PLANEAMENTO E GESTÃO TERRITORIAL

PLANEAMENTO E GESTÃO TERRITORIAL

Paulo Carvalho. Coordenação (CV)
Universidade de Coimbra

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DINÂMICAS E PLANEAMENTO EM CONTEXTO URBANO: O CASO DA CIDADE DE ASSOMADA (SANTIAGO/CABO VERDE)

Nélida Fernandes

Paulo Carvalho

Resumo
Nas últimas décadas, em especial desde meados do século XX, aumentou de forma relevante o número e a população de lugares urbanos, de tal maneira que na atualidade cerca de 50% da população mundial reside em espaços urbanos.
As dinâmicas urbanas (população e lugares) são diferenciadas e apresentam particularidades de acordo com os contextos geográficos, económicos, sociais, políticos, culturais, entre outros.
O planeamento urbano é indissociável de uma relação estreita com o conceito de desenvolvimento sustentável e configura uma ferramenta nuclear das políticas públicas.
O município de Santa Catarina e a cidade de Assomada, em Cabo Verde, configuram a matriz para uma análise geográfica da evolução urbana e dos instrumentos de gestão territorial nomeadamente os que dizem respeito ao planeamento municipal.
Os principais resultados obtidos revelam o desencontro entre as dinâmicas urbanas e os instrumentos de planeamento territorial, e neste sentido refletem um conjunto significativo de preocupações em matéria de ocupação e gestão do território.

1. Gestão territorial
1.1 Ordenamento do território e planeamento urbanístico
De acordo com a Carta Europeia do Ordenamento do Território (1983), o ordenamento do território procura, simultaneamente, o desenvolvimento social e económico equilibrado das regiões, a melhoria da qualidade de vida, a gestão responsável dos recursos naturais e a proteção do ambiente e a utilização racional do território. A realização destes objetivos é essencialmente uma questão política, que deve passar pela integração e coordenação entre as autoridades públicas envolvidas, e ainda com os numerosos organismos privados que contribuem, pelas suas ações, para (re)desenhar a organização do espaço (Carvalho, 2006).
Trata-se de um domínio fundamental da intervenção do Estado, ou seja uma política pública, através de um conjunto de ações, devidamente articuladas no espaço e no tempo, que resultam na tradução espacial das políticas económica, social, cultural e ecológica da sociedade, conforme reconhece a referida Carta. Ainda segundo esta, o ordenamento do território apresenta as seguintes características fundamentais: carácter democrático (de forma a assegurar a participação das populações interessadas e dos seus representantes políticos); integrado (deve assegurar a coordenação das diferentes políticas sectoriais e a sua integração numa abordagem global); funcional (deve ter em conta a existência de especificidades regionais, assim como a organização administrativa dos diferentes países); e prospetivo (deve analisar e considerar as tendências de desenvolvimento a longo prazo dos fenómenos e intervenções económicas, ecológicas, sociais, culturais e ambientais).
O ordenamento do território configura duas dimensões ou vertentes de intervenção fundamentais: por um lado, os mecanismos de regulação do uso do solo que tem no planeamento urbano o domínio de maior visibilidade; por outro lado, a promoção do desenvolvimento sustentável dos territórios e das populações, através de políticas, programas e intervenções em domínios tão variados como a economia, os transportes, as comunicações, a educação, a saúde, o ambiente, entre outros (Carvalho, 2012). A sustentabilidade, para além da tríade de elementos (economia, sociedade e ambiente) assinalados no Relatório Bruntland (1987), assumiu nos últimos anos novas dimensões (que são também desafios incontornáveis) nomeadamente a territorial e a participação dos cidadãos nos processos e instrumentos de gestão territorial.
No caso de Cabo Verde, o ordenamento do território apresenta muitas semelhanças com o ordenamento do território em Portugal. Neste domínio, Cabo Verde ainda se encontra em fase embrionária e com grande espaço de progressão. Uma vez que Cabo Verde é um país com uma economia emergente, a política de ordenamento do território poderá ser um elemento fundamental para desenvolver o país. Com o crescimento acelerado das cidades nos finais dos anos 90 e uma deficiência em termos habitacionais e equipamentos públicos, o Estado começou a se preocupar bastante, tendo em consideração que se não fosse tomada nenhuma iniciativa em matéria do ordenamento do território, o futuro do país poderia ficar comprometido (Fernandes, 2011).
Sentiu-se a necessidade de planear o território, através da elaboração de todos os instrumentos de gestão territorial previstos na Lei de Bases do Ordenamento do Território e do Planeamento Urbanístico (Decreto-Lei 85/IV/93 de 16 de Julho). Desenvolver um sistema integrado e eficiente de informação territorial e apoiar os municípios na elaboração dos Planos Urbanísticos e capacitá-los para a sua efetiva implementação e atualização, são desafios inadiáveis cujas respostas devem ser dadas no seu devido tempo. As iniciativas tomadas até o momento não têm conseguido apagar as disfunções territoriais em Cabo Verde. Apesar de alguns trabalhos realizados e as intenções anunciadas para encontrar soluções para o território, a imagem de Cabo Verde que prevalece é a do desequilíbrio territorial, com níveis de desenvolvimento muito diferenciados entre as ilhas. As áreas rurais encontram-se em progressivo abandono em favor das áreas urbanas.
A insularidade do país associado ao forte crescimento demográfico, uma fragilidade em termos de recursos naturais, inexistência de recursos minerais, desequilíbrio populacional entre as ilhas e a debilidade em termos económicos, impõem atuações específicas a nível do ordenamento do território, tornando-se um dos principais desafios para Cabo Verde no sentido de encontrar maior coesão territorial, social e económica (Fernandes, 2011).
