989). Dessa forma, a Motricidade Humana “[...] não é um movimento qualquer, mas acções, isto é, movimentos intencionais e, portanto, com significado e sentido”. (SÉRGIO, 2010, p. 17).
         Assim sendo, o primeiro elemento a ser considerado para a compreensão da Motricidade Humana deve ser o movimento intencional e seus significados.
         A seguir apresento os importantes apontamentos sobre a transcendência.
         A motricidade entende a “[...] existência de um ser não especializado e carente, aberto ao Mundo, aos Outros e à Transcendência”. A transcendência assume o ser humano como um animal incompleto que possui sempre uma tarefa a concretizar, exerce uma ‘práxis’ que ultrapassa as funções e necessidades biológicas (comer, dormir, reproduzir, etc) e tem por objetivo a compreensão da sua existência (SÉRGIO, 1989, p. 45).

Praxis: Tudo o que, através do contributo indispensável da motricidade, contribui à manutenção e desenvolvimento da humanidade. Não é tanto um labor espiritual ou especulativo, mas algo que, objetiva e materialmente, transforma a realidade. A teoria, isolada, não tem eficácia real. Só a tem, quando se traduz numa conduta motora. A prática é a teoria materializada e a teoria é a prática formalizada. (SÉRGIO apud TOJAL, 1994, p. 131).

         Ainda na perspectiva da transcendência, a motricidade constitui também um “[...] processo criativo de um ser em que as práxias lúdicas, agonísticas, simbólicas e produtivas traduzem a vontade e as condições de ele se realizar como sujeito, ou seja, como autor responsável pelos seus atos [...]”. (SÉRGIO, 1989, p. 46).
         Face ao exposto, o autor afirma que o ser humano é um ser errante e práxico, em busca da transcendência e, a motricidade é a condição de realização dessa transcendência. Dessa forma, a Motricidade Humana se baseia na “intencionalidade operante” e na ascensão do Homem para o mais humano, tanto do ponto de vista biológico quanto psicológico, ideológico, cultural e espiritual (SÉRGIO, 1989).
         Portanto, “[...] este movimento intencional em direção ao mais ser é visível no desporto, na dança, na ergonomia, na reabilitação, no yôga, nas lutas, nas artes marciais, na capoeira, e em outras atividades físicas”. (TOJAL, 2010, p. 33).
         Em texto mais recente, Sérgio (2010) enfatiza que o ser humano é mais do que a soma das partes, pois conglomera o corpo, espírito, desejo, natureza, sociedade e a complexidade humana; e essa complexidade é um dos elementos da motricidade humana. E, ainda salienta que

[...] a lógica da motricidade humana é a opção da transcendência, a passagem, numa ascese da vontade humana, do determinismo à liberdade. E assim a consciência da incompletude não é sinal de deficiência, mas condição indispensável de desenvolvimento humano. (SÉRGIO, 2010, p.15).
         De forma clara, sucinta e objetiva, Tojal (2005, p.5), explica o sentido da Motricidade Humana.
A motricidade humana representa a intencionalidade operante do próprio indivíduo, na busca da superação de algo que lhe interessa, visando alcançar seu absoluto, que é só seu, para o que necessita de ajuda profissional que o auxilie a identificar as capacidades de que dispõe e as possibilidades e caminhos para a consecução desse seu objetivo.

         Dessa forma, alcançadas as bases da compreensão da Motricidade Humana e da sua relação com a intencionalidade operante e a transcendência, passo a analisar, com maior profundidade, a relação teoria e prática. 

A relação teoria e prática na Motricidade Humana

         Apesar da tese de Manuel Sérgio sobre a Motricidade Humana estar baseada nas ciências humanas (filosofia e antropologia), as questões práticas estão bem demarcadas em seu discurso. Farinatti (1992, p. 45) ressalta que embora

[...] seu trabalho esteja altamente de em elementos da filosofia e antropologia, o que poderia sugerir um certo distanciamento das questões por assim dizer, mais ‘pragmáticas’ de sua implementação, essa preocupação [...] também se encontra presente no seu discurso.

         Com relação à necessidade da interação entre teoria e prática defende uma teorização que se constitua por uma prática, sem deixar de ser teoria. Ainda afirma que a Educação Física brasileira deve instituir uma teoria que tenha origem na relação com sua prática (SÉRGIO, 1989b).
         Segundo Sérgio (2005) a Ciência da Motricidade Humana nasce no mundo cultural e social como problema ontológico, epistemológico e político. Como problema ontológico, pela ausência de um paradigma organizador que norteasse a prática e a investigação ou pesquisa.

