O TURISMO RURAL: INSTRUMENTO PARA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Luziana da Silva Sousa

 

A DINÂMICA DO TURISMO NO ESPAÇO RURAL

Diversos estudos recentes vêm apontando mudanças importantes na estrutura ocupacional do meio rural brasileiro. Novas alternativas de renda e trabalho, não mais associadas à agricultura de subsistência, estão se proliferando no campo, possibilitando uma melhoria na qualidade de vida da população e até o arrefecimento do êxodo rural em algumas regiões. (SILVA e GROSSI, 1999)

As famílias rurais estão se tomando cada vez menos agrícolas e mais pluriativas. As ocupações agrícolas são as que geram menor renda e, associadas ao processo de individualização crescente da força de trabalho nas pequenas e médias propriedades agrícolas, podemos afirmar que o desenvolvimento no espaço rural não se sustenta, a longo prazo, somente com as atividades agrícolas. As famílias passam a depender cada vez das ocupações não-agrícolas, ligadas ao lazer e a prestação de serviços, para sobreviver.

A figura a seguir foi ilustrada por SILVA e GROSSI (1999), que mostra um espaço rural penetrado pelo mundo urbano com velhos e novos personagens, como os neo-rurais (profissionais liberais e outros ex-habitantes da cidade que passaram a residir no campo) ao lado dos assentados (ex-sem terra) e daqueles denominados sem-sem (sem terra e sem emprego e quase sempre também sem casa, sem saúde, sem educação, e principalmente sem organização, coisa que os sem-terra indiscutivelmente já conseguiram).

A explicação mais teórica para essas mudanças é o que denominado por esses autores de processo de “mercantilização do tempo livre’ das famílias rurais, ou seja, do tempo em que os membros da família camponesa não estavam ocupados nas atividades agrícolas e que eram dedicados às atividades não-agrícolas (fabricação de doces, conservas, móveis e utensílios doméstico) e ao lazer (caça e pesca, artesanato, cultivo de flores, criação de animais exóticos, etc.) - A diferença é que esses bens e serviços que eram autoconsumidos ou se constituíam parte dos bens de uso próprio da família, são agora produzidos para a venda como uma outra mercadoria qualquer. (SILVA e GROSSL 1999)

Nesse processo, a produção agrícola passa a ocupar cada vez menos o tempo total de trabalho das famílias rurais e, por conseguinte, a agricultura passa a responder apenas por parte do tempo de ocupação e da renda dessas famílias. Como conseqüência dessa queda da renda agrícola, observa-se uma crescente importância das atividades e rendas não-agrícolas entre as famílias rurais. E esse fenômeno é tão forte e rápido que de acordo com SILVA e GROSSI (1999), os dados apontam em 1998 o total das rendas não-agrícolas tinha ultrapassado o montante das rendas agrícolas recebida pelos moradores rurais (Gráfico 1). Isso significa basicamente que as atividades agropecuárias já não respondem pela maior parte da renda da nossa população rural nesse final de século.

Pelo gráfico, pode-se observar, o movimento crescente do turismo no espaço rural pode ser considerado como uma fuga da padronização da oferta e dos serviços e da impessoalidade no tratamento dos visitantes, que se traduzia em perda da qualidade e do valor das férias oferecidas pelo turismo convencional.

A importância do setor turístico para a economia é histórica se mencionarmos países como a Espanha, que se reergueu com o desenvolvimento econômico trazido pela atividade turística após ter sofrido com duas grandes guerras, do mesmo modo que países que vivem basicamente do turismo como é o caso do Hawai, Polinésia Francesa, México, etc. (DIAS, 2003:9).

Segundo FULLANA e AYUSO (2001)1, uma característica importante da indústria turística é que, diferentemente:

“da indústria produtiva ou outras indústrias de serviços, não administra a maioria dos produtos e experiências que vende. No lugar dela, os gestores turísticos transportam os indivíduos para que conheçam os traços naturais, as atrações culturais e os estilos de vida de um destino turístico”

Para DIAS (2003:10), tal característica reveste a atividade turística de uma especificidade e uma dimensão não encontráveis em outras que surgiram ao longo da história da humanidade. Ao afetar direta ou indiretamente diversos setores da economia, toma-se poderoso instrumento de desenvolvimento, abrindo a possibilidade de geração de um número significativo de empregos diretos e indiretos (dos mais qualificados aos menos) e um número também significativo de postos de trabalho. O turismo pode ser considerado hoje uma das poucas alternativas à destruição do emprego tradicional devido às mudanças tecnológicas e à globalização, junto com a redução da jornada de trabalho.

