Este texto forma parte del libro
Ensaios de Economia
de Luis Gonzaga da Sousa
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CIDADÃO X CONSUMIDOR: QUEM APOIA?

 

 

 

Em termos de relações sociais, é simples dizer quem está ao lado do povo, quando isto exige tempo e dedicação para tal envolvimento; mas, é também fácil ver que tipo de apoio, aquele cidadão tem; somente quando existem condições desse apoio ser capitalizado em votos, em tempos de campanha política. O apoio de politiqueiros, ou de quem tem pretensões de entrar na política não falta; porém, trabalhos não existem efetivamente, porque é disto que o povo precisa; sobretudo, de uma organização sólida para a vida e não para sanar situações de momento. O povo precisa é de seriedade que não existe naqueles que querem orientar a sociedade para um mundo melhor, com raríssimas exceções; pois, dar-se de corpo e alma pela causa popular é tarefa difícil, e envolve amor, calma e dedicação.

Nota-se extensivamente a formação de associações de base para propiciarem ao cidadão uma consciência de seus deveres e direitos; mas, praticamente tais ensinamentos não chegam aos seus destinos finais. É inegável a preocupação dos líderes comunitários na luta pela mobilização da sociedade civil, não só em busca de seus direitos, como também, à procura de seus deveres, porque esses dois elementos se completam; do contrário a demanda pelo bem-estar da sociedade não se consegue. Esse bem-estar se forma naturalmente pelas forças de mercado, como dizem os clássicos; entretanto, numa sociedade oligopolizada, esse nível só será conseguido pela organização de seu povo consciente, e combativo, na ânsia por um objetivo comum, a união de todos.

Também ficam claros mais do que nunca os erros praticados pelos donos do poder. Sempre quem paga são os subjugados, os dependentes, e porque não dizer, os escravos do século XX, os assalariados. Como fazer para suplantar tal descalabro? Não adianta revolta individualizada. Não adiante o subjugo exacerbado de alguns desesperados na vida. E, não adianta o justiceirismo de algum louco, que em estado de alucinação, tenta fazer justiça com as suas próprias mãos. O importante não é remar contra a maré, é organizar os peixes e partir devagar, retornando contra a corrente que acaba se enfraquecendo lentamente. Isto mesmo acontece com um povo organizado; mas, organizado de verdade, sem sectarismo e sem anarquismo; porém, com seriedade.

O capitalismo é espoliador pela sua própria natureza, e será muito mais se as forças exploradas se sujeitarem a esta filosofia de injustiça e desprezo humano. Neste sentido, escreveu Francis GODARD (1975)[1] que

a pobreza absoluta, o desgaste da força de trabalho, não são suficientes por si mesmo para criar necessidades sociais, porque a necessidade social aparece como o reverso de uma falta, o positivo de um negativo. O grau de exploração determina o desgaste da força de trabalho, mas, se pode compreender o que significa a noção de necessidade, apenas quando as relações sociais, políticas e ideológicas e o jogo de dominação/integração, interferem.

Por isso, a participação de todos nas relações sociais que alimentam o capitalismo é imprescindível; e, essa interferência é apenas uma questão de justiça social, devido à tendência para a concentração que existe para uma exploração crescente.

A luta pelo associativismo está mais arraigada na sociedade urbana devido ao estado de melhor nível cultural e moral ser próprio das cidades, onde a exploração é maior. Dentro deste ponto de vista, escreveu CASTELL (1976)[2] que

a análise de tal especificidade deve ser captada pelo estudo das interrelações entre a estrutura social e a estrutura urbana que foram configuradas historicamente. A análise da estrutura social parte necessariamente da análise das classes sociais, da sua articulação contraditória a nível mundial de sua expressão específica no cenário político, através de blocos e alianças que constituem, de seus mecanismos de integração e reprodução ideológica, de sua luta historicamente determinada e historicamente determinante.

Isso justifica claramente a questão da soberania do agente econômico, como contendo limitações que se demarcam de acordo com as condições em cada classe social, ou bloco de país em que está inserido.

Todavia, foi nas áreas urbanas que surgiram as idéias de apoio ao cidadão, ao homem explorado e, conseqüentemente, ao consumidor que não tem a sua liberdade de consumo. Inegavelmente, foi a Revolução Industrial, na Inglaterra, no século XVIII, que deu início as idéias associativistas contra a evolução desordenada do capital, que começava substituir a mão-de-obra nas minas e nas indústrias de algodão, por processos mais modernos, desempregando boa parte da mão-de-obra utilizada. Foi um passo histórico que sobreviveu, e se especializou nas reivindicações dos explorados homens sem poder de decisão; mas, em condições de boicotarem deliberações impostas pelos poderosos, que não têm o mínimo de respeito por aqueles que mais participam da economia do país, trabalhando, ou consumindo.

