MUSEUS, TURISMO E TERRITÓRIO

MUSEUS, TURISMO E TERRITÓRIO

Paulo Carvalho
Universidade de Coimbra

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TURISMO CULTURAL E MUSEUS: UMA OPORTUNIDADE PARA AS REGIÕES DO INTERIOR (O EXEMPLO DE BRAGANÇA)

Ana Luísa Gomes

Paulo Carvalho

Resumo
Nos últimos anos a cultura e o turismo assistiram a uma valorização importante, resultando daqui dinâmicas positivas, com o desenho de novos produtos e serviços turísticos.
A presente reflexão pretende explorar as dinâmicas do turismo e do património cultural e enfatizar as relações entre estes dois domínios no contexto dos museus, bem como analisar o modo como os espaços culturais se podem diferenciar no mercado e converter em modelos de atração turística, sem perderem os seus objetivos museológicos primários.
O Museu do Abade de Baçal, localizado na cidade de Bragança (região de Trás-os-Montes), configura o estudo de caso tendo em vista explicitar as linhas orientadoras da investigação.

Palavras-chave: Turismo Cultural; Museus; Museu do Abade de Baçal; Trás-os-Montes; Bragança.

1. Introdução
Na atualidade as viagens e o turismo prosperam e tornam-se acessíveis a um número crescente de pessoas. De acordo com dados estatísticos recentes da Organização Mundial do Turismo (UNWTO World Tourism Barometer), publicados em janeiro de 2015, no ano de 2014 o número de turistas internacionais perfez 1138 milhões, o que traduz um acréscimo de 4.7% face a 2013 (configurando o quinto ano consecutivo de crescimento desde 2009, e com tendência a continuar). Por região, as Américas (+5%) e a Ásia e o Pacífico (+5%) registaram o crescimento mais elevado, enquanto a Europa (+4%), o Médio Oriente (+4%) e a África (+2%) apresentaram valores mais modestos.
Verifica-se também uma maior procura atinente a serviços personalizados, individualizados e de elevada qualidade, num contexto em que o visitante é cada vez mais informado, culto e exigente (Pires, 2004).
Não é por acaso que nos últimos anos a atenção deslocou-se do crescimento quantitativo da procura turística, para as mudanças comportamentais e motivacionais do consumidor. Assim, a mudança dos hábitos de consumo do turista introduziram novas variáveis na hora de viajar – as experiências e a autenticidade do destino ganham maior relevo opondo-se à localização geográfica, segundo a perspetiva de Muela (2013)1 .
Por outro lado, o turista contemporâneo recorre às novas tecnologias para um melhor conhecimento e planeamento da viagem. Esta nova utilidade do mundo online veio ampliar ainda mais a sua influência. Os consumidores tiram, assim, proveito e adaptam o seu comportamento de viagem, especialmente para a compra de produtos ou serviços e para procurar informações turísticas. Regista-se uma confiança crescente nas informações pessoais e recomendações disponíveis em páginas comerciais e sociais.
Como refere Marujo (2008:30), “a Internet é o meio de comunicação mais eficaz que existe para o intercâmbio de informação turística a nível mundial. A rede pode, de certa forma, facilitar a promoção e a distribuição de produtos turísticos e potencialmente permitir que destinos e empresas turísticas possam competir a um mesmo nível”.
Esta adaptabilidade do viajante às inovações, às tecnologias e às novas modas, dá origem a novos perfis de viajantes, como também segmenta o mercado e os destinos turísticos, tornando mais premente os meios ou ferramentas de mediação entre a oferta (produtos) e a procura (consumidores).

