Contribuciones a las Ciencias Sociales
Diciembre 2011

O SUJEITO CONTEMPORÂNEO E O CULTO AO CONSUMO : ALGUMAS CONSIDERAÇÕES À LUZ DE MARX, BENJAMIN E AGAMBEN



Cleber José de Oliveira (CV)
cleberolivera@hotmail.com



Resumo:
As dez últimas décadas são vistas e reconhecidas por pensadores como W. Benjamin e G. Agamben como sendo as que consolidaram o capitalismo como a religião do culto ao consumo. Nesse sentido, o presente trabalho desenvolve uma análise, na esfera semiótica, sobre as relações que surgem entre sujeito e objeto de consumo. Parte da hipótese geral de que no capitalismo de consumo o sujeito vai estar sempre em tensão com algum objeto a ser consumido, produzindo assim um fetichismo de consumo. Faz isso a partir das reflexões propostas por Benjamin em “O capitalismo como religião” (1921), e Agamben em sua obra Profanações (2007), mais especificamente no ensaio “Elogio da Profanação”.

Palavras-chave: capitalismo, religião, consumo, tensão, profanar.  



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
de Oliveira, C.: "O sujeito contemporâneo e o culto ao consumo : algumas considerações à luz de Marx, Benjamin e Agamben", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, diciembre 2011, www.eumed.net/rev/cccss/16/

Com essas palavras Saint-Exupéry (1900-1944), nos apresenta uma percepção precisa das relações sociais que se desencadearam, principalmente na cultura ocidental, ainda no século XIX, com a implantação do capitalismo como sistema social predominante. O trecho nos faz refletir sobre as relações de valores sociais e individuais entre os homens e as coisas, ou melhor entre o mundo dos homens e o mundo das coisas (Cf. MARX, 1989)  
No que diz respeito à sociedade contemporânea, pode-se dizer que ela é a sociedade do culto ao consumo como afirmou Benjamin (1921), onde a relação estabelecida entre sujeito e objeto se dá na esfera da dependência e da adoração. Para melhor ilustrar essas relações, aproprio-me de outra passagem de O Pequeno Príncipe (1943), na qual é narrada a chegada do pequeno príncipe ao planeta do empresário (homem de negócio):

O quarto planeta era o do empresário. Estava ocupado contando suas estrelas. Ufa! são quinhentos e um milhões. –Quinhentos milhões de que perguntou o pequeno príncipe. – De estrelas –E que fazes com essas estrelas? –Eu as possuo. –E de que te serve possuir as estrelas? – Serve-me para ser rico. – E para que te serve ser rico?– Para comprar outras estrelas, se alguém achar. (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p.45)

Este trecho é emblemático para pensarmos uma das ideologias veiculadas pelo sistema capitalista, o acúmulo de bens a qualquer custo. O homem de negócios (na sociedade contemporânea a grande maioria de nós somos homens de negócio) está tão ocupado contando o que a seu ver acumulou, porém com isso, talvez até sem perceber, não pode desfrutar a vida. O senso de prioridade, que varia de um indivíduo para outro, é o que pode livrar alguém do vício ou afundá-lo ainda mais nele. Isso que estou chamando de vício é para ser entendido como sendo o culto promovido pelos indivíduos em relação ao consumo. Assim o pequeno príncipe nos faz ver que isso também é um vício.
Deixo agora a instigante narrativa de Saint-Exupéry, que ainda tem muito a nos ensinar sobre a vida, para adentrar numa abordagem mais teórica, na tentativa de traçar, sem grandes atropelos, um paralelo entre os pensamentos de Walter Benjamin e Giorgio Agamben sobre a concepção de “capitalismo como religião” e da “profanação do consumo” como saída para a angústia do homem contemporâneo.

