BIBLIOTECA VIRTUAL de Derecho, Economía y Ciencias Sociales

A UTOPIA NEGATIVA: LEITURAS DE SOCIOLOGIA DA LITERATURA

Jacob J. Lumier




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A imagem do Homo Absurdus e Dostoyevski

Se na primeira parte de seu ensaio nossa autora exami-na e refuta a possibilidade de aplicação daquela imagem ao célebre e consagrado romance de Camus acima co-mentado, na segunda parte nos apresentará igualmente o exame e a contestação de que a imagem do Homo Absur-dus tal como tirada da obra de Franz Kafka seja contra-posta a Dostoyevski.

Com efeito, a análise da fantasia na ação dramática em Dostoyevski porta sobre o personagem do velho Ka-rámazovi (Fiodor Pávlovitch) e seu comportamento peran-te o monge “staretz Zósima”, descrito no Livro II da Parte I de “Los Hermanos Karámazovi” . Tal análise é ofe-recida como evidência da insustentabilidade de uma teo-ria do pretenso choque misterioso na imaginada “alma sensitiva” do leitor, preconizada pelos adeptos da chama-da estética do jovem romance americano, a que já aludi.

Põem-se em relevo os procedimentos de Dostoyevski para fazer sobressair os estados ou movimentos sutis dificilmente perceptíveis, fugidios, contraditórios, evanes-centes já notados sob o conceito sociológico de fantasia.

Por nossa autora classificados “primitivos” em face das técnicas literárias do século XX dado a utilização pouco refinada das gesticulações inverossímeis impostas aos personagens, tais procedimentos composicionais dosto-yevskianos são descritos nessa análise e comentados na seguinte ordem: 1º) – a apresentação do velho Karáma-zovi por ele mesmo ao entrar em cena perante o staretz Zósima; 2º) – suas falas trocadas com o staretz. Assim, das páginas 33 a 37 do seu ensaio crítico literário Natha-lie Sarraute reproduz as falas em que o velho Karámazovi se qualifica a ele próprio de “bufão” e como tal se reco-menda à apreciação dos inúmeros presentes naquela ce-na, dizendo ser bufão por um antigo hábito. Então, a esta fala, o personagem faz caretas, se contorce, se exibe em poses grotescas; prossegue contando “com uma feroz e ácida lucidez” como ele se encontrou em situações humi-lhantes empregando ao falar os diminutivos simples e a-gressivos.

Destaca nossa autora que Fiodor Karámazov mente frontalmente e quando pego é ligeiro em dar a volta por cima: “não se pode jamais pegá-lo desprevenido, ele se controla e, em face do flagrante reage dizendo não só que sabia estar mentindo, mas -pois ele tem adivinhações estranhas- dizendo haver pressentido que, tão logo co-meçou a falar aos presentes, ali dentre eles estava o pri-meiro que iria fazê-lo remarcar estar mentindo”.

Mas não é tudo. Parecendo saber que ao diminuir a si próprio diminuía também os outros com ele, que os dei-xava aviltados, ele escarnece confessando haver inven-tado todo o dito naquele instante para fazer mais picante. Sarraute sublinha que tendo o olhar voltado para ele mesmo, ele se perscruta e se espia, pois será para lison-jear aos presentes, para os conciliar, para os desarmar que ele se debate dessa maneira, E ele mesmo o diz: “é para ser mais amável que eu faço caretas , aliás, às ve-zes nem sei porque”. Sarraute compara-o a um “clown” que se despe fazendo piruetas a mostrar como é mordaz quando, ao dizer que um gênio ruim se fosse importante não poderia nele se hospedar, estende tal possibilidade aos presentes, para refutá-la por eles, e acrescenta: “vós sois um abrigo estragado”.

É então a vez do monge staretz Zósima manifestar-se na cena e o faz rogando com instância a Fiodor Karáma-zovi para não se inquietar nem se molestar, para que es-teja como em seu lar. Mas o staretz também é perscruta-dor e, examinando sem indignação nem desgosto “a ma-téria tulmutuosa que borbulha e transborda” (o velho Ka-rámazovi a sua frente), acrescenta: “não tenha vergonha de você mesmo, pois é daí que tudo provém”. Todavia, será em face da contestação de Fiodor Karámazovi gra-cejando com o convite para portar-se ao natural que o staretz chega a compreendê-lo bem e percebe ter sido para se conformar à idéia que eles se fazem dele, para engrandecer-se mais ainda sobre eles, que ele se contor-siona.

E Sarraute nos brinda com as seguintes frases sele-cionadas: “... porque me parece quando vou em direção das gentes... que todo o mundo me toma por bufão. Então eu me digo: façamos o bufão... pois todos, até o último, vós sois mais vis do que eu, eis porque eu sou um bu-fão... é por vergonha, eminente monge, por vergonha.”

Mas a fantasia não pára aí, pois, logo após esta fala ele se ajoelha e Sarraute nos oferece o comentário do próprio narrador dostoyevskiano: “mesmo então é difícil saber se ele brinca ou está emocionado”. O staretz em tom confidencial lhe diz que mentir a si mesmo é ofender-se até experimentar a satisfação, “um grande deleite”. Ora, Sarraute remarca que o velho Karámazovi se apro-veita para afirmar haver sido justamente pela estética que ele sentira-se ofendido em toda a sua vida até o deleite, ironizando ao staretz por haver esquecido de que ser o-fendido, às vezes, não é somente agradável, mas é belo. Então ele faz mais piruetas e se sai com uma nova tirada de arlequim: “vós credes que eu minto sempre assim e que faço o bufão? Saibam que é expresso para testá-los que representei essa comédia”. E Sarraute encerra sub-linhando a frase final que ele interroga ao staretz se havia lugar para a humildade dele junto do orgulho deles.

Neste ponto pode ver enfim, com Sarraute, que, apli-cada à leitura de Dostoyevski, a fantasia é um conceito sociológico essencial. Sem uma apreciação detida e cuida-dosa em que se recorre à experiência vivida ou à experi-ência refletida, à experiência própria ou à de outro, reco-nhecendo os pensamentos fugidios, os sentimentos sutis e dificilmente perceptíveis, contraditórios, bem como os esboços de apelos tímidos e de recuos, jamais um leitor poderia alcançar ao menos uma ínfima parte do que esta passagem da ação dramática em Dostoyevski revelou.

Não se deixa passar em silêncio, pois, o exagero em se pretender descrever do exterior o objeto literário, nem o equívoco em acreditar ao leitor uma suposta extraordiná-ria capacidade intuitiva, tida por positiva e válida, uma ilusão ou sensação de reviver nele a ação, ao mesmo tem-po em que, por tal suposição extraordinária, se priva o personagem de toda a capacidade interior, como foi visto na refutada teoria de um choque elevando a suposta alma sensível.


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