2. Turismo cultural
O património, enquanto conjunto de bens ou referências materiais e imateriais, naturais ou construídos, que estabelecem pontes entre o passado e o futuro, e despertam sentimentos de identificação, posse ou pertença entre indivíduos e objectos, é influenciado pelo sistema de valores e normas vigente em determinado momento, e neste sentido pode ser acumulado, perdido ou transformado de uma geração a outra (Ballart, 1997; Prats, 1997; Silva, 2000; Carvalho, 2003; Rodrigues, 2011).
Tratando-se de uma construção social, um dos traços mais relevantes do património é a sua capacidade de representar uma identidade, uma cultura, uma sociedade. Estes agentes promovem a estabilidade e a coesão coletiva – “alimentam no ser humano a reconfortante sensação de permanência no tempo” (Silva, 2000: 218).
O conceito de património cultural pode ser entendido como uma “representação simbólica das identidades dos grupos humanos, isto é, um emblema da comunidade que reforça identidades, promove solidariedade, cria limites sociais, encobre diferenças internas e conflitos e constrói imagens da comunidade” (Cruces, 1998, cit in Pérez, 2009:140).
Hoje com a globalização, e com o derrube/esbatimento de fronteiras e distâncias, a dinâmica entre culturas e seus valores acelera, entrelaçam-se e dão espaço para a criação de novos grupos, tradições e conhecimentos. Esta rutura de valores e de identificação provocou um sentimento de nostalgia, de recuperação do passado, nunca antes visto (Silva, 2000:219).
Através do conhecimento e valorização do património cultural, não apenas o passado é recuperado, mas também são impulsionadas diversas atividades e expressões que se podem converter num instrumento ao serviço do fortalecimento da identidade de uma sociedade e do seu bem-estar material.
O contacto com os bens patrimoniais possibilita uma experiência que se traduz na interpretação do passado permitindo uma consciência e conhecimento do presente. Tem crescido, de forma relevante, a oferta e a procura destes produtos culturais, resultando não só da revitalização de alguns centros históricos, como também a atividade turística produz mais programas que se moldam em volta destes produtos culturais.
Não se colocam dúvidas sobre a cultura ser um dos recursos mais importantes, senão principal, do território europeu e o turismo, neste contexto, surge como uma das atividades mais relevantes.
Richards (1996) definiu o turismo cultural como o movimento de pessoas para lugares de interesse cultural, com a intenção de recolher informação e experiências novas que satisfaçam os seus desejos culturais.
O Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS), por via da “Carta do Turismo Cultural” (adotada em 1976), apresenta o turismo cultural como uma forma de turismo que tem como foco, entre outros fins, a descoberta de monumentos e sítios histórico-artísticos, exercendo um efeito positivo sobre estes últimos na medida em que contribui para a sua manutenção e protecção.
O texto da “Carta Internacional do Turismo Cultural” (ICOMOS, 1999), com o subtítulo “Gestão do Turismo nos Sítios com Significado Patrimonial”, é ainda mais esclarecedor ao referir que o turismo deve gerar benefícios para a comunidade recetora e proporcionar importantes meios e motivações para cuidar e manter o seu património.
Por outro lado, a Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura (UNESCO) e o Conselho da Europa, entre outras organizações internacionais, através de diversos documentos, manifestaram também a sua preocupação em matéria de convivência e mútuo benefício entre a “indústria” do turismo e a conservação do património.
De referir que a relação entre o turismo e o património é importante no que diz respeito à valorização e divulgação da cultura um determinado território podendo, se bem coordenada e planeada, contribuir para a sustentabilidade dos bens culturais.
A expressão do turismo cultural é hoje evidente em domínios como, por exemplo, a literatura, o cinema, a gastronomia, a arqueologia, através de produtos que aparecerem vinculados a territórios específicos, mas também a rotas ou circuitos (touring cultural e paisagístico), com um elevado potencial de crescimento futuro.
Um dos pontos de referência nos roteiros do turismo cultural são os museus. Não deixa de ser importante desmistificar este setor de atividade, explicitando o papel dos espaços museológicos e a sua importância no desenvolvimento do turismo.