BENJAMIN: CAPITALISMO COMO RELIGIÃO

          “É preciso ver no capitalismo uma religião” assim W. Benjamin inicia seu artigo intitulado “O Capitalismo como Religião” escrito ainda no inicio do século XX, e publicado postumamente em 1985, numa tentativa de denunciar a condição de “escravidão” que se encontrava aquela sociedade em relação à ideologia de acumulo de bens materiais a qualquer custo. Para Benjamin o capitalismo é uma religião puramente cultural. Nada nele tem significado que não esteja em relação imediata com o culto, já que ele não tem dogmas específicos nem teologia. O capitalista deve constantemente aumentar e ampliar seu capital, sob pena de desaparecer diante de seus concorrentes, e o pobre deve emprestar dinheiro para pagar suas dívidas que não cessam.
Entendendo, ainda, com Benjamin, na religião do capital não há uma redenção, na expansão capitalista, no acúmulo de mercadorias, só há o desespero. É o que parece sugerir com a fórmula que faz do desespero um estado religioso do mundo. Vejamos isso de forma esquemática no quadro abaixo:

No quadro de comparações vemos as principais características das religiões tradicionais e disso que estamos chamando de religião capitalista, que Benjamin diagnosticou ainda no início do século XX, que se “concretiza” essencialmente no consumo. Diz ele: “O que o capitalismo tem de historicamente inédito é que a religião não é mais reforma, mas a ruína do ser. O desespero se estende ao estado religioso do mundo do qual se deveria esperar a salvação” (BENJAMIN, 1985, p 72.). A partir dessa afirmação, podemos ainda estabelecer uma relação entre os pensamentos deste autor com o de Karl Marx, quando este último diz que “com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens” (1989, p. 148). É verdade que não podemos saber até que ponto Benjamin compartilhava esse raciocínio com Marx; no entanto, podemos, a título de hipótese, considerar o trecho mencionado, como um exemplo do que ele entende por “capitalismo como religião.
Desse modo, entendo que as relações que brotam no sistema do capitalismo de consumo são sempre de tensão entre sujeito e objeto, com grande tendência a desvalorização do humano frente às coisas. O humano é rebaixado a condição de produto, de mercadoria, de objeto, de coisa. Nos dia de hoje, essas concepções, de alguma maneira, permeiam as reflexões promovidas pelo filósofo italiano Giorgio Agamben.