Ao ordenamento do território cabe orientar na definição dos objetivos estratégicos como, por exemplo, definir as principais orientações para o modelo de ocupação do solo (estrutura de povoamento, infraestruturação do território) tendo em conta a sua incumbência na definição dos limiares para os diferentes tipos de equipamentos e infraestruturas; estabelecer as regras para os diferentes usos do solo (atenção particular na atividade turística); orientar a estruturação das redes de transportes (intra-ilhas, inter-ilhas e do território para o exterior) e as estruturas logísticas; e estabelecer os princípios de ocupação do solo no litoral.
Por todos os aspetos acima mencionados, o ordenamento do território é um elemento valioso para qualquer território, podendo ter ainda uma importância maior nos territórios que se encontram em desenvolvimento. O regime jurídico em Cabo Verde que disciplina a preservação, uso, transformação, ordenamento e fiscalização das atividades sobre o solo está em crescimento e consolidação. De forma gradual, Cabo Verde vai adquirindo um corpo legal que permite um verdadeiro controlo das situações jurídicas em torno da gestão do território nas suas mais diversas vertentes. A constituição Cabo-verdiana fixou as balizas fundamentais nesta matéria, atribuindo ao estado as funções de “proteger a paisagem, a natureza, os recursos naturais e o meio ambiente bem como o património histórico-cultural e artístico nacional” e as de “criar as condições necessárias para a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais, de forma a tornar efetivos os direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos” (Fernandes, 2011).
O ordenamento do território surge no contexto da constituição da República Cabo-verdiana como meio e fim de políticas económicas, sociais, e culturais. O direito à habitação, enquanto direito fundamental de todo o cidadão, aparece associado ao direito do urbanismo para por em relevo que a habitação condigna passa necessariamente por políticas adequadas de ordenamento do território e de planeamento urbanístico. Segundo a Lei de Bases do Ordenamento do Território, a política do ordenamento do território e do urbanismo em Cabo Verde pretende: reforçar a coesão nacional, corrigindo as assimetrias regionais e assegurar a igualdade de oportunidade dos cidadãos no acesso às infraestruturas, equipamentos, serviços e funções urbanas; promover a valorização integrada das diversidades do território nacional; assegurar o aproveitamento racional dos recursos naturais, a preservação do equilíbrio ambiental, a humanização das cidades e a funcionalidade dos espaços edificados; assegurar a defesa e valorização do património histórico, cultural e natural; promover a qualidade de vida e assegurar condições favoráveis ao desenvolvimento das atividades económicas, sociais e culturais; racionalizar, reabilitar e modernizar os centros urbanos e promover a coerência dos sistemas em que se inserem; salvaguardar e valorizar as potencialidades do espaço rural, lutar contra a desertificação e incentivar a criação de atividades geradoras de rendimentos; acautelar a proteção civil da população, prevenindo os efeitos decorrentes de catástrofes naturais ou da ação humana; garantir o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das regiões, dos núcleos de povoamento; assegurar o dimensionamento e a localização das infraestruturas e equipamentos; e garantir a disponibilidade de terrenos para as atividades económicas, espaços públicos e edificado.

1.2 Instrumentos de gestão territorial
Cabo Verde esteve muito tempo sem políticas e instrumentos que de forma estruturada e integrada orientassem a transformação do seu território (Fernandes, 2011). Os instrumentos de gestão territorial emergem no período pós-independência (a partir de 1975) uma vez que o país estava sujeito à legislação Portuguesa no respeitante ao ordenamento do território (que também não dispunha de um quadro orientador integrado e coerente, estando reduzida a escassos e ineficazes instrumentos de regulação urbanística). No período que se segue à independência, o ordenamento do território em Cabo Verde foi relegado para o segundo plano em termos de prioridade. Segundo Tavares (2006), “as prioridades do Ministério da Habitação e Obras Públicas (MHOP) eram infraestruturação do país, saneamento e abastecimento interno. Daí que nos anos que se seguem à independência ocorreu um vazio em termos de regulamentação sobre o ordenamento do território e urbanismo”.
Deste modo, o crescimento desordenado das cidades tornou-se cada vez mais presente no país.
O planeamento é algo muito recente no país e a cultura de planeamento não faz parte do esquema dos líderes políticos em Cabo Verde. Legalmente o ordenamento do território só teve a sua expressão na década de 90. Como já referimos, o Decreto-Lei 85/IV/93 de 16 de Julho, determina a Lei de Bases do Ordenamento do Território e do Planeamento Urbanístico (LBOTPU).
Posteriormente, de acordo com a nova lei (Decreto-Lei n°1/2006 de 13 de Fevereiro), o Ordenamento do Território e o Planeamento Urbanístico determinam um sistema de gestão territorial que se concretiza pela existência de instrumentos de gestão que adotam uma estratégia para a organização do espaço, controlando a ocupação humana e o uso do solo, permitem a proteção dos ecossistemas e promovem o desenvolvimento (Fernandes, 2011).
O ordenamento do território e o planeamento urbanístico assentam num sistema de gestão territorial integral que atende o território na sua totalidade, conserva a sua unidade, respeita a sua diversidade e a descontinuidade territorial, e preserva a sua biodiversidade. Importa explicar que o sistema de gestão territorial atua em três âmbitos, a saber:
– Âmbito Nacional, onde define o quadro estratégico para o ordenamento do espaço nacional, estabelecendo as diretrizes a considerar no ordenamento regional e municipal e a compatibilização entre os diversos instrumentos de política sectorial com incidência territorial instituindo, quando necessário, os instrumentos de natureza especial. É concretizado, através dos seguintes instrumentos: o programa nacional da política de ordenamento do território; os planos sectoriais com incidência territorial; os planos especiais de ordenamento do território, compreendendo os planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas e os planos de ordenamento da orla costeira.