Uma epistemologia da Educação Física, ou seja, a organização do conhecimento da impropriamente denominada Educação Física, não pode esquecer que esta não é uma área de físicos, mas de pessoas no movimento intencional da transcendência (ou superação). Aqui, o físico está integral, mas superado… não nos limitamos à área do “movimento”, mas do “movimento intencional”, ou seja, da “motricidade”, de acordo com a definição da escola fenomenológica e da tradição hegelo-marxista. Parece-nos, indubitavelmente, ser a Motricidade Humana o nosso objecto de estudo e o espaço em que se concretiza uma prática profissional. (SÉRGIO, 2005, p.66).

         Esta é a prática profissional concreta do movimento intencional, na qual a teoria e a prática interagem o tempo todo. Esse fator epistemológico é fundamental para entendermos o papel da prática no processo de preparação profissional. O referencial da Motricidade Humana permite o entendimento e superação da visão cartesiana e positivista de que a teoria estaria relacionada à mente e a prática ao corpo.
         Sérgio reforça a relação teoria e prática a partir da intencionalidade operante, apresentando a tríade “cérebro-mente-corpo” da obra de António Damásio:

António Damásio, na sua obra, apresenta fartas razões científicas, em prol da tríade “cérebro-mente-corpo”. O cérebro e o corpo são inseparáveis, pois que se encontram relacionados, dialecticamente, por circuitos de ordem bioquímica e neural […] Aliás, é da relação cérebro-corpo que desponta a mente. E esta fundamenta-se na incorporação. (SÉRGIO, 2005, p.67).

         O autor apresenta a compreensão de ser humano a partir da corporeidade, não como uma contingência, mas como algo essencial à sua constituição.

Conhecimento, acção, vontade, afectividade interpenetram-se e realizam-se de tal modo, na motricidade humana, que é ilusório, para os ‘professores de Educação Física’, admitir problemas puramente físicos, na sua profissão. (SÉRGIO, 2005, p.68).

         Em face das ideias expostas pelo autor, fica evidente a necessidade da interação entre teoria e prática para a compreensão da realidade e da atuação profissional, a partir da intencionalidade das ações desempenhadas. Além disso, a busca da superação (transcendência) é essencial nesse processo.
         Portanto, é reafirmado que o movimento passa a ser compreendido não mais como algo puramente mecânico, mas é movimento carregado de significados e com objetivo claramente definido, ou seja, um movimento que leva o ser humano a um patamar mais elevado, contribuindo para seu desenvolvimento permanente. Manuel Sergio (apud TOJAL, 2004, p. 156), declara que, o homem é um ser de carências e, como tal, um ser práxico, ser que se faz fazendo, ou seja, só pode viver se atua, e por essa razão visa sempre agir para ser mais, o que representa a sua capacidade e possibilidade de transcendência.

         A preparação profissional em Educação Física que tem por base a perspectiva da Motricidade Humana deve propiciar a relação e reflexão sobre conceitos, contextos, procedimentos, valores, significados e formas de investigação e pesquisa desde o início do curso, pois não há possibilidades de fragmentação do conhecimento quando o ser humano é totalidade em todos os seus sentidos.
         A Motricidade Humana lembra que todo e qualquer movimento está repleto de experiências, cultura, sentimentos, emoções, intenções. Assim, as práticas desenvolvidas nos cursos de graduação em Educação Física devem ser repensadas, pois aquela aula prática, que é apresentada após o estudo de um determinado conteúdo teórico, perderá todo seu significado se não lhe estiverem agregados os valores vistos na teoria, ou se a teoria não considerar a complexidade humana.
         A falta de significado da prática pode manifestar-se, se a teoria apresentada deixar de considerar o ser humano com suas experiências, cultura, sentimentos, emoções, intenções; ou seja, se a prática for caracterizada apenas gesto padronizado, a aprendizagem acontecerá por imitação da forma, em detrimento da ‘reflexão na ação e sobre a ação’.

Na perspectiva da Motricidade Humana entendemos o ser de modo integral existindo-aí­no-mundo-com-os-outros, em condição de abertura para a experiência e, nessa abertura, não há possibilidade de fragmentação. Assim, o chutar a bola […], está impregnado da experiência de mundo do ser, ou seja, carregado de emoção, de sentimento, de intenção, de sua cultura. (GONÇALVES JUNIOR, 2007, p. 31).

         Assim, com base nas ideias da Motricidade Humana, compreendo que os conteúdos a serem transmitidos e estudados no curso de preparação profissional em Educação Física devem propiciar a ‘reflexão na e sobre a’ prática; os graduandos devem entender que todos os conhecimentos com que irão trabalhar quando profissionais da área, serão definidos pela realidade social, cultural, política, econômica da sociedade na qual estiverem inseridos.
         O que se deseja é que os conteúdos a serem transmitidos nos cursos de preparação profissional em Educação Física constituam tanto o ‘ser’ como o ‘ter’ do desenvolvimento, como explica Tojal (2004).