AGAMBEN: POLÍTICA DA PROFANAÇÃO  X   CONSAGRAÇÃO DO CONSUMO

Presentemente, Giorgio Agamben retoma e desenvolve as reflexões benjaminianas, dando a elas, entretanto, uma fundamentação um pouco diferente. Entende que o capitalismo possui cultos; sim, esses cultos são permanentes; e sim, a culpabilização que gera não oferece possibilidade de redenção, e generaliza, por isso, o desespero entre os homens e mulheres que vivem no seu interior. Mas o capitalismo deve ser identificado com uma religião, sobretudo, por estabelecer uma cisãoem sua própria substância que cria a esfera do sagrado em contraposição com o mundo humano. Na compreensão de Agamben, o sagrado sempre vai estar relacionado ao religioso. Desse modo, o próprio capitalismo é concebido pelo autor como uma forma de religião voltada para a sacralização das mercadorias e do consumo. Para o autor, o próprio conceito de religião confunde-se com o de sacralidade: “sagrado ou religioso é aquilo que ocupa um lugar especial em determinada sociedade” e que está indisponível para se fazer qualquer uso na esfera do direito humano.
Em outras palavras, tornar algo sagrado é não permitir a esse algo o livre uso pelos seres humanos. A religião subtrai “coisas, lugares, animais e pessoas do uso comum” transferindo-os para uma esfera separada, sagrada. O ato de efetuar a separação é o que assegura o caráter religioso e sagrado de algo, de onde se infere que “não só não há religião sem separação, como toda separação contém ou conserva em si um núcleo genuinamente religioso” (AGAMBEN, 2007, p. 65). A religião é construída com base no respeito à separação entre o sagrado e o profano, da distinção entre seres humanos e deuses. A religião se opõe à negligência, a “uma atitude livre diante das coisas e do seu uso, diante das formas da separação e do seu significado” (AGAMBEN, 2007, p. 66), a atitude de profanação.
Para Agamben (2007), o termo religião estende-se para além de seu sentido usual que geralmente designa o conjunto das crenças teístas, formado por dogmas, práticas, rituais e cultos prestados a uma, ou mais, divindades. São crenças que resultam da indisponibilidade das coisas e do ato de separação de algo, transpondo-o da esfera do humano para a do divino, independentemente de uma vinculação, ou não, a uma crença teísta. Por conseguinte, também o sagrado pode ser compreendido como algo não necessariamente fundado num conjunto de crenças. Dessa forma, a sacralidade da vida humana se configura numa crença religiosa que mobiliza e persuade a maior parte das pessoas, as quais respeitam a separação da vida humana numa esfera indisponível, não se permitindo que qualquer uso dela seja efetuado.
Assim, pode-se dizer que Agamben, na esteira de pensamento de Benjamin e Marx, critica o capitalismo em virtude da sacralização do consumo. Propõe uma atitude de dessacralização do consumo por meio da profanação. Para Agamben “profanar significa abrir a possibilidade de uma forma especial de negligência, que ignora a separação, ou melhor, faz dela um uso particular” (2007, p. 65). Profanar um objeto significa retirá-lo da esfera do sagrado e trazê-lo de volta para o livre uso dos seres humanos. Agamben (2007, p. 66) sustenta que “parece haver uma relação especial” entre usar e profanar, uma vez que na profanação se desrespeita ou se negligencia o significado dado às coisas quando consagradas, ou seja, quando retiradas da esfera humana e depositadas num lugar especial que corresponde à esfera do sagrado. O uso profano é, portanto, o uso que ignora a separação proposta pelo Sagrado. Esse uso particular ocorre por meio de um reuso ou uso especial do sagrado. O reuso que se dá aos objetos ao perderem sua aura consagrada na profanação “não restaura simplesmente algo parecido com um uso natural” (AGAMBEN, 2007, p. 74), preexistente à separação, mas, antes, permite atribuir um novo uso àquilo que era sagrado. Trata-se, antes, de uma emancipação, de um esvaziamento de sentido em relação a uma determinada finalidade, abrindo e dispondo o sagrado a novos usos.
No olhar diagnosticador de Agamben o consumo é um ato ritualístico improfanável, pois não permite abolir a separação que atribui estatuto especial à mercadoria, originando a “absolutização capitalista da mercadoria” (AGAMBEN, 2007, p. 77). No mundo contemporâneo da religião capitalista tudo parece ter se tornado sagrado e necessário – nos museus, nos shoppings, na mídia, praticamente não há mais possibilidade de reuso dos objetos. Para Agamben (2007, p.79), a “tarefa política da geração que vem”, é a profanação da religião do capitalismo, do espetáculo, da política da corrupção e de tudo que se coloca como sagrado. Daí então, entende-se que somente a profanação, complementa e origina algo novo. Nesse sentido, a profanação da linguagem cria a literatura, a profanação da forma cria a arte, a profanação dos conceitos cria a filosofia, a profanação da moral cria a ética. Profanar não significa apenas abolir ou cancelar as separações, mas aprender a fazer delas um uso novo. Por isso a afirmação de que “profanar o improfanável é a tarefa política da geração que vem”, numa referência ao fracasso do profanar da nossa geração . Dessa forma, pode-se sustentar que é também a profanação que permite buscar uma nova ética pautada num reuso dos seres humanos.