– Âmbito Regional, em que define o quadro estratégico para o ordenamento do espaço regional em estreita articulação com as políticas nacionais de desenvolvimento económico e social, estabelecendo as diretrizes orientadoras do ordenamento municipal. Este âmbito é concretizado através dos planos regionais de ordenamento do território.
– Âmbito Municipal, este é definido de acordo com as diretrizes de âmbito nacional e regional e com as opções próprias de desenvolvimento estratégico, o regime de uso do solo e a respetiva programação. Este é concretizado através dos seguintes instrumentos: os planos intermunicipais de ordenamento do território; os planos municipais de ordenamento do território, compreendendo os planos diretores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor.
Segundo a Lei de Bases do Ordenamento do Território e do Planeamento Urbanístico (LBOTPU), no território Cabo-verdiano encontram-se quatro domínios no que diz respeito aos instrumentos de gestão territorial, a saber:
1. Instrumentos de ordenamento e desenvolvimento territorial, de natureza estratégica, que traduzem as grandes opções com relevância para a organização do território, estabelecendo diretrizes de carácter genérico sobre o modo de uso do mesmo, consubstanciando o quadro de referência a considerar na elaboração de instrumentos de planeamento territorial. Neste primeiro domínio têm lugar a Diretiva Nacional de Ordenamento do Território (DNOT) e o Esquema Regional de Ordenamento do Território (EROT).
A DNOT é um instrumento de planeamento que, a nível nacional, estabelece o quadro espacial das atuações com impacto da organização do território. Abrange, portanto, todo o território Cabo-verdiano, define e calendariza as grandes opções com relevância para a organização do território nacional e constitui um quadro de referência a considerar na elaboração dos demais instrumentos de gestão territorial.
O EROT é um instrumento de planeamento que, a nível regional, estabelece um quadro espacial das atuações com impacto na organização do território. Pode abranger uma ilha ou um grupo de ilhas vizinhas.
2. Instrumentos de planeamento territorial, de natureza regulamentar, que estabelecem o regime de uso do solo, definindo os modelos de evolução da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo. Estes incluem o Plano Diretor Municipal (PDM), o Plano de Desenvolvimento Urbano (PDU) e o Plano Detalhado (PD).
O PDM é um instrumento de planeamento que rege a organização espacial de todo o território municipal, estabelecendo a estrutura espacial, a classificação e qualificação básica do solo, bem como os parâmetros para a ocupação do território.
O PDU é um instrumento de planeamento que rege a organização espacial de parte determinada do território municipal integrada no perímetro urbano, que exija uma intervenção integrada, desenvolvendo em especial, a qualificação do solo. Abrange total ou parcialmente, as áreas urbanas e periurbana de um núcleo de povoamento próximo, existente ou a criar.
O PD é também um instrumento de planeamento que define com detalhes os parâmetros de aproveitamento do solo de qualquer área delimitada do território municipal.
A elaboração e aplicação dos planos urbanísticos são da competência dos municípios que exprimem uma faceta importante da autonomia das autarquias locais no domínio do planeamento urbanístico.
3. Instrumentos de política setorial; estes instrumentos programam ou concretizam as políticas de desenvolvimento económico e social com incidência espacial, determinando o respetivo impacte territorial. Inclui os Planos Sectoriais de Ordenamento do Território (PSOT). São elaborados pelos diversos setores de administração central e aprovados pelo governo.
Os PSOT abrangem designadamente os domínios dos transportes, das comunicações, da energia e recursos geológicos, da educação e da formação, da cultura, da saúde, da habitação, do turismo, da agricultura, do comércio e indústria, das florestas e do ambiente. São elaborados pelos diversos sectores da administração central e aprovados pelo governo depois de consultadas as autarquias locais abrangidas.
4. Instrumentos de natureza especial, de natureza regulamentar, que estabelecem meios específicos de intervenção para a prossecução de objetivos particulares de interesse nacional ou regional. Neste domínio entram os Planos Especiais de Ordenamento do Território (PEOT). Este instrumento de planeamento é elaborado pela administração central, que estabelece um quadro espacial de um conjunto coerente de atuação com impacte na organização do território. As autarquias locais abrangidas intervêm na sua elaboração e execução, e a sua aprovação é da competência do Conselho de Ministros.
Os Planos Especiais de Ordenamento do Território devem ter em conta os planos urbanísticos e intermunicipais existentes para a sua área de influência, obrigam a adequação destes em prazo a estabelecer por acordo com as câmaras municipais e deles fazem parte os Planos de Ordenamento das Áreas Protegidas ou outros espaços naturais de valor cultural, histórico ou científico; Planos de Ordenamento das Zonas Turísticas Especiais ou Zonas Industriais; Planos de Ordenamento da Orla Costeira; Planos de Ordenamento das Bacias Hidrográficas (Fernandes, 2011).