3. Museus e turismo
De acordo com o Conselho Internacional dos Museus (ICOM, 2015), o museu é “uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e lazer”.
Em termos gerais, é possível afirmar que os museus transformaram-se nas últimas décadas: novas técnicas, novas estratégias, novas representações, novos públicos.
No contexto português, a museologia trilhou um novo caminho após o 25 de abril de 1974. “Até aí, a instituição-museu foi um projeto de Estado, a guardiã dos ícones e dos suportes narrativos da ideologia nacionalista e colonialista. Com a revolução política, o museu inicia uma nova trajetória ligada por um lado a uma nova conceção, democrática, de cidadania e participação; por outro, de descentralização e afirmação da diferença” (Faria, 2000:1).
Um estudo desenvolvido em 2005 sobre os museus em Portugal, pelo Observatório das Atividades Culturais (OAC), evidenciou a tendência e o crescimento destes espaços. Assim, constatou-se que entre 2000 e 2005 mais de 72% do território nacional possuía mais que um museu por concelho.
Apesar do encerramento de alguns museus e galerias de arte, por falta de apoios ou sustentabilidade, o panorama museológico nacional mantem-se numa fase de expansão. Quanto à tipologia e segmentação deste mercado é igualmente apontado que os mais significativos, como arte, etnografia, antropologia e pluridisciplinares, se mantêm constantes, opondo-se à redução do número dos museus de ciências naturais ou de história natural.
De destacar ainda a relevância que a região Norte mostrou nesta investigação. “O elevado número de museus aí situados, associado à elevada taxa de crescimento que regista, aponta para uma região particularmente dinâmica neste sector cultural” (Neves, 2006:23), contrapondo-se com a região de Lisboa e Vale do Tejo.
Os museus não se limitam a conservar vestígios do passado, mas também os apresentam ao público e, nessa medida, simulam os seus contextos históricos numa evocação nostálgica de um passado, ficcionado e oferecido ao público como verdadeiro e autêntico (Anico, 2005).
A experiência do património pode servir como uma pequena amostra para muitos visitantes, que posteriormente desenvolvem um interesse pela história e arqueologia do seu lugar. Deste modo, não deve ser desenvolvido apenas uma forma de representação, mas sim adaptar e flexibilizar o serviço oferecido para a multiplicidade de públicos que o procura.
O turismo e o património cultural podem estabelecer uma relação de sustentabilidade e de benefícios mútuos. Nesta perspetiva, os museus são estimulados a desenvolver uma abordagem interdisciplinar interiormente para que possam ampliar a sua atividade e corresponder às necessidades do novo mercado segmentado que procura os espaços musealizados.
Estes são um forte elemento de mobilização de pessoas, principalmente através das suas grandes exposições temporárias. Para esta atração ser sistemática e contínua é necessário adaptar as estruturas e ferramentas aos novos públicos que todos os dias enformam novas modas e tendências.
Vários estudos apontam que o visitante contemporâneo procura “viver o museu” num contexto integrado e multifacetado, e não se resumir apenas às peças que tem expostas.
A diversificação destes recursos conduz ao desenho de novas estratégias e soluções que tornem estes espaços mais “apetecíveis” e que não sejam um “destino de uma só visita”. No entanto, o turismo tem em geral a tendência para maximizar o número de visitas aos bens culturais, enquanto os museus preocupam-se mais com a conservação, manutenção e exposição (Gonçalves, 2005).
É neste sentido que a atitude dos museus e do turismo em relação ao património e à preservação é dicotómica. A ação educativa que se pode criar minimiza, na verdade, o conflito de interesses e preenche determinadas lacunas. Neste público específico, principalmente os turistas estrangeiros têm grandes expectativas quanto a este recurso (Gonçalves, 2005).
À medida que a compreensão sobre a cultura aumenta, os visitantes demonstram maior curiosidade sobre a história, o ambiente e as tradições, associados ao que está exposto e o que ainda falta ver (Gonçalves, 2005).
Com efeito, a potencialidade turística inerente aos milhões de pessoas que integram o universo de viajantes pode encaminhar-se aos lugares pelo incremento das visitas a museus e centros culturais pelos turistas nacionais e estrangeiros se estes se desenharem atrativos e distintos, e em certa medida constituir uma alternativa aos ambientes de sol, praia, campo ou montanha.
Em algumas cidades mundiais quando se pensa como destinos turísticos é-lhes associado a museus, como em Nova Iorque, o Metropolitan Museum ou o Museu de Arte Moderna; em Espanha, o Museu do Prado ou o da Rainha Sofia; em Paris, o Louvre ou o Museu D’Orsay; e em Londres, o British Museum e o National Gallery.
As oportunidades que se podem criar são ilimitadas e o diálogo interdisciplinar será um importante contributo para o crescimento sustentado do turismo cultural.
Não é apenas em Portugal a desconexão entre os museus e os turistas, e vice-versa, mas já é possível observar alguns resultados positivos desta dinâmica. O futuro dos museus, e da museologia, na “indústria” turística passa assim pela reflexão permanente das dinâmicas territoriais e da sua comunidade, um espaço aberto a “360º graus sobre o seu território.” 2