Assim, compreende-se a atividade turística como sendo um conjunto de elementos inter-relacionados que evoluem de forma dinâmica. No conceito de atividade turística, efetivamente, distinguem-se quatro elementos básicos, como está em SANCHO:

1. a demanda: é formada por um conjunto de consumidores — ou prováveis consumidores — de bens e serviços públicos;

2. a oferta: é composta pelo conjunto de produtos, serviços e organizações envolvidos ativamente na experiência turística;

3. o espaço geográfico: é a base física na qual se dá o encontro ou contato entre a oferta e a demanda e em que se situa a população residente, que se não é em si mesma um elemento turístico, é considerada importante fator de coesão ou desagregação, dependendo de ser ou não levada em conta quando do planejamento da atividade turística;

4. os operadores de mercado: são as empresas ou organismos cuja principal função é facilitar a interação entre a oferta e a demanda:

agências de viagem, companhias de transporte regular e órgãos públicos e privados que organizam e promovem o turismo. (2001:39).

Analisando o setor rural brasileiro, desde seus primórdios até a atualidade, sabe-se que este vivenciou vários momentos de transformações marcantes. Assim, partindo da constatação desta realidade, verificou-se a necessidade da realização de mudanças nas formas de sobrevivência até então existentes, utilizando-se novas estratégias que permitissem, pelo menos, a rentabilidade e a satisfação mínima para manutenção do homem no campo.

Essas estratégias surgem a partir do reconhecimento e da percepção, por parte do produtor rural, da realidade que permeia seu cotidiano produtivo, garantindo a visão sistêmica de sua propriedade e possibilitando a realização do planejamento administrativo. Esta forma de gerenciar, através do planejamento detalhado das tarefas, reconhecimento do funcionamento das partes e das alternativas de ações efetivas, colaboram no sentido de perceber novas possibilidades de atividades.

Estas atividades permitem um melhor aproveitamento do ambiente rural, podendo ser mais uma fonte de renda para o produtor, possibilitando inclusive, a agregação de valores aos produtos ali produzidos. Com o surgimento das atividades relacionadas ao turismo no espaço rural, tem-se um crescimento e um surgimento de um novo perfil dos proprietários de terra. Esta nova geração de produtores, agora denominados empresários do setor rural que podem ser considerados nos dias de hoje como estrategistas, que participam da procura de novas metodologias administrativa, com o objetivo de criar novos programas e projetos para o meio rural. Entretanto, fazem-se necessárias avaliações desta nova realidade vivenciada por alguns produtores rurais e estudos da viabilidade de permanência destes no setor.

Para SILVA, VILARINHO & DALE (in: Almeida, Froehlich & Riedi, 200 1:36), a bibliografia sobre a importância econômica do turismo no espaço rural é ainda muito restrita e a maior parte dela dedicada a exaltar o ‘potencial’ do ecoturismo na região amazônica, primeira a receber um amplo processo participativo de planejamento, por meio do Grupo Técnico de Coordenação do Ecoturismo da Amazônia Legal (GTC).

De acordo com os dados do Núcleo de Economia Agrícola, do Instituto de Economia da UNICAMP apud SILVA e CAMPANHOLA (1999), estão presentes os ramos de atividades não-agrícolas exercidas pela população ocupada, residente em áreas rurais. As de prestação de serviços pessoais são as que mais se sobressaem, ocupando mais de 1.100.000 pessoas em todo o país em 1995. Seguem, em ordem de importância, as atividades na indústria de transformação, que ocupava quase 800 mil pessoas e, em menor escala, as do comércio de mercadorias, ou serviços sociais e a construção civil, com cerca de 500 mil pessoas cada. Nota-se que, agregando os ocupados nos diversos ramos de serviços, obtêm-se mais da metade das pessoas ocupadas em atividades não-agrícolas e residentes em áreas rurais em 1995, como na tabela 1, a seguir.

A dinâmica do setor turístico brasileiro tem bastante signïficado. É importante ressaltar, primeiramente, que quando se menciona dinâmica deve-se levar em consideração os efeitos multiplicadores que a renda trazida pelos turistas acarretam na economia de uma região. Esses podem ser classificados em diretos e indiretos.

De acordo com JÚNIOR (2000:18), os efeitos multiplicadores diretos mais visíveis são resultantes de despesas realizadas pelos turistas dentro dos próprios equipamentos turísticos (hotéis, transportes, agências de viagens, etc.) e de apoio, onde o turista paga diretamente por algum bem ou serviço. O efeito econômico indireto, em contrapartida, se dá pela despesa efetuada pelos equipamentos e prestadores de serviços turísticos na compra de bens e serviços com o objetivo de satisfazer a sua demanda turística, ou seja, o dinheiro que antes foi pago pelo turista, agora será gasto por outrem de forma a aquecer a economia local.