A motricidade, como vocação e provocação, é em certo sentido, ao mesmo tempo, o “ser” e o “ter” do desenvolvimento: o ser, porque se supõe que quem se movimenta intencionalmente procura ser mais, e o ter, porque significa ter em mim, poder utilizar-me ou servir-me de, sendo assim, está ela, a motricidade, a garantir o dinamismo revelador e comunicativo da conquista do mais-ser, da criação de sentido, uma vez que a ninguém é possível ‘ser’ sem ‘ter’. (TOJAL, 2004, p. 154).

         As competências a serem dominadas pelo futuro profissional de Educação Física devem superar a concepção de Movimento Humano caracterizado pelo gesto mecânico e sem reflexão.
         O movimento puramente mecânico estabelece um distanciamento com referência à intencionalidade operante do próprio indivíduo, pois esta é concebida de acordo com programação desenvolvida com fins específicos a serem alcançados. Assim, o gesto apresentado é o automático/padronizado, e não o movimento surgido da intencionalidade operante que se caracteriza pela prática reflexiva (reflexão na e sobre a ação).
         Assim, entendo que a superação da dicotomia entre teoria e prática na Educação Física passa pelo entendimento da Motricidade Humana a partir da intencionalidade operante e da necessidade de uma prática reflexiva.
         A prática, para ser reflexiva, deve atender à complexidade do humano, ou seja, a todos os aspectos envolvidos na ação, experiências, histórias de vida, dificuldades, anseios, contextos sociais e lutas políticas. Uma prática profissional concreta do movimento intencional, na qual a teoria e a prática interajam o tempo todo.
         A superação da visão cartesiana e positivista de que a teoria estaria relacionada à mente e a prática ao corpo dependem da compreensão sobre a relação triádica e indissociável entre cérebro, mente e corpo. Essa mudança de concepção é fundamental para a compreensão do papel da prática reflexiva no processo de preparação profissional. “De facto, ninguém tem um corpo. Há uma distância iniludível entre mim e um objecto que possuo: posso deitá-lo fora, sem deixar de ser quem sou. Com meu corpo não sucede o mesmo: sem ele, eu deixo de ser quem sou”. (SÉRGIO, 1996, p. 125).
         É fundamental que a especificidade da Educação Física não seja a teoria sem sentido para a realidade, e nem prática mecânica sem vida, mas a perfeita relação entre ação e reflexão.
         No sentido da preparação profissional, Tojal (1995) entende que se deve formar o profissional de Motricidade Humana para agir, nos diferentes aspectos do desenvolvimento do humano, junto à sociedade, à sua cultura e à natureza que o cerca. 
         Finalmente, é importante frisar as palavras de Tojal (2010, p.23), quando evidencia a importância e significação da Motricidade Humana para a [...] implantação dos Cursos de Graduação de Bacharéis em Educação Física no Brasil, ocasionando uma série de discussões sobre o objeto de estudo que deve dar sustentação a essa área do conhecimento [...].
         A Motricidade Humana foi referenciada no parecer CNE/CES 0138/02, mas, por não estarem explicitados os conceitos dos termos contidos no documento (Atividade Física-Movimento Humano-Motricidade Humana), se deu a ocasião de muitas discussões em forma pouco acadêmica, pouco científica; por questões políticas o parecer foi revogado. Assim, o Movimento Humano foi apresentado nas atuais diretrizes curriculares como o objeto de estudo da área (TOJAL, 2010).

Considerações

         Após a apresentação e análise de alguns aspectos que considero essenciais para a compreensão da Motricidade Humana, afirmo que esta proposta teórica permite uma melhor interação entre teoria e prática na preparação profissional e, por isso, poderá aproximar da realidade os futuros profissionais em sua futura atuação.
         Portanto, o processo de preparação do futuro profissional de Educação Física deve procurar, desde o início do curso, realizar a reflexão nos contextos e sobre os contextos em que irão atuar (reflexão na ação e sobre a ação), entendendo a complexidade humana e utilizando o movimento intencional (intencionalidade operante) para alcançar a superação em direção ao ‘mais humano’ (transcendência).
         Conforme a concepção de práxis apresentada pela teoria da Motricidade Humana, fica evidente a estreita relação do processo de preparação do futuro profissional de Educação Física com o contexto social e cultural. Logo, o entendimento de prática depende do contexto no qual este profissional irá atuar, irá se relacionar, ou seja, o mercado de trabalho.

Referências

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1 Os demais princípios apresentados são: autonomia institucional; articulação entre ensino, pesquisa e extensão; graduação como formação inicial; formação continuada; ética pessoal e profissional; ação crítica, investigativa e reconstrutiva do conhecimento; construção e gestão coletiva do projeto pedagógico; abordagem interdisciplinar do conhecimento; articulação entre conhecimentos de formação ampliada e específica.