4. O caso do Museu do Abade de Baçal na cidade de Bragança
4.1 Retrato territorial
Alto Trás-os-Montes (figura 1), com os concelhos de Bragança, Vinhais, Chaves, Montalegre, Boticas, Valpaços, Vila Pouca de Aguiar, Murça, Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Alfandega da Fé, Vimioso, Mogadouro e Miranda do Douro, é uma sub-região com grandes potencialidades turísticas devido às suas condições fisiográficas únicas, à beleza das suas paisagens e ao seu riquíssimo património natural e cultural.
Com 8171,6 km2 de extensão é a maior sub-região do Norte de Portugal e representa cerca de 9% do território de Portugal Continental (INE, 2011).
O concelho de Bragança destaca-se, igualmente, pela sua dimensão (1173,6 km2) delimitando-se a norte e leste por Espanha (províncias de Ourense e Zamora), a sueste pelo município de Vimioso, a sudoeste por Macedo de Cavaleiros e a oeste por Vinhais. Com a reforma administrativa que o Governo concretizou no final de 2012 o concelho de Bragança constitui-se por 49 freguesias.
Como já foi referido, Bragança encontra-se numa sub-região com relevantes potencialidades turísticas, e tem vindo a revelar-se um destino preferencial para os estrangeiros que se deixam cativar pelo valor das origens, das tradições e do rural. Seja procurado pela aventura, pela cultura ou pelo entretenimento, este território tem disponível quase todas as condições para que se possa desfrutar de momentos extraordinários.
As tradições e os costumes são recursos diferenciadores. Assim, ao longo do ano, especialmente no natal, no entrudo e na páscoa, inúmeras festas são organizadas, destacando-se as Festas dos Rapazes e a Festa dos “Caretos” ou Máscaras.
O artesanato, por sua vez, está a ser preservado e divulgado em algumas das freguesias podendo encontrar-se trabalhos de cobre, burel, couro e madeira, assim como trabalhos de tecelagem, cestaria e olaria. As reconhecidas máscaras dos caretos fazem parte deste processo, pois são fabricadas com madeira, couro, lata e cortiça.
A gastronomia, outro produto de excelência desta região, destaca-se pelos seus enchidos (a alheira, o salpicão), o presunto, o butelo, o cozido à transmontana, o folar de Bragança, o cabrito de Montesinho, a posta à Mirandesa, as trutas e a caça, representados nos diversos restaurantes locais. Apesar de pouco reconhecidos, o vinho e o azeite também se destacam nesta categoria.
A riqueza natural deste território destaca-se pela presença do Parque Natural de Montesinho, o segundo maior do país. A sua diversidade paisagística permite a prática de diversas atividades desportivas e de lazer, desde o mais radical ao sossego dos passeios pedestres. De igual modo, integra a extremidade oriental do Parque Nacional da Peneda-Gerês, por via do concelho de Montalegre, com destaque para Tourém e Pitões das Júnias.
A importância da atividade turística em Bragança pode ser interpretada e avaliada através de diversos indicadores estatísticos relacionados com os estabelecimentos hoteleiros e com os equipamentos culturais.