Na atualidade os problemas e as lacunas no ordenamento do território e urbanismo não estão propriamente associadas à inexistência de regulamentos (quadros normativos), mas sim relacionadas com a falta de eficácia na implementação e execução dos instrumentos com a tradução prática no território. A própria debilidade técnica, sem profissionais com conhecimentos adequados nas políticas de ordenamento do território, faz com que a ocupação do solo não seja feita de forma sustentável (Fernandes, 2011). Para ordenar o território não é suficiente dispor de instrumentos de gestão territorial, é imprescindível a articulação entre os diversos planos e entre estes e as políticas de desenvolvimento económico, social e territorial. Da mesma forma que a participação pública no processo de planeamento é muito importante. Os cidadãos têm o direito e o dever de participar na definição, elaboração, execução, acompanhamento, fiscalização do cumprimento (e quando for o caso, do acompanhamento) dos instrumentos de gestão territorial.
Num contexto de ausência de um processo de planeamento efetivo e eficaz, e de falta de preparação dos técnicos das instituições, as autoridades recorrem aos estrangeiros (por exemplo, a Cooperação Austríaca) para a elaboração de planos, principalmente os planos de desenvolvimento urbano (PDU). A elaboração e a execução destes instrumentos de gestão territorial não se articulam devido à ausência dos “autores/produtores” no momento da implementação dos planos. Estes, mesmo quando aprovados pelos municípios, muitas vezes acabam por perder os efeitos desejados, uma vez que as realidades que foram tomadas em consideração para a elaboração dos planos, já não são as que existem no momento da sua execução (Fernandes, 2011).

2. Município de Santa Catarina e cidade de Assomada: localização e caracterização geográfica
O concelho de Santa Catarina localiza-se na parte central da Ilha de Santiago (figura 1), entre as latitudes 15°50 N e 15°12 N e a uma altitude média de 500 metros acima do nível médio da água do mar. É um dos noves concelhos que compõem a capital de Cabo Verde (Praia, Ribeira Grande de Santiago, Santa Cruz, São Domingos, Lourenço dos Órgãos, São Miguel, São Salvador do Mundo e Tarrafal). Faz fronteira a Norte com o concelho do Tarrafal, a Nordeste com o de São Miguel, a Este com o de Santa Cruz e a Sul com o concelho de Ribeira Grande.
Em termos administrativos, o concelho de Santa Catarina é constituído por uma freguesia, designada pela freguesia de Santa Catarina. De acordo com o código geográfico editado pelo Instituto Nacional da Estatística em 2010, o Concelho é constituído por 51 zonas, as quais subdividem-se em 679 lugares. Santa Catarina é essencialmente rural, exceto a cidade de Assomada que é a única zona urbanizada. Segundo o Censo de 2000, residiam 50 304 habitantes em Santa Catarina. Em 2010 o município albergava cerca de 60 000 habitantes, valor que representa 21% da população da Ilha de Santiago e 12% da população de Cabo Verde.
A evolução da população residente no concelho de Santa Catarina (quadro 1) é marcada por importantes flutuações relacionadas sobretudo com fatores de natureza climática. Os períodos de secas cíclicas têm levado a momentos de crescimento negativo (1940-1950 e 1970-1980) e a momentos de quase estagnação (1980-1990). Porém, as últimas duas décadas revelam um elevado crescimento demográfico (41584 habitantes em 1940; 60369 habitantes em 2010), com taxas decenais de 20 e 21%, respectivamente (Fernandes, 2011). Em relação à estrutura etária, a população caracteriza-se por um índice de juventude elevado, para cada 100 idosos existem 683 jovens. Aliás cerca de 65 % da sua população tem menos de 25 anos (e apenas 8% apresenta uma idade igual ou superior a 65 anos).
Santa Catarina é um concelho essencialmente rural. A agricultura e a criação de gado, atividades dependentes das chuvas, são elementos essenciais para o desenvolvimento deste município. Por outro lado, nota-se uma tendência para o crescimento da população urbana e uma redução da população rural. O espaço rural tem perdido a sua população que se desloca para os centros concelhios e para o estrangeiro à procura de melhores condições de vida.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística em 1990, o urbano correspondia a 7% da população do concelho, enquanto 93% da população residia no meio rural. Em 2000 já o meio urbano correspondia a 15% e o rural representava 85%. Em 2010 existia 29% da população em meio urbano e 71% da população em meio rural (Quadro 2).
É evidente uma tendência para a diminuição da população rural. A cidade de Assomada é aquela que ganhou um maior quantitativo populacional, na ordem dos 10% no período em análise. Portanto, em 2008, apresentava 12774 habitantes – valor que corresponde a 27,2% do total de população residente no município de Santa Catarina. No caso do concelho de Santa Catarina, onde o meio urbano é essencialmente a Cidade de Assomada, foi muito estratégico descentralizar diversos serviços para os espaços suburbanos que no futuro vão ser ligados ao centro da cidade, formando uma área urbana mais alargada. A recomposição da estrutura de povoamento revela que os lugares menos atrativos estão ligados a dificuldades e carências designadamente de água potável, energia elétrica, vias de comunicação e outras infraestruturas básicas.
Relativamente à população residente segundo a faixa etária e a sua situação perante a actividade económica no concelho de Santa Catarina, os dados do Censo 2000 confirmam um total de 33 784 habitantes na faixa etária dos 10 aos 65 anos. Neste quantitativo cerca de 1 946 encontravam-se desempregados (6%), 17 043 empregados (50%) e 14 559 inactivos (43%). Uma década depois, de acordo o Censo 2010, os resultados apontam para o total de 13464 habitantes a fazerem parte da população activa ocupada, 13364 inactivos (valor ligeiramente mais baixo que no Censo 2000) e 1474 desempregados (correspondente a uma taxa de desemprego de 10%), como refere Fernandes (2011).