BENJAMIN E AGAMBEN: CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES

Numa tentativa de melhor compreender as continuidades e possíveis rupturas entre esses pensadores traço agora um paralelo entre as reflexões, até aqui apresentadas, observemos o quadro abaixo
  
Num primeiro momento, pode-se dizer que Agamben, baseado em Benjamin, avalia que o capitalismo não representa apenas uma “secularização da fé protestante”, mas ele mesmo é um fenômeno religioso, que se desenvolve de modo parasitário a partir do cristianismo. No lugar da religião, que havia uma passagem do sagrado para o profano e do profano para o sagrado, o capitalismo institui o vazio do consumo, realizando a pura forma da separação, sem mais nada a separar. A religião capitalista está voltada para a criação de algo Improfanável, ou seja, ela almeja o consumo absoluto, e, perdendo-se no vazio, faz com que o ser humano não consiga profanar esse mesmo consumo, e não se separe da ideia de que esse consumo é um fetiche. E como, na mercadoria, a separação faz parte da própria forma do objeto, que se distingue em valor de uso e valor de troca e se transforma em fetiche inapreensível, assim agora tudo o que é feito, produzido e vivido – também o corpo humano, também a sexualidade, também a linguagem – acaba sendo dividido por si mesmo e deslocado para uma esfera separada que já não define nenhuma divisão substancial e na qual todo uso, no sentido de profanação, se torna duravelmente impossível. Esta esfera é a do consumo. Portanto, tudo que é feito, produzido e vivido se divide e passa a dar forma a uma existência social estruturalmente dividida entre um plano humano e outro sagrado.
Assim vemos que há uma continuidade nas compreensões de Benjamin, de Marx e de Agamben no sentido de que no capitalismo tudo se transforma em mercadoria, e o consumo passa a ser a esfera onde a consagração das coisas se consuma. No consumo, realiza-se e reforça-se a consagração e o fetichismo de tudo aquilo que é cindido no capitalismo.
Passando da esfera abstrata para a concreta, ou melhor, trazendo a teoria para a  prática, observemos (abaixo) a campanha publicitária vinculada na mídia no ano de 2006. A partir dela tento esboçar, numa espécie de concretude, a condição de mercadoria na qual o sujeito esta inserido no sistema capitalista de consumo.