Em temos globais, em 2011 o concelho de Bragança tinha um total de 11 estabelecimentos hoteleiros: 5 hotéis, 5 pensões e 1 na categoria de outros (quadro 1), o que representa cerca de 20% do total da sub-região de Alto Trás-os-Montes.
Entende-se o domínio dos estabelecimentos do tipo hotel, não por serem mais numerosos, mas por registarem uma maior capacidade de alojamento (808), comparativamente com a pensão (191) e de outros estabelecimentos (56). Não é possível comparar esta realidade com o restante distrito de Bragança pela insuficiência de dados do INE.
Segundo o Anuário Estatístico da Região Norte (2012) a estada média nos estabelecimentos hoteleiros em 2011 (quadro 2) é de 2.4 noites em Portugal, 1.7 no Norte, 1.5 na sub-região Alto Trás-os-Montes e de 1.4 no concelho de Bragança.
O número de noites da estada média de hóspedes estrangeiros, por outro lado, regista números mais elevados. Assim, em Portugal contam-se 3.5 noites, 2.1 no Norte de Portugal e 1.5 em Bragança (INE, 2012).
No que se refere à taxa de ocupação, a sub-região Alto Trás-os-Montes regista valores de 17.3% em pensões, 21.9% em hotéis e 39.8% em outros estabelecimentos, o que traduz uma diferença significativa em relação ao cenário regional e nacional designadamente no que concerne aos hotéis.
Não havendo registos oficiais é possível admitir a importância dos empreendimentos de turismo no espaço rural – não integrados nos estudos do INE por diversas razões – e que representam uma grande maioria da procura deste mercado, encontrando-se dispersos por todo o território, especialmente no Parque Natural de Montesinho que se estende por mais de 75 mil hectares.
De acordo com dados da Câmara Municipal de Bragança (CMB) é possível analisar a procura turística no período de 2000 a 2012 (figura 2). Os números revelam um comportamento diferenciado, com fases de crescimento (2000-2003 e 2008-2012) e também de decréscimo (2004-2007) do número de turistas em Bragança.
Portanto, desde 2008 tem-se identificado uma subida na procura, mais ou menos constante (tendo atingido os 22469 turistas em 2012) e prevê-se que assim continue, apesar do contexto de crise económica.
No entanto, convém realçar que os valores apresentados correspondem exclusivamente ao número de visitantes que procuraram informação nos postos de turismo municipais. Desta forma, os dados anteriormente apresentados não devem ser interpretados como se tratassem do fluxo de turistas que Bragança acolhe em absoluto, uma vez que, por um lado, nem todos os visitantes procuram estas entidades quando visitam a cidade e, por outro, apenas uma parte dos que passam nos postos turísticos são turistas.
Segundo uma investigação da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Peréz, 2005), o turista que visita o Nordeste Transmontano procura o “autêntico”, o património cultural, o ambiente despoluído e calmo, a proximidade com a natureza e a integração num estilo de vida mais tradicional e rural. É um segmento relativamente mais idoso, com elevado nível de educação e estatuto socioprofissional, maior poder de compra, sensibilizado para a conservação do património; viajam por distâncias maiores durante a sua estadia.
Questionados pela imagem que os visitantes retiram do Nordeste Transmontano foram referidas as paisagens autênticas, a gastronomia regional, a gente hospitaleira, a arquitetura histórica, os costumes e tradições. O seu grau de satisfação com a sua visita expressou-se bastante positiva: 71,5% dos turistas inquiridos tem um grau de grande satisfação com a sua visita ao Nordeste Transmontano.
É apontado que o principal motivo da sua visita foi passar férias (56%), outros (14,7%), participar num evento cultural (8,2%), visitar amigos e familiares (7,6%) e fazer compras (6,5%). Estamos, pois, perante um novo conceito de “férias”, mais curtas e com maior mobilidade geográfica no território de destino.

Outra questão importante foi verificar o tipo de atrações ou eventos que os visitantes procuraram e tencionavam visitar. É notório o impacto do turismo cultural neste território (quadro 3). De facto, cerca de 27% dos visitantes procura ocupar o seu tempo na descoberta de monumentos (63%), museus (55%) e locais históricos (52%).
Estas preferências constroem uma realidade turística (quadro 4) onde se destaca a prática do turismo de natureza (15%), o turismo rural (15%), mercado emergente por todo o Norte de Portugal, seguidos das férias itinerantes (14%) e do turismo urbano (9,2%). O turismo de sol e praia (5%) e o turismo de desporto e saúde (3%) apresentam-se como os menos praticados.

Num concelho onde a identidade cultural é bastante marcante e destacável do restante país, estes valores estatísticos representam, em grande medida, o que o turista procura quando se desloca ao Norte de Portugal, mais concretamente ao Nordeste Transmontano.