Assim, BARRETO cita os efeitos multiplicadores da entrada de divisas pan a economia (P18) de uma região, de tal forma que:

“O dinheiro que entra por conceito de turismo multiplica-se na economia traduzindo-se em:

• Aumento da urbanização;

• Incremento das indústrias associadas: indústria de meios de

transporte, indústria alimentar, de souveniers, indústria de bens de capital

para fornecedores de serviços turísticos;

• Incremento na demanda de mão-de-obra para serviços turísticos;

• Incremento da indústria de construção e da demanda de mão-de-obra respectiva;

• Aumento da demanda dos produtos locais desde hortifrutigranjeiros

até artesanato;

• Incremento na entrada de divisas para equilibrar a balança

comercial;

• Maior arrecadação de impostos e taxas. “(1997:72)

SILVA, VILARINHO e DALE (in: Almeida, Froehlich & Riedl, 2001:38) chamam atenção para a importância do setor público na geração de ocupações não agrícolas no meio rural, seja ela por meio da administração pública, seja por meio dos serviços sociais por ela prestados. No Brasil, eles já somavam 714 mil pessoas, indicando uma faceta fundamental da “urbanização no meio rural”, que é o acesso aos serviços públicos. Na verdade, essa questão é tão importante que, nos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, tem sido um dos critérios auxiliares utilizados pan definir se uma determinada área é rural ou urbana. Em termos de crescimento, é importante destacar o significativo aumento das pessoas ocupadas na construção civil, no comércio, nos serviços e na administração pública no Brasil, no período 1992/1995.

Na tabela 2 a seguir, estão presentes as mesmas pessoas, residentes nas áreas rurais, ocupadas em atividades não-agrícolas, classificadas segundo o setor de atividade que exerciam. Pelos dados da tabela 2, a população rural — ocupada em atividades não-agrícolas — concentra-se em setores que, em sua maior parte, exigem baixa qualificação, tais como serviços domésticos, construção civil, pequeno comércio de alimentos. Assim, na administração pública, a administração municipal é o setor de atividade mais importante como fonte de emprego rural não-agrícola, respondendo por 59% das 200 mil pessoas ocupadas, em 1995, naquele ramo de atividades (ver tabela 1). Da mesma forma, podemos constatar que, no ramo do comércio de mercadorias, os setores mais importantes são o comércio de alimentos e o comércio ambulante, atividades ainda típicas do interior rural brasileiro.

Pela tabela, pode-se perceber que, mais de um milhão de pessoas residentes na zona rural estão ocupadas em atividades ligadas ao serviço doméstico e à construção civil, em geral exigem baixo nível de qualificação. Em compensação aparece o ensino público confirmando a grande importância do aparelho do Estado na geração de empregos na zona rural. Depois, o comércio, a indústria de alimentos e a indústria de transformação; em geral, todos esses setores de atividade exigem melhor nível de qualificação.

Na tabela 2, pode-se notar que aparece com destaque, o setor de “restaurantes” como atividade que ocupava 137 mil pessoas residentes nas áreas rurais em 1995. Entre outros setores não listados, pode-se citar a fabricação de rendas e redes, com 24 mil pessoas ocupadas; os objetos de vime, 21 mil; organizações esportivas, 15,2 mil; hospedagem, 12,4 mil; arte e decoração, 12,3 mil; produção de alimentos caseiros, 6,4 mil; organizações culturais, 3,7 mil e outros setores similares de menor importância. Ou seja, no total, são cerca de 230 mil pessoas ocupadas em setores de atividades, relacionados na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio — IBGE), que estão direta ou indiretamente ligados ao lazer e ao turismo em áreas rurais, no Brasil em 1995. (SILVA, VILARINHO e DALE apud Almeida, Froehlich & Riedl, 2001:40).

É difícil ainda estimar o peso econômico dessas novas atividades agrícolas e não-agrícolas. Para dar uma idéia de sua importância, basta dizer que as festas de rodeio, os leilões e as exposições agropecuárias movimentaram juntos cerca de US$ 3,3 bilhões em 1996, o que significa metade do valor das exportações brasileiras de soja em farelo e grão, café cru em grão, suco de laranja congelado e concentrado no mesmo ano (ibidem, pp. 40-41).

Em um levantamento realizado pela Embratur em 1997 apud SILVA e CAMPANFIOLA (1999:21), em um total de 1692 municípios localizados em todas as regiões do país, observa-se que tanto o turismo rural como o ecoturismo foram significativamente importantes em relação às outras modalidades turísticas, como se apresenta na TABELA 3 a seguir. O turismo rural é mais freqüentemente citado nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, estando presente em 34% e 31% dos municípios que responderam, respectivamente, já o ecoturismo, apresenta importância semelhante ao turismo rural nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, sendo que na região Norte ele é mais freqüente que o último.

Assim, de acordo com a tabela, além do ecoturismo, outras modalidades de turismo ocorrem estritamente no meio rural, tais como: turismo de aventura, de pesca,

desportivo, gastronômico, cultural e de saúde. Portanto, se todas essas categorias fossem tratadas em conjunto, a oferta de turismo no meio rural pelos municípios brasileiros adquiria ainda maior relevância.


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