A cidade de Assomada, ponto central do concelho é um dos centros onde se desenrola uma grande parte da atividade comercial da ilha de Santiago, recebendo todas as quartas feiras e sábados, comerciantes de toda a ilha, para a troca de produtos provenientes de todos os municípios da ilha de Santiago. Apesar da cidade de Assomada assumir uma grande importância em termos comercias, importa sublinhar que Santa Catarina é uma região rural, composta por 51 zonas rurais com exceção da cidade de Assomada, a única zona urbana. As economias locais assentam sobretudo nas actividades agro-pecuárias, embora estas sejam de rendimento relativamente baixo e não contribuam de forma relevante para o desenvolvimento económico do concelho (Fernandes, 2011).

3. Urbanização e planeamento urbanístico em Santa Catarina e Assomada
3.1 Dinâmica urbana
Para compreender como se iniciou e evolui o povoamento do concelho de Santa Catarina, é necessário fazer uma referência histórica do povoamento na ilha de Santiago. O arquipélago de Cabo Verde foi descoberto em 1460 pelos portugueses e foi povoado em 1462. A ilha de Santiago foi a primeira a ser habitada. No período de três séculos a capital do arquipélago foi a vila de Ribeira Grande, conhecida atualmente por Cidade Velha, um importante património no contexto histórico do país, reconhecido pela UNESCO, em 2009, como Património da Humanidade. Ribeira Grande tornou-se, ao mesmo tempo, o centro administrativo e religioso da África Ocidental. Em 1533, a vila adquiriu o estatuto de cidade. Tudo girava em volta do porto de Ribeira Grande. Foi construída a Sé Catedral, o Paço Episcopal, o Seminário, o Hospital, os Conventos, a Casa da Câmara, a Prisão e algumas infraestruturas privadas. Neste contexto, a cidade começou a sofrer com os sucessivos ataques dos piratas atraídos pelas riquezas geradas no local. A vulnerabilidade aos ataques dos piratas está na origem da decisão de transferir a capital para a vila da Praia de Santa Maria, em 1769. A prosperidade da cidade de Ribeira Grande e a recém-criada vila da Praia de Santa Maria foi de curta duração devido às condições de insegurança que abalou a ilha (Fernandes, 2011).
Este período foi marcado também pela carência de água devido a uma sucessão de anos de seca, entre 1606 e 1611, e ainda a deslocação de população do litoral para o interior da ilha. Segundo Correia e Silva (2004), “muitos citadinos, abandonaram as suas casas da cidade, para se fixarem no interior da ilha de Santiago”. Deste modo, o concelho de Santa Catarina, situado no interior da ilha de Santiago, era um local de grande atratividade, devido às suas características nomeadamente o clima ameno e a abundância de águas nas suas ribeiras. A base da economia da ilha passou a ser a agricultura e a pecuária. As áreas preferidas para a população passaram a ser os fundos dos vales, onde a água era mais abundante e o clima mais favorável para a prática agrícola.
O concelho de Santa Catarina, com uma superfície aproximada de 214 km2 apresenta um território muito diversificado, o que condicionou muito a sua ocupação. Com efeito, a ocupação dos terrenos foi influenciada pela sua morfologia, disponibilidade de água e potencialidade agrícola. Em 1912, a localidade de Assomada adquiriu o estatuto de sede de concelho de Santa Catarina e passou a ser um lugar procurado pelos comerciantes, funcionários, clérigos, entre outros. Contudo, “a cidade não vive de produção direta, o que a sustenta são os impostos, salários, lucros, dádivas etc. A sua expansão está na razão direta do crescimento da circulação das trocas e do comércio com o exterior” (Correia e Silva, 2004).
Com o desenvolvimento dos serviços e do comércio, a população urbana no concelho de Santa Catarina começou a aumentar e a tendência é a de intensificar cada vez mais o crescimento da população urbana. Em 2008, na cidade de Assomada residiam cerca de 27% da população de Santa Catarina, enquanto em 2000, era responsável por 17% da população residente no concelho. Portanto, é evidente um crescimento demográfico muito forte nas duas últimas décadas.
De acordo com as informações das Atas das Sessões Camarárias de Santa Catarina, na década de 90 (do século XX), havia um Gabinete Técnico sem recursos humanos e materiais. Os setores da água e da energia eram bastantes deficitários. Na altura já se mencionava a intenção de elaborar um plano urbanístico para Assomada, que chegou a ser aprovado. Já se pensava na reserva de alguns lotes de terrenos para a construção de espaços verdes. A ideia era positiva, mas não se chegou a reservar terreno para os espaços verdes, e nem para os equipamentos sociais. Neste período foi construído o Mercado “Sucupira” destinado a feira de roupas que dinamizou bastante o comércio na cidade. Também foram pavimentadas as ruas de Assomada.
No período de 1992/93, foi elaborado um plano urbanístico detalhado para a zona de Nhagar, que apresenta uma forte dinâmica de crescimento. Nessa altura foi elaborado um plano municipal de desenvolvimento com uma duração de 4 anos, com as seguintes áreas prioritárias: sanitários públicos; redes de esgotos e tratamentos de águas residuais; centro cultural; praças; parques infantis; bancos; seguros; pavimentação das ruas; nova central elétrica; ginásio desportivo; cemitério; remodelação do mercado; cisternas; estradas; escolas primárias e profissionais, entre outras. Os objetivos destes planos não chegaram a ser concretizados devido às alterações políticas que marcaram o país (e foram acompanhadas de mudanças significativas na gestão do território). Desde a independência de Cabo Verde em 1975, o país passou a ser governado pelo regime de partido único até o período dos anos 90 em que foi estabelecido um regime democrático com as primeiras eleições livres no país. A partir deste momento, a realidade passou a ser diferente da primeira república em que o planeamento da economia era guiado por um plano rígido, ou seja, era orientado pelo sistema económico. Com a linha do programa do novo governo, introduziu-se um planeamento estratégico. Deste modo, o planeamento passou a ser um instrumento de orientação de forma a corrigir as assimetrias existentes, zelando pela melhoria da qualidade de vida dos cidadãos (Fernandes, 2011).