4.2 O Museu do Abade de Baçal
O Museu do Abade de Baçal 3 (MAB) foi criado por decreto-lei em 1915 sob a designação de Museu Regional de Obras de Arte, Peças Arqueológicas e Numismática de Bragança; depois de herdado o espólio do antigo Museu Municipal de Bragança foi, finalmente, instalado no antigo edifício do paço episcopal, onde atualmente se encontra. Esta antiga casa tem referências do século XVII e já sofrera algumas obras de transformação ao longo do século XVIII, tendo sido retirado à posse da Igreja em 1910, pela República.
No início da sua constituição estavam instalados no mesmo edifício o Arquivo do Registo Civil, a Guarda Nacional Republicana e a Biblioteca Erudita de Bragança.
Entre 1937 e 1940 os Monumentos Nacionais tomaram conta do edifício e procederam a obras de maior envergadura. O edifício manteve-se sem grandes alterações até 1993/94, quando uma nova (e muito profunda) intervenção arquitetónica foi planeada e iniciada. Pretendia-se com esta alterar o imóvel, adaptando-o às exigências de uma museografia contemporânea.
É de constatar as mudanças de um edifício e da instituição por fases tão distintas: na primeira o museu é misturado com outros serviços, tão diferenciados que não havia possibilidade de cooperação; na segunda, os Monumentos Nacionais, prosseguindo a sua política de valorização do património construído português numa ótica nacionalista e de propaganda ideológica, traçaram para o velho edifício uma missão: manter-lhe a traça e a fisionomia do século que o construiu e destiná-lo a servir como museu.
Certamente que esta dupla intenção, atualmente, levanta muitas questões aos especialistas. Ainda assim, o edifício histórico enquanto entidade cultural foi possivelmente mais respeitado na sua integridade arquitetónica (figura 3).
Vários documentos registam que o museu verificou mudanças estruturais positivas: ficou mais acessível, mais fácil de percorrer, mais fácil de compreender, por outras palavras, mais museu e menos edifício histórico.
As obras de requalificação que tiveram início na década de 90 foram concluídas com a terceira e última fase de intervenção em 2006. Teve um papel fundamental, no alargamento do espaço museológico e expositivo permitindo a visualização de importantes coleções que anteriormente se encontravam em situação de reserva, como a coleção de faiança e a coleção de pintura contemporânea, com destaque para o núcleo de Abel Salazar e os desenhos de Almada Negreiros.
As principais coleções que integram o acervo do museu são arqueologia, epigrafia, arte sacra, pintura, ourivesaria, numismática, mobiliário e etnografia. O espólio do museu tem sido gradualmente enriquecido através de doações, legados e aquisições.
A exposição prolonga-se por mais 14 salas e está estruturada em dois grandes temas: a história da região do Nordeste Transmontano e as memórias ligadas ao antigo Paço Episcopal. Com o fim da requalificação, o museu passou a contar com mais duas salas para exposições temporárias e uma sala para os serviços educativos, ampliando, assim, a sua qualidade e a capacidade de oferta.
O Museu do Abade de Baçal procura desenvolver atividades de natureza diversa dirigidas ao público em geral ou a públicos específicos. Centradas na sua exposição permanente e nas exposições temporárias, às quais a comunidade pode aceder e fruir individualmente ou em grupo, esta entidade promove visitas orientadas gerais ou temáticas e visitas dialogadas. Também tem vindo a realizar alguns espetáculos, concertos, dramatizações/performances, no âmbito de comemorações de diferentes épocas festivas dentro das suas instalações ao longo de todo o ano.
Partindo de uma análise dos dados disponibilizados (figura 4), é possível concluir que tem sido feito esforços para dinamizar e aumentar a oferta cultural deste espaço. Assim, assiste-se ao crescimento dos ciclos de cinema, concertos, festivais e encontros culturais, entre outros espetáculos, em complemento das exposições do Museu do Abade de Baçal.
Neste âmbito destaca-se o incremento de diversas atividades e projetos culturais, distintos e desligados dos discursos museológicos mais tradicionais. Os ciclos de cinema registam um crescimento de 7%, os concertos e espetáculos musicais apresentam um crescimento de 4%, mas é nos “Outros espetáculos” que se verifica o maior desenvolvimento. Estes incluem atividades e espetáculos mais pontuais, inseridos em comemorações excecionais mas, essencialmente, de cariz regional.
Podemos concluir, a propósito das atividades atuais desenvolvidas no MAB, que foram concretizadas algumas mudanças na exposição dos bens culturais, bem como na forma de interagir e integrar o visitante. 
No que diz respeito à evolução anual do número de visitantes do Museu do Abade de Baçal, desde 2002 a 2012 (figura 5) observa-se um crescimento bastante significativo (+140%) dos visitantes (de 10045, em 2002, para 23848, em 2012). No período em análise o número médio de visitantes foi de 9124/ano.

