Este texto forma parte del libro
Memorias de Economia
de Luis Gonzaga da Sousa
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MOBILIZAÇÃO DESMOBILIZADA

 

 

 

A nação brasileira passa por momentos difíceis. A transição do regime militar para uma economia livre, democrática, exige um sacrifício muito grande de seus filhos de maneira geral, isto é, tanto dos patrões como dos trabalhadores. Esses problemas foram decorrentes da ditadura militar que aos poucos tentava deixar a política nacional nas mãos dos políticos civis; conseqüentemente, deixando uma herança tenebrosa de alto índice de desemprego, inflação explosiva, falta de produção, e a sociedade plenamente desorganizada. Frente a isto, o empresariado nacional aproveitou estes momentos de desarmonia e procurou tirar proveitos da situação, tal como a sua posição de oligpolista dava e implementava “direitos”, mesmo que fossem espúrios. Foi neste clima que assumiu o governo de transição José Sarney, que era Vice-Presidente de Tancredo Neves; pois, acometido com problemas de saúde veio a falecer pouco tempo depois.

Com Sarney no poder, pensava-se até que as coisas fossem melhorar, dado o clima de coligação, de conchavos e de forças que tinha o Congresso naquele momento de queda do regime militar, que caracterizava a vergonha nacional pelos vinte e dois (22) anos de ditadura militar. Entretanto, esqueceram de que o regime militar desmobilizou a economia e a política nacional, cassando líderes, proibindo reuniões e vigiando os movimentos que tinham o objetivo de formar lideranças para assumirem os futuros da nação. Assim, foram mais de duas décadas de desolamentos, de obscurantismo e, sobretudo, da atuação de uma velhice política carcomida, sem perspectivas de uma organização para a política e a economia nacional; e, quando se pensou na abertura política, começaram a surgir os problemas. Frente a isto, o que fazer? A política continuava com a velharada de muitos carnavais, e a economia precisava de um plano que desce vida nova ao país; de pronto, foi assim que surgiu o Plano Cruzado, que seria a redenção nacional.

Entrementes, a pouco tempo se assistia um chamamento do Senhor Presidente José Sarney para por em prática o plano econômico de inflação zero. Este grito de liberdade ecoou em todos os recantos do país. Achava-se naquela oportunidade que seria um grande ato de bravura do Senhor Presidente, ao tomar tal decisão, tendo em vista que, aquele heroísmo que lhe enchia a alma, poderia, mais tarde, doer-lhe o coração. O povo foi chamado à luta e prontamente estava nas ruas, lutando contra os males próprios do capitalismo; de propósito, são no curto prazo irreversíveis e intransponíveis. O ato bravio do povo não intimidou os princípios capitalistas, antes pelo contrário, fortaleceu-os cada vez mais.

Contudo, pensava-se que a população brasileira estava indiferente a tudo que acontecia, no entanto, era o contrário. O povo queria uma oportunidade para participar mais ativamente e esse momento chegou. O chamado do Presidente fê-lo participar, com fechamento de lojas, supermercados, padarias e muitos outros estabelecimentos comerciais. O número de processos avolumou-se de maneira absurda, criando pilhas e pilhas nos cartórios judiciários, no intuito de por em prática, a lei de apoio ao consumidor; ou mais especificamente, lei contra os abusos praticados na economia popular. A lei existe e é muito velha; porém, é impotente para autuar quaisquer poderosos, e gananciosos que almejam se locupletar com o poder.

Com o novo programa econômico, pensava-se que essa imagem fosse mudar, porque já se via nos cartórios, processos contra poderosos, ou simplesmente industriais. Em todos os recantos, policiais eram meros auxiliares do povo que atuava contra os industriais e gerentes desonestos. Entretanto, isto não foi generalizado; pois, em alguns lugares, a polícia federal, em certos momentos, relutou em autuar desonesto; porém, com a pressão do povo, teve que agir, mesmo ainda sem jeito. O fato, é que, no curto prazo, a coisa funcionou. O povo mostrou que, com uma liderança forte, que realmente saiba conduzir seus adeptos, conseguir-se-ão seus objetivos, quais sejam, de concórdia, ou de discórdia e se sabe que o povo unido jamais será vencido no chavão de Guevara.

Em todo o país, os movimentos comunitários formaram seus quadros de luta e partiu-se para mostrar a força de um povo. Nas grandes capitais, o movimento foi forte e combativo. A televisão encorajou as comunidades de todo o país a abraçarem a causa que não era somente do Presidente da República; sem dúvida, de toda a população brasileira, que se via lesada cotidianamente, por industriais inescrupulosos. Esses agentes econômicos criavam uma inflação expectativa e todo consumidor tinha que arcar com este custo, sem reclamações e o pior, é que se confirmava essa inflação planejada. A corrupção foi a constante durante os períodos de inflação alta e a estocagem era a principal arma do capitalista desonesto.

Com as medidas do novo Plano, os industriais e comerciantes passaram a aturar de maneira diferente, isto é, retirando os produtos das prateleiras dos supermercados, ou das lojas comerciais, pensando talvez, que a lei da procura voltasse a atuar e os preços de seus produtos tivessem reajustes. Isto não colou, mas eles continuam com este tipo de pressão no intuito de que o governo federal poderá ceder e conceder reajustes de preços. Inegavelmente, o plano trouxe alguns benefícios. Não se pode afirmar que este plano foi a salvação do povo brasileiro; no entanto, abrandou sua situação no curto prazo. Sem dúvida, o único perdedor foi o consumidor/trabalhador do país, que teve seus direitos reduzidos à média por baixo, enquanto os patrões tiveram um congelamento por cima da média, novamente o empresariado levando vantagem.