Em 2001, a vila de Assomada foi elevada à categoria de cidade. Na altura a vila não reunia as condições em termos de infraestruturas de base indispensáveis para a afirmação da cidade. Sem todas as condições socioeconómicas e culturais que tradicionalmente caracterizam as cidades (europeias), a elevação de Assomada à categoria de cidade foi um desígnio estratégico orientado para a formatação de uma dinâmica de desenvolvimento de Santiago Norte, enquanto região socioeconómica com grandes potencialidades de crescimento e de competitividade.
No período de 2001 a 2003 foi aprovado o plano urbanístico detalhado para a zona de Achada Riba, Lém Vieira e Bolanha (Bairros da cidade de Assomada), uma vez que estes Bairros se encontravam no auge do seu crescimento urbano. Em Abril de 2005, foi elaborado o plano de desenvolvimento urbano de Achada Falcão, submetido para a consulta pública em fevereiro de 2007. Na atualidade o espaço urbano do concelho de Santa Catarina é mais alargado (figura 2) e o modo de vida urbano é mais acentuado. No Bairro de Achada Riba, em meados dos anos 90 (século XX), o número de construções era muito reduzido, uma vez que as pessoas não tinham preferência para estes espaços. Notava-se algumas construções dispersas que no seu total nem chegava a uma dezena de casas (Fernandes, 2011).
Uma década e meia depois, este espaço é muito procurado e o terreno já se encontra ocupado na sua maioria por edificações. Podemos encontrar algum espaço livre, uma vez que a maior parte dos terrenos do espaço urbano são propriedades privadas. O preço do solo é muito elevado, e o poder de compra da população é muito reduzido. Estes espaços livres entre as construções são aproveitados para a prática da agricultura em períodos de chuvas, o que dá uma ideia clara de meio rural dentro do urbano (figura 3).
O preço do solo na cidade aumentou de forma muito significativa. Uma parte considerável dos terrenos de Assomada pertencia à Câmara Municipal de Santa Catarina. Esta instituição vende os terrenos aos interessados, dando prioridade às pessoas que têm ligação aos terrenos, ou seja, as pessoas que praticam a agricultura nestes terrenos. O preço praticado pela Câmara ronda os 1000 escudos Cabo-verdianos por metro quadrado de solo urbano, o equivalente a 10 euros. Por outro lado, a venda de terrenos através da iniciativa privada significa um custo final mais elevado e a meu ver exagerado. O preço praticado oscila entre 1000 e 2000 mil contos (10 a 20 mil euros) por lote de mais ou menos um lote de 150 m2. Neste caso, o preço de cada metro quadrado varia entre 6667 e 13333 escudos, ou seja entre 67 e 133 euros. Esta diferença do preço entre os terrenos da Câmara Municipal e os terrenos dos particulares influencia muito a construção na Cidade. Este cenário vai influenciar a imagem da Cidade, uma vez que a prática agrícola continua a ser feita no espaço urbano. Muitas ruas que estão no plano para serem construídas não vão ser construídas, uma vez que os lotes já estão definidos, mas as casas ainda não estão construídas e muitas das ruas tem de ser construídas nos terrenos dos privados, que nem sempre fica fácil de negociar com os proprietários para cederem os terrenos. Encontramos casas entres lotes já definidos com acesso em péssimas condições devido ao problema acima referido. De modo a ultrapassar o problema de pessoas que reservam os lotes que pertenciam à Câmara Municipal para negociar mais tarde, foi criada uma lei, em que os compradores de seus lotes (através da Câmara) não podem vendê-los sem comunicar à Câmara, que é o primeiro comprador do terreno. Infelizmente esta lei na prática não funciona (Fernandes, 2011).
Uma sugestão para resolver este problema seria a seguinte: os compradores ficam com um determinado tempo (limite) para construir, e sem o direito de vender o lote. Ultrapassado o tempo estipulado, se não iniciou a construção, a Câmara encontra um novo comprador para o terreno, devolvendo o valor monetário ao antigo proprietário do lote. Deste modo, evita-se a possibilidade de existir lotes livres entre as construções aproveitados para a agricultura no centro urbano. Muitos dos residentes não constroem a sua própria casa devido ao custo muito elevado de um lote de terreno. Esta medida não vai servir para o centro da Cidade, uma vez que o problema encontra-se bem enraizado, mas nas periferias em que estão a surgir novos aglomerados, esta medida vai ajudar bastante, corrigindo os erros anteriores.
As licenças para a construção de edifícios configuram um elemento importante a analisar no estudo geográfico da evolução urbana. No caso concreto de Santa Catarina, o registo das licenças apresenta falhas importantes que dificultam o estudo. Não existe um critério bem definido para o registo das licenças de construção. Em Cabo Verde, de um modo geral, as licenças são concedidas, mas a obra não fica finalizada, o que leva na maioria das vezes a uma renovação das licenças de construção. Na cidade de Assomada a maioria das construções são investimentos dos emigrantes espalhados pelo mundo. Existem inúmeras construções inacabadas, porque os emigrantes constroem as suas moradias por etapas. Os edifícios podem levar muitos anos para chegar à fase do seu acabamento. A parte exterior dos edifícios fica muito tempo sem ser acabada e esta situação faz com que a cidade de Assomada tenha um aspecto cinzento.