  A composição do outdoor nos oferece uma visão mais concreta sobre as proposições teóricas de Marx, Benjamin e Agamben. Como se vê, o humano encontra-se na mesma esfera da mercadoria, esta exposta. Com um olhar mais atento, podemos perceber que há uma relação de semelhança entre a coisa e o humano. Na visão capitalista são, os dois, produtos de consumo. Como já sinalizei antes, o fetiche da mercadoria é a aparência que se sobrepõe à essência, é o mundo das coisas como objetivo final, provocando o comprometimento e/ou supressão da subjetividade: a “coisa” sufoca o “humano”. O fetichismo – este caráter misterioso das mercadorias – provém do fato de que elas ocultam a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total. Entendo com Marx (1989, p. 80-81) isso é “uma relação social definida, estabelecida entre os homens, mas que assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas”.Com isso, podemos entender que na religião do capitalismo de consumo tudo se transforma em mercadoria.  
É importantíssimo entender que na compreensão de Agamben (2007) o consumo não é apropriação. Essa compreensão pode explicar muito sobre o sistema de consumo. Esse sistema funciona da seguinte maneira: consumo não é apropriação; como não me aproprio do que consumo tenho que consumir de novo e de novo para alimentar a ilusão de apropriação. Esta “escravidão” ocorre pela incapacidade atual de profanar o bem consumido e pela incapacidade de enxergar o processo no qual estamos mergulhados e nos afogando rapidamente. O capitalismo de mercado é uma grande religião que se afirma com a sacralização do mercado e da propriedade privada.
No que diz respeito ao culto, tanto Benjamin quanto Agamben compreendem que as práticas capitalistas não conhecem pausa, elas dominam a vida dos indivíduos da manhã à noite, da primavera ao inverno, do berço ao túmulo, e em algumas culturas até no pós-morte. No entanto, Agamben parece se atentar mais com a questão da mudança da condição humana, do sujeito em relação às coisas, visa à profanação da esfera do sagrado que envolve a própria existência como forma de libertação humana; enquanto que as reflexões de Benjamin operam mais sob o aspecto de crítica social das coisas e dos sujeitos. Talvez, isso de alguma  maneira possa ser algo que só se mostrou na contemporaneidade já que entre o texto de Benjamin e o de Agamben há uma lacuna de quase um século.
Ainda sob as reflexões até aqui desenvolvidas, podemos dizer que Agamben sustenta uma:“Ideologia da Profanação” versus “Consagração do consumo”,que gera uma tensão, numa tentativa de libertação do humano em relação ao consumismo. Para uma melhor ilustração dessa tensão, observemos as figuras abaixo:
A figura número 1, A Monalisa (1983), de Basquiat, é a representação de uma tentativa de profanação, assim como as fotos (f-2, f-3) de Sebastião Salgado que estão no livro Terra (1997). Sustento que são tentativas porque apesar de serem situações emblemáticas de denúncia e crítica social, não conseguem profanar aquilo que estão denunciando e criticando, que é justamente o sistema capitalista de consumo. Entendendo com Agamben, o capitalismo é improfanável porque tudo aquilo que o tenta profanar é rapidamente incorporado a uma esfera apartada do uso comum dos homens, sacralizado.  
Pensemos, agora, sobre os autores destas obras; Basquiat foi um jovem americano pobre e negro que era pixador depois se tornou grafiteiro, quando sua produção conseguiu uma certa visualidade logo o sistema capitalista tratou de elevá-lo ao status de artista, anulando assim a sua tentativa de profanação que era justamente sua produção crítica e de revolta com as injustiças sociais. Sua obra saiu das ruas onde estava ao livre uso dos homens para figurar numa esfera separada, os principais museus e galerias do mundo. Com a sacralização de sua expressão logo seu talento acendeu ao status de obra arte, e com a comercialização delas Basquiat ficou rapidamente milionário podendo desfrutar de tudo que o consumo pode lhe oferecer, tudo que sua Monalisa (f.1) tenta profanar. Basquiat  morreu em 1988 aos 28 anos, ainda hoje suas pinturas costumam atingir preços altos em leilões de arte. Pode-se dizer que o mesmo ocorre com as fotografias de Sebastião Salgado, expostas acima. Elas também podem ser entendidas, num primeiro momento, como sendo tentativas de profanação do consumo. Porém, foram elevadas pelo mesmo sistema  à condição de obras de arte, e assim perderam a sua essência profanadora, pois foram sacralizadas aos museus e livros. Salgado, hoje, vive na França numa condição bem diferente daqueles que são os personagens protagonistas de suas fotografias.
Pensando isso sob a perspectiva da realidade brasileira, infelizmente, museus e livros, onde se encontram as matrizes dessas obras, não fazem parte do cotidiano da grande maioria da população. Assim, apenas uma seleta parcela da sociedade tem acesso a elas e as podem consumir. Essa, talvez seja a separação de que tanto vimos Agamben (2007) se reportar. Separação essa que segue mantendo um sistema social que insiste em relações verticalizadas e dividida em classes –a saber– os que podem consumir arte, conhecimento e bens duráveis e os que não podem e sobrevivem das migalhas que caem das classes que estão socialmente elitizadas.     
        
TENSÃO ENTRE SUJEITO E OBJETO DE CONSUMO

Em semiótica entendemos como se dão as relações de significação e sentido entre o signo e o significante, entre o sujeito e o objeto e a tensão que surge daí. Entendendo a teoria semiótica com Diana Barros, a mesma afirma que

São duas as concepções complementares de narratividade: narratividade como transformação de estados, de situações, operada pelo fazer transformador de um sujeito, que age sobre o mundo em busca de certos valores investidos nos objetos; narratividade como sucessão de estabelecimento e de rupturas de contratos entre um destinador e um destinatário, de que decorrem a comunicação e os conflitos entre sujeitos e a circulação de objetos de valor. (BARROS, 1998,p.28, grifo nosso)
 