Passado o primeiro mês, o Senhor Presidente vai à televisão anunciar os ganhos do plano econômico, de inflação zero, ou numa magistral descoberta, uma deflação de 0.81%; uma queda no índice de desemprego de 2.97%; uma taxa de crescimento da indústria na ordem de 12%; o comércio varejista, com uma taxa de expansão de 9%; e, uma perspectiva para a economia brasileira crescer em torno de 5% ao ano. Isto é magnífico e a população patriota fez e faz qualquer sacrifício por um futuro melhor e numa primeira instância, têm-se aí esses resultados, que não se agradece em nada ao capitalismo nacionalista, isto em termos de capitalistas produtivos e capitalistas improdutivos, ou financeiros. Esses agentes econômicos, até agora, só fizeram, interditar o programa de apoio ao consumidor.

Em seguida, imaginou-se que o povo estaria mobilizado para a luta contra os aproveitadores da economia popular, mas parece que a coisa não é bem assim. Houve um primeiro levante de apoio ao Senhor Presidente, José Sarney, entretanto, os líderes de base, não abraçaram a causa com o euforismo necessário, a implantar na mente de todo cidadão, uma consciência de seu real papel, como fiscal voluntário da economia brasileira. Fiscal que, ao se ver lesado, lutaria pela punição desses assaltantes do bolso popular. Fiscal que nas horas vagas, vai ao supermercado olhar os preços e os desconformes, denunciá-los sempre. E fiscal que se reúne com os amigos de seu bairro, criando comitês, para atuarem contra os maus negociantes.

Parece que isto não aconteceu. O povo não estava plenamente consciente para suportar uma luta tão importante para a política. Os ganhos em parte aconteceram, e as perdas vieram com maior força, pois, claramente verifica que o plano não está funcionando a contento. Os órgãos de apoio ao consumidor, já não atuam como no início do programa. A polícia federal deixou de fiscalizar (único órgão que amedrontava). A SUNAB pouco tem feito. E os comitês de base criados neste sentido, pouco têm podido fazer e o resultado é o previsto, a anarquia generalizada. O poderio nacional que nunca apostou neste programa, já começa mostrar que o poder econômico é quem manda, ao trazer de volta as decisões que sempre foram tomadas pelo capital monopolista.

Hoje, já se vê a volta da cobrança do ágio, estipulado pelas empresas automobilísticas. Nos supermercados faltam produtos; mas, encontram-se facilmente nas mercearias da esquina, por preços duplicados e sem nota fiscal, por ser uma micro-empresa e ser-lhe facultada a extração da nota fiscal. Nas feiras livres, os preços não têm nenhum controle dos órgãos de fiscalização; portanto, praticam-se aumentos abusivos nos valores de seus produtos. Essa é a cultura da exploração, ou melhor, é o espírito egoístico que predomina em todos aqueles que buscam se locupletar com a desgraça alheia, e isto não é bom para uma sociedade desajustada e desorientada. O poder dos oligopólios é grande; pois, mesmo que a lei impere, existem condições outras que fazem com que as artimanhas comerciais prevaleçam sobre a lei que tenta coibir os desmandos sociais.

Como síntese do Plano Cruzado, verifica-se que o capital imperou ativamente nesse processo todo. O poder dos oligopólios não foi abatido, apenas pode-se dizer que foi ameaçado, entretanto, constitui em grande ameaça para o sistema. No curto prazo, pode-se dizer que o Plano Cruzado teve tudo para dar certo, simplesmente pela eficiência do Plano; todavia, esqueceram as Autoridades de que o poder maior não era o do Presidente da República, em primeira instância, mas o dos monopólios. Com isto, deixou-se que somente os princípios burgueses fossem levantados, seguidos e foi justamente o que aconteceu com as pequenas, micros e médias indústrias, assim como, com o comércio de todos os tamanhos que tentaram tirar proveitos da situação. Foi justamente o que aconteceu com a implantação do Plano Cruzado, onde se esperava o milagre e a economia ao invés de se reajustar, surgiram mais problemas, ao levar em conta que se criou uma oferta relativa menor do que a demanda e os preços foram forçados a subir e o governo não controlou mais.

Isto aconteceu por que? A população estava desmobilizada, sem líderes e o governo não tinha meios de conclamar a população a uma vigilância aos donos de estabelecimentos desonestos que tentassem remarcar preços sem a devida autorização do governo federal. O chamamento do Senhor Presidente foi um ato de coragem e até certo ponto irresponsável, porque este tipo de levante poderia desencadear uma situação de terrorismo e de convulsão social muito forte, pois o país estava numa situação difícil. Sem líderes, sem leis que assegurassem os direitos dos consumidores/trabalhadores, como as partes fracas poderiam encabeçar uma situação que pudesse transformar a história nacional? Foi um momento complicado e de muita paciência por parte das autoridades quanto à situação sócio-econômica que o Brasil estava  atravessando neste momento de transição e de insegurança para as classes equilibradoras da política social nacional.