            Na matriz das licenças emitidas pela Câmara Municipal é difícil fazer uma análise, uma vez que as licenças novas, a renovação das licenças, e qualquer tipo de trabalho relacionado com a obra, constam na mesma listagem. Por outro lado, as licenças não permitem identificar a tipologia da construção. Até 2008 as licenças não eram informatizadas o que dificulta bastante a análise do material que já não se encontra em bom estado. Mesmo com a informatização, o lançamento das licenças de construção apresenta falhas incontornáveis que dificultam ou impossibilitam a sua utilização como fonte para o estudo da evolução urbana.
No ano de 1994, das 214 licenças de construção emitidas, são registadas para a zona de Assomada e Nhagar, um total de 125 licenças. As restantes licenças são registadas nas outras zonas do concelho, com referência para a zona de Achada Falcão, Achada Lem, Cruz Grande e Cabeça Carreira. Estas zonas situam-se numa rede viária importante que liga Santa Catarina ao concelho do Tarrafal. Neste período, o urbano correspondia apenas ao espaço central da vila de Assomada. Já em 2000, nota-se uma tendência para o alargamento do espaço urbano. As construções continuam a ser feitas no centro de Assomada, no bairro de Nhagar e Pedra Barros, mas também é evidente a importância crescente das construções nos bairros de Achada Riba, Cumbem, Covão Ribeiro, Portãozinho, Lém Viera, Tarrafalinho e Bolanha.
Após este período, no centro, os lotes para as construções tornam-se escassos e, deste modo, as áreas próximas (arredores) ganham um forte dinamismo (em que a procura aumenta cada vez mais). Em 2006, o centro da cidade quase não regista construções novas. Nota-se um forte dinamismo para o bairro de Achada Riba, Cumbém, Tarrafalinho e Bolanha. Após este período, o espaço urbano de Santa Catarina não se alargou para além daquilo que já existia. A construção foi direcionada para os espaços livres que se encontram entre os edifícios. No caso concreto da zona de Nhagar, em que o seu crescimento era basicamente um alinhamento de construções que acompanha a rede viária, verificou-se um crescimento mais massificado, no sentido de configurar uma mancha urbana. Em 2009 e 2010, as construções continuam a marcar nas zonas de Tarrafalinho, Achada Galego, Achada Riba, Pedra Barros, Bolanha, Nhagar, Achada Falcão e alguma tendência para a zona de Junco. De um modo geral, o espaço urbano de Assomada não está a aumentar. O que realmente está a acontecer é o preenchimento dos espaços livres nas áreas urbanizadas. A tendência de alargamento do espaço urbano de Assomada é para a zona de Cruz Grande e Achada Falcão, uma vez que existe uma via de comunicação muito importante que liga estas zonas. A descentralização de alguns serviços, como é o caso do Hospital Regional Santiago Norte, é uma das razões mais importantes para o crescimento da zona de Achada Falcão. Mas é preciso descentralizar mais serviços de modo a acelerar o crescimento urbano daquela zona, e a existência de um corredor urbano que vai da cidade de Assomada até Achada Falcão (Fernandes, 2011).

3.2 Planeamento territorial e urbanístico
Os instrumentos de gestão territorial em Santa Catarina ainda se encontram numa fase inicial (embrionária). O concelho dispõe de um Plano de Desenvolvimento Urbano para a zona de Achada Falcão, uma área em expansão em termos urbanos, e um Plano Diretor Municipal já aprovado. Achada Falcão é uma zona privilegiada do concelho, na medida em que é a única zona com um instrumento de gestão territorial já definido com a exceção da cidade de Assomada. O Plano de Desenvolvimento Urbano de Achada Falcão tem por objetivo criar um polo urbano alternativo e complementar à cidade de Assomada. O plano já existe, mas na prática, ainda não está a ser implementado. A existência do plano, não significa que a zona de Achada Falcão se torne num centro urbano onde o processo de planeamento seja visível. É necessário dar seguimento às linhas programáticas importantes para o ordenamento desse espaço. É preciso promover uma integração harmoniosa do espaço rural e do espaço urbano, e fazer os devidos enquadramentos dos núcleos populacionais já existentes, controlando o seu crescimento, viabilizando a fixação de infraestruturas e equipamentos, e melhorando a sua acessibilidade (Fernandes, 2011).
O ordenamento do território (na ótica da regulação do uso do solo) no concelho de Santa Catarina é algo de muito novo, a cidade cresce tanto de forma clandestina como também de modo legal. O gabinete técnico apoia (através da elaboração de plantas) o loteamento das áreas mais dinâmicas do concelho com o principal objetivo de maximizar o número de parcelas urbanizáveis (Fernandes, 2011). Contudo, a construção clandestina não para de crescer. As pessoas não tendo uma perceção de certos riscos, constroem as suas habitações de qualquer forma e sem obedecer aos critérios e normas técnicas em vigor. Aplanam os terrenos, incluindo os que apresentam declives muito acentuados, para construírem as suas habitações, resultando, inúmeras vezes, um enorme morro sobre a habitação (figura 4).
De forma recorrente, a construção não respeita as normas e orientações prescritas no ordenamento do território e planeamento urbanístico. O risco de desabamento é muito elevado. Encontra-se casos de construções em lugares suscetíveis ao fenómeno de inundação. Tudo isso demonstra de forma inequívoca as fragilidades ao nível do planeamento e ordenamento no concelho (Fernandes, 2011).