Hoje, os trabalhadores já estão bem representados em suas reivindicações, através de seu sindicato, mesmo que seus líderes sejam pelegos. Os bairros já têm as suas agremiações que são as Sociedades de Amigos de Bairro, mesmo que exista atrelamento ao governo. Os favelados e os desabrigados já têm as associações de base que lhes dão apoio efetivo. Por fim, a sociedade mundial, precariamente, ou não, já tem consciência de seu poder contra os exploradores do bolso alheio. Vê-se que é um grande passo que a sociedade tem dado, na pretensão de minorar as injustiças que o sistema capitalista tem implantado, por onde está em evidência. Injustiça existe não só na exploração ao trabalho alheio; mas, também, nas vendas de produtos deteriorados, velhos, de péssima qualidade, passando por mercadorias novíssima, boa e de primeira categoria.

Porém, diz-se que o consumidor é livre e soberano para escolher a mercadoria que quiser, e ao preço que convier. Sente-se claramente que isto não é verdade, por diversos motivos: 1) a mídia dirige os consumidores para onde quer e entende; 2) o capitalismo cria estrutura social; e, pelo efeito demonstração, os consumidores são manipulados; e, 3) a filosofia do consumismo tem deteriorado o ímpeto de procura pelo melhor e mais barato. Os oligopólios expandiram os supermercados, onde a exploração abunda ostensivamente, e sem piedade. É contra esta exploração de venda que o consumidor também deve se unir, criando associações de apoio ao consumismo contra não só ao aumento de preços; mas, contra produtos deteriorados e imprestáveis ao consumo humano.

Nenhum sistema político assegura a liberdade do consumidor na economia. Mas, especificamente, o capital monopolista tolhe todo tipo de soberania do cidadão consumidor, a partir dos tipos de propaganda que são empreendidas pelos donos do poder; e, isto faz com que o consumidor fique preso às estruturas de mercado idealizadas pelo sistema. Por outro lado, o monopólio estatal também priva a liberdade do consumidor em escolher, aquilo que ele quer e deseja. A planejamento do consumo coletivo estrutura a economia ao seu auto-consumo, com poucas possibilidades de produzir excedentes no caso dos países subdesenvolvidos. O consumo interno num país socialista é altamente controlado por uma cota de auto-sustentação.

Não se pode trabalhar com um sistema nem capitalista puro, nem socialista puro. Deve-se procurar uma maneira de eliminar a exploração monopolista capitalista, bem como o exacerbado controle feito pelo Estado, quanto ao consumo de seu povo. Um sistema democrático, sem oligopólio capitalista e sem essa intervenção do Estado, fará com que as necessidades econômicas sejam satisfeitas, simplesmente, pelo povo organizado e consciente. Enquanto existirem políticos querendo faturar em cima das associações de base, jamais o povo se libertará de poderosos mandantes, quer seja o Estado, quer seja o sistema capitalista. Os políticos devem trabalhar no intuito de organizar a sociedade civil, e não brigarem entre si para dominarem uma associação qualquer.

A luta de um povo se faz com muita paciência, amor e, sobretudo, dedicação, tendo em vista as decepções que este mesmo povo tem sofrido durante a sua vida de esperança por uma democracia pregada por políticos de todos os partidos e que nunca chega a ser implementada na sociedade. Esse processo de conscientização faz-se ao longo de muitos anos de trabalho árduo e tortuoso. O povo precisa se organizar, para caminhar com seus próprios pés; e, não esperar que governo resolva as questões que dizem respeito ao coletivo, e isto só será feito com a organização das comunidades, sem a intromissão do governo e de representantes do sistema capitalista. A organização da sociedade é imprescindível, não dirigida por alguém; mas, coordenada por um líder representativo da comunidade.

Com o povo organizado, ter-se-á a liberdade tão esperada pela população, que tem sofrido ao longo de muitos e muitos séculos de ditadura e imperialismo econômico-político e social. Essa liberdade só será conseguida, quando o povo não se impressionar com propagandas, com luxuosidades de lojas, e com palavras bonitas de vendedor. É preciso que o apoio que o consumidor necessita seja armado pelas suas próprias consciências, exigindo que os suprimentos dos supermercados, ou das feiras livres, sejam produtos que realmente o consumidor necessita, e de boa qualidade, produzido e administrado pelo próprio cidadão-consumidor e cidadão-produtor. Finalmente, é importante lembrar que a liberdade tarda, mas um dia virá.

Por fim, o apoio ao consumidor existe, nem que seja precário; pois, leis e mais leis são implementadas com vistas ao atendimento ao cidadão que busca fazer as suas compras dentro do princípio de honestidade e de lisura. O importante não é somente a imposição da lei quanto a este ponto; porém, a conscientização de todos, na busca de fazer cumprir o princípio moral que está dentro de cada um ser humano, que tenta se locupletar explorando aos demais. Os princípios de vida de um homem de bem, valem mais do que qualquer tipo de lei existente e opressora ao cidadão. Portanto, seria importante que voltassem os tempos do passado, onde um fio de cabelo do bigode de um homem valia muito mais do que qualquer fortuna em bancos; isto significa dizer, prevalecia a moral, mesmo que fosse com tamanha ignorância.

 


 

 


 

[1] GODARD, Francis. De la Notion de Besoin au Concept de Pratique de Classe. In: La Pensée, No. 166, Dec., 1972, p. 03.

[2] CASTEL, Manuel. L’Urbanization Dépendente en Amérique Latine. In: Espaces e Societés, No. 3, jul, 1971, p. 14.