Importa ainda referir que embora os restantes anos em análise apresentem valores inferiores face a 2006 (ano em que este espaço museológico esteve encerrado para obras), somente os anos mais recentes, nomeadamente 2010 e 2011, ultrapassam o valor de 15000 visitantes.
Anualmente são os meses de junho, julho e agosto que assinalam o maior número de visitantes, com um total de 50% dos visitantes anuais (13,3%, 25,5% e 10,9% respetivamente), seguindo-se a estes, embora com menores quantitativos, os de setembro (12.3%) e maio (6.1%). Os principais factores explicativos desta procura estão relacionados, na primeira situação, com as viagens mais frequentes realizadas pela altura do verão, considerada a época alta da atividade turística, e no segundo caso, com a chegada da primavera, a qual se caracteriza por uma relativa melhoria na meteorologia, a que se associa a dinamização de múltiplas atividades escolares.
Gomes (2013) procedeu à realização de inquéritos por questionário junto dos visitantes e dos utilizadores que seguem a página oficial do MAB no Facebook.
No primeiro caso, investigou o perfil do visitante, a visita ao MBA e a viagem inerente a esta última, tendo concluído que 64% dos visitantes são do sexo feminino (e 34% são do sexo masculino).
Em relação à idade refere que mais de 50% dos visitantes são um público estreante e bastante jovem (até 25 anos); verifica-se igualmente uma elevada dispersão geográfica, sendo o maior fluxo de visitantes de nacionalidade portuguesa (75%), com cidades como Bragança, Lisboa e Coimbra como principais emissores.
Quanto à visita conclui que 71% dos visitantes era a primeira vez que visitava e conhecia o espaço, ao invés dos 29% que já visitou o Museu do Abade de Baçal, e que os livros e guias são o principal meio difusor do MAB (contrariando a tendência nacional com o uso da internet).
Trata-se de uma instituição com atratividade turística, no entanto, apesar da passagem pelo Museu do Abade de Baçal, este não constituí a principal razão da deslocação ao município de Bragança, sendo parte do roteiro turístico habitual, composto por outros espaços culturais como, por exemplo, o Museu Militar, o Museu de Arte Contemporânea Graça Morais e o Museu da Máscara, localizados no centro histórico da cidade.
De referir ainda, através do questionário realizado, que foi possível depreender que a estada média dos visitantes do MAB é de 2.1 noites (valor superior ao referido pelo INE para a sub-região de Alto-Trás-os-Montes e para o concelho de Bragança).
Por outro lado, Gomes (2013) advoga que o público que acompanha a atividade deste museu online (figura 6) é bastante jovem (entre os 24-34 anos) e procura através da página oficial no Facebook descobrir e conhecer novas exposições e atividades do MAB.
Quanto ao país de residência dos seguidores do MAB no Facebook (6157, em abril de 2013; 7651, em maio de 2015), 86% deste grupo reside em Portugal (e destes cerca de 40% tem como domicílio o município de Bragança), seguido pela França (3%), Brasil (2%) e Espanha (1,5%). Outros países como Suíça, Reino Unido, EUA e Itália também se encontram nesta lista, apesar de já representarem uma minoria.
Os utilizadores confiam e tomam a página como fonte principal de informação, em detrimento das agendas culturais ou jornais e rádios locais. Apenas 13% dos utilizadores ainda não visitou o Museu do Abade de Baçal (Gomes, 2013).
Por último, importa sublinhar que o uso das redes sociais para promoção e divulgação de espaços culturais é bastante apreciado pelo público interessado. Vários foram os comentários registados no fim do inquérito, destacando-se a dinâmica diária decorrente da constante atualização da página do Facebook.