A fiscalização na zona urbana é muito forte, mas tem com pouca eficácia. Deste modo, não consegue travar a construção clandestina. A população aproveita os fins de semana (sábado e domingo) para intensificar a construção clandestina. O que demonstra a fraca capacidade de organização do sector de fiscalização no concelho. Em caso de construções nos lugares suscetíveis a riscos, as autoridades competentes não agem no devido momento, impedindo a construção (Fernandes, 2011).
O sistema urbano do concelho constitui um fator de bloqueio para o seu desenvolvimento. Será necessário rever a qualidade urbanística, a imagem da cidade e a sua organização espacial. É pertinente dar a importância ao planeamento, criando legislação sobre o uso do solo e estratégias para gerir o território, de modo a atingir um desenvolvimento sustentável. As autoridades competentes devem ser mais rigorosas no contexto dos processos de loteamento, ou seja, não permitir a criação de lotes e frentes de urbanização nas áreas sujeitas a riscos e não legalizar as construções efetuadas nestas condições.
Cabo Verde é um país com chuvas escassas, mas quando chove pode assumir características torrenciais (grande intensidade de precipitação concentrada em períodos de tempo muito curtos), o que pode provocar grandes estragos em particular nas áreas inundáveis. No último período de chuvas, no concelho de Santa Catarina, a população foi afetada, uma vez que esteve a chover durante vários dias. Há registos de saturação do solo, deslizamento de terras, principalmente nos solos que apresentam uma grande percentagem de argila, e onde foram levantados e encostados grandes muros na sequência de operações preparatórias (escavação de terrenos, com alteração da topografia natural) para a construção de edifícios. A população não tem a perceção dos riscos que estão a correr construindo nestas condições. As autoridades devem assumir também o papel de agentes educativos uma vez que o planeamento não é (não pode ser) apenas um caso de policiamento (Fernandes, 2011).

4. Conclusão
Na atualidade (um pouco) mais de 50% da população mundial vive em cidades e a tendência é no sentido de cada vez mais aumentar. Nos países menos desenvolvidos, apesar do “fenómeno urbano” assumir expressão relevante mais tarde, esta tendência é mais forte, uma vez que as cidades são mais procuradas devido às precariedades do seu meio rural (entre outros fatores explicativos).
O ordenamento do território apresenta uma relação muito intimista com os problemas decorrentes da evolução urbana. O ritmo intenso dos processos de urbanização é responsável por importantes modificações na organização e utilização do espaço, o que levou necessariamente a valorizar o planeamento urbano.
Cabo Verde apresenta diversas semelhanças em relação a Portugal no que diz respeito ao quadro orientador e normativo de ordenamento do território. Contudo, é preciso referir as diferenças de tempo no assumir, por parte dos Estados, do ordenamento como caminho incontornável para o desenvolvimento dos territórios e das populações, bem como os contextos económicos, sociais e culturais.
Em Cabo Verde este processo encontra-se na sua fase inicial (na perspetiva da sua implementação). A partir dos anos 90 do século XX, com o crescimento acelerado das cidades em Cabo Verde, sentiu-se a necessidade de planear o território. Em 1993 foi criada a Lei de Bases de Ordenamento do Território e Planeamento Urbanístico. Em (apenas) duas décadas, não foi possível corrigir as assimetrias e as disfunções territoriais em Cabo Verde. A insularidade do país associada ao forte crescimento demográfico, a fragilidade em termos de recursos naturais, inexistência de recursos minerais, desequilíbrio populacional entre as ilhas e a debilidade em termos económicos, impõem práticas específicas a nível do ordenamento do território, tornando-se um dos principais desafios para Cabo Verde no sentido de encontrar maior coesão económica, social e territorial.
Apesar da diminuição do ritmo de crescimento natural em Cabo Verde, essencialmente devido aos progressos no domínio da saúde reprodutiva que levou a diminuição da taxa de natalidade, as dinâmicas de povoamento apontam o reforço das áreas urbanas e a desvitalização das áreas rurais. Neste país que apresenta uma população essencialmente jovem, e a ilha de Santiago continua a ser aquela mais importante e que alberga o maior quantitativo populacional.
Em relação a Santa Catarina, concelho essencialmente rural, que engloba 12% da população Cabo-verdiana, apresenta como atividade principal a agricultura e a criação de gado. O concelho apresenta uma área urbana com uma tendência crescente de expansão; ao mesmo tempo, os espaços rurais mais distantes do centro urbano encontram-se em declínio. O município é composto por 51 zonas, e o espaço urbano corresponde essencialmente à cidade de Assomada, que encontra-se no auge do seu crescimento urbano. Os bairros mais dinâmicos são os de Achada Riba, Bolanha e Nhagar. O espaço urbano está a alargar para as periferias e os bairros suburbanos começam a ganhar importância.
Os instrumentos de gestão territorial em Santa Catarina encontram-se numa fase precoce, dispondo apenas de um plano de desenvolvimento urbano para a zona de Achada Falcão e um Plano Diretor Municipal aprovado. No concelho não são evidentes as marcas de planeamento e ordenamento do território, apesar da existência desses instrumentos. É necessário intervir para corrigir as assimetrias e por em prática as orientações traçadas pelo Plano Diretor Municipal. Importa consciencializar que só a existência do plano não é suficiente para promover o ordenamento do território.
Deste modo, é relevante implementar uma mais adequada ocupação e utilização do território, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável e a coesão económica, social e territorial de Cabo Verde.

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