 
Dito isto, tento, dessa perspectiva semiótica, explicitar as relações entre sujeito e objeto relacionando-as com as correntes de pensamento de Benjamin e Agamben. Assim, podemos entender que – não raro –  na religião do capitalismo de consumo o sujeito ( S ) vai estar sempre em disjunção ( U ) com o objeto de desejo (O). Cabe a pergunta: Por que isso acontece? já que o consumo é, de certa maneira, acumulativo. Entendendo com Benjamim e Agamben isso se dá porque, como vimos, o consumo é manifestado na esfera da falta. É um culto que não visa nem é consagrado a qualquer tipo de redenção, uma vez que é o culto da falta. O consumo precisa e se manifesta na falta para sobreviver, ou seja, o sistema capitalista cria  a falta para então supri-la com um novo objeto de consumo. Assim podemos fazer as seguintes correspondências:

S      U      O
O indivíduo e sua condição de sujeito virtual, que sempre esta em tensão com um  objeto de consumo. Pois por mais que ele (sujeito), num primeiro momento, se torne momentaneamente sujeito atual (quando ele pode consumir) ou até mesmo real (que realiza no poder consumir), sempre estará em  virtualidade em relação a alguma mercadoria, um novo lançamento. Disso, surge o que em semiótica é chamado de   Desenvolve-se daí uma manipulação por sedução, ou seja, são investidos valores positivos nos objetos e produtos (bens materiais) para serem considerados essenciais. Na esfera humana, a pensar com Marx, Benjamin e Agamben, isso dá ao com efeito contrário, uma proporção de desvalorização do humano se manifesta tornando-o um produto, como vimos na representação do outdoor, ou em muitas das vezes inferior aos  produtos.
 Vimos no decorrer desse trabalho que os olhares de Benjamin e Agamben se voltam para a mesma direção – a saber – a de apontar que a religião do consumo é a religião do culto ao objeto (deve-se entender objeto como podendo ser tanto bens materiais como o humano colocado na esfera de produto consumível com valor de venda e troca) que sempre está em falta. Isso se dá porque na religião capitalista se promove uma ideologia  que coloca o sujeito sempre em tensão com algum objeto que traz consigo a aura do novo e do necessário. Dessa maneira, o sujeito se torna uma espécie de servo do seu próprio fetiche consumista e, assim sendo, sempre estará numa tensão de cunho patológico, já que esta tensão culminara sempre em uma disjunção em relação ao objeto.
Nessa religião todos os objetos são deslocados do livre uso dos seres humanos para uma esfera separada a da propriedade individual. No mundo contemporâneo, da religião capitalista, tudo parece ter se tornado sagrado e necessário – nos museus, nos shoppings, na mídia, praticamente não há mais possibilidade de reuso dos objetos. sistema torna o consumo um ato ritualístico improfanável, pois não permite abolir a separação que atribui estatuto especial à mercadoria, originando a absolutização capitalista da mercadoria. Na esteira do pensamento de Marx e Benjamin, Agamben realiza uma espécie de profanação filosófica, numa tentativa de “repor o sacro” ao uso democrático e comum.
Por fim, tentei expor, a partir das relações semióticas, a tensão permanente em que o sujeito contemporâneo esta inserido. Tensão que o torna um sujeito ao mesmo tempo estável e instável. Estável no sentido de estar, em grande parte de sua existência, sempre em virtualidade; e instável no sentido de que ao consumir algo desejado, ao menos, por um instante, este sujeito sai de sua condição virtual para ser real. Dessa maneira, o sujeito estará ininterruptamente inserido em uma realidade que busca, sobretudo, consumir, configurando-se num ser sedento de consumo. Uma realidade que aos olhos de Agamben deve ser profanada por meio da pararódia, do desejar, dos ajudantes, do gesto, da magia e felicidade e do elogio da profanação. Profanar, então, não significa apenas abolir ou cancelar as separações, mas aprender a fazer delas um uso novo, pois como já foi dito por uma certo principezinho “Só se vê bem com o coração o essencial é invisível aos olhos”.
      
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Atual, 1998.
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