5. Conclusão
O turismo configura um dos sectores de atividade mais relevantes e com perspetivas mais positivas na atualidade. É inegável que a mercantilização dos recursos patrimoniais cria valores e dinâmicas de competitividade, beneficiando a economia de qualquer país.
As potencialidades do mercado turístico refletem-se no seu carater multidimensional permitindo a criação e o desenvolvimento de diferentes produtos, direcionados para interesses cada vez mais específicos e gerando novos fluxos.
O turismo cultural, em particular, é um dos segmentos que mais tem vindo a crescer, na medida em que corresponde a novas exigências dos turistas. Estes são mais escolarizados, informados, exigentes e pretendem viver experiências enriquecedoras em que o conhecimento assume um papel fundamental.
Neste contexto é incontornável referir o papel dos museus. A ligação entre turismo e museus assenta na partilha do mesmo recurso, isto é, na herança cultural. Apesar de cada um abordá-la de maneira diferente, o uso sustentável e responsável é de extrema importância para ambos. O desafio aqui prende-se em encontrar um equilíbrio entre o uso e a conservação deste recurso de forma a beneficiar as duas partes.
Deixando para trás o seu carácter mais tradicional, estes espaços culturais adaptam-se e transformam-se às novas procuras e tendências. Assim, e com um público cada vez mais diversificado, os museus competem com uma nova “cultura de massas” proveniente da atividade turística. Procuram responder às novas procuras do mercado convertendo-se, assim, mais em espaços socais e de lazer, complementados com o carater museológico inerente.
O cenário de crise económica, em todo o espaço europeu, afastou o público habitual dos museus o que “obrigou” estas entidades culturais a procurar novos meios de atuação para atrair novos visitantes. Para isso é necessário compreender as motivações e as necessidades de diferentes públicos e desenhar um ambiente que possa oferecer uma diversidade de experiências. Trata-se de derrubar barreiras e permitir a participação do público e, ao mesmo tempo, preservar e garantir as coleções expostas.
A desvalorização dos espaços museológicos em Portugal como recursos turísticos é uma evidência. Esta perceção surge pelos diferentes estímulos que tanto os museus, como os agentes turísticos criam erradamente. Por um lado, os responsáveis dos espaços culturais trabalham muitos dos seus programas para um público preferencial, como as escolas, e tendem a esquecer-se de dinamizar os restantes produtos. Por outro, os agentes turísticos limitam-se a criar visitas e programas estáticos, não explorando a dinâmica criativa da experiência cultural destes espaços.
Hoje, mais que nunca, emergem “novas” vocações que, ligadas aos museus e ao seu património tendem a dinamizar estes espaços e a dotá-los de novas atratividades. Estas dinâmicas estão relacionadas, indubitavelmente, às atividades turísticas nas suas múltiplas formas, que vão desde a contemplação das paisagens museológicas, à usufruição de concertos e o reforço do seu caracter pedagógico, passando pela revalorização e diversificação da função destes lugares.
A localização privilegiada do Museu do Abade de Baçal, numa das ruas principais de acesso ao centro histórico de Bragança, o interesse inerente à temática, uma vez que se trata de um museu centenário capaz de representar a identidade transmontana, aliado à multiplicidade de ações culturais que promove, pela sua relevante contribuição no estudo da história local, ou até mesmo regional, são alguns dos fatores que se conjugam para o sucesso deste espaço cultural
Num futuro próximo, tendo em conta os elementos abordados no presente artigo, deve-se procurar novas formas de comunicar e trabalhar para a criação de uma imagem mais apelativa para os espaços museológicos de modo a se apreender as mais recentes mudanças que estes foram sujeitos. São assim espaços sociais num ambiente histórico, possíveis de se decomporem para novas funções e atividades de lazer.
Abrem-se, assim, novas perspetivas para o desenvolvimento e o crescimento do turismo cultural em museus em Portugal.

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1 http://www.hosteltur.com/127060_turismo-experiencias-shopping-tendencias-futuro.html, acedido a 20/06/2015. 

2 http://intranet.ualg.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=27432&Itemid=703&lang=pt, acedido a 20/06/2015.

3 Francisco Manuel Alves (1865-1947), mais conhecido como Abade de Baçal, foi uma figura destacada da cultura transmontana. Para além do exercício sacerdotal na sua terra natal (Baçal), foi um investigador autodidata em domínios como a arqueologia, a numismática, a etnografia, a paleografia, e epigrafia, entre outros, e um escritor notável que legou um importante acervo sobre a sua região, em particular o distrito de Bragança, tendo exercido de igual modo funções de diretor do Museu Regional de Bragança (mais tarde, em 1935, denominado Museu do Abade de Baçal, em